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Felipão está entre os 10 maiores técnicos do mundo, e precisamos valorizar

Jogadores do Palmeiras levantam Felipão para comemorar a conquista do título do Brasileirão de 2018 - Thiago Ribeiro/AGIF
Jogadores do Palmeiras levantam Felipão para comemorar a conquista do título do Brasileirão de 2018 Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF

15/10/2020 04h00

Há poucos dias, li e ouvi o nome de Luiz Felipe Scolari ser relacionado como possível treinador de Vasco, Cruzeiro, Corinthians e outros clubes brasileiros. Fiquei empolgado com a possibilidade de voltar a ver o Felipão comandando um time no nosso país. Aos 71 anos, e com mais de cinco décadas dedicadas ao futebol, ele precisa ser mais valorizado por nós.

Scolari é o sexto treinador com mais títulos da história do futebol mundial, com 27 taças — figura no topo da lista ao considerarmos apenas os técnicos da América do Sul. Isso muito em função dos seus trabalhos frente ao Palmeiras, Grêmio e Guangzhou, da China, clubes por onde mais se sagrou campeão — sete títulos para cada.

Para se ter uma ideia, o primeiro deste ranking mundial é o escocês Alex Ferguson, com 49 títulos. Vale ressaltar que o eterno treinador do Manchester United ficou nada mais nada menos que 27 anos à frente dos Diabos Vermelhos, algo surreal para a atual realidade do futebol.

Tive o prazer de conviver com o Felipão no início da minha carreira. Fui convocado por ele à seleção brasileira para amistosos e jogos das Eliminatórias Sul-Americanas para a Copa de 2002, na Ásia, onde conquistou o pentacampeonato mundial com o Brasil. Quando ainda estava na base do Grêmio, Scolari me chamou algumas vezes para atuar no banguzinho, espécie de time B. Sempre foi um cara muito simples e cativante com as pessoas com quem trabalhou.

Felipão orienta os jogadores da seleção brasileira em 2002 - Gunnar Berning/Bongarts/Getty Images - Gunnar Berning/Bongarts/Getty Images
Felipão orienta os jogadores da seleção em treino na Copa-2002
Imagem: Gunnar Berning/Bongarts/Getty Images

Quando cheguei em Portugal para jogar no Sporting, em 2004, testemunhei a sua importância para o futebol de outro país. A partir do trabalho dele à frente de Portugal, o selecionado luso teve uma enorme crescente no seu rendimento. Na Euro de 2004, chegou à final contra a Grécia. Apesar da derrota na decisão, ele se tornou ídolo no país e logo conseguiu outro excelente resultado na Copa de 2006, na Alemanha, ao levar Portugal às semifinais, terminando aquele Mundial em quarto. Não há outro brasileiro que brilhou numa Copa comandando uma seleção europeia.

Por onde joguei, sendo em Portugal, Japão ou Alemanha, todos, tanto jogadores quanto treinadores, perguntavam sobre o Felipão. Todos os o admiram. Mas, no Brasil, temos um olhar extremamente crítico que joga o nosso povo para baixo.

Luiz Felipe Scolari precisa ser respeitado como um ídolo. Todos que ganharam uma Copa, independentemente se foi jogador ou treinador, são respeitados por este feito. Mas, depois do 7 a 1, se dirigem ao Felipão como se ele fosse mais um. Falta dar mais valor ao que temos. Se ele fosse paraguaio ou de outra nacionalidade, nosso olhar já seria diferente em relação a ele. A gente tem o costume de valorizar o que vem de fora. O brasileiro gosta do que é importado. Mas a análise atual do futebol se resume ao imediatismo.

É até ambíguo, porque se formos mencionar os resultados da carreira dele, toda esta tese de tentar diminuir o que ele fez ao longo destes anos virá por terra abaixo, pois não há um outro treinador no Brasil que tenha alcançado o que ele conquistou. Ele é o sexto maior treinador do mundo em relação a títulos e não sei se teremos um outro representante entre os dez primeiros tão cedo.

Felipão conversa com Deco em treino da seleção portuguesa, em 2003 - Armando Franca/AP - Armando Franca/AP
Felipão conversa com Deco em treino da seleção portuguesa, em 2003
Imagem: Armando Franca/AP

Escuto muito o discurso sem fundamento que o Felipão está ultrapassado. Sinceramente, em outros seguimentos, quanto mais tempo, mais respeito, conhecimento e carinho terá um profissional. Todos procuram médicos, advogados, professores, jornalistas e escritores qualificados, entre outras atividades. A perfeição vem com a prática e o tempo. E, lógico, isso não seria diferente no futebol. Mas sempre há a necessidade de tirar a capacidade de um treinador experiente, talvez por ele não ter paciência para se moldar à nomenclatura do linguajar da moda, de não ter mais o jogo de cintura para agradar fulano ou sicrano.

É uma covardia grande resumir o trabalho ao resultado de um jogo fatídico de Copa do Mundo. Ele poderia ter levado 10 a 1 que eu continuaria respeitando ele.

No futebol brasileiro, quando um clube é campeão, falamos em família, em grupo fechado, unido... Todo o elenco de 2002 é considerado pentacampeão mundial. Mas tudo que representou de ruim naquela partida contra a Alemanha foi colocado apenas sobre os ombros do Felipão. As vitórias e as derrotas precisam ser divididas por quem está envolvido naquela jornada.

Se fizemos a equalização correta, ninguém sentirá mais do que ninguém. Não deveríamos nem utilizar a palavra 'culpa' no esporte, pois ninguém cometeu um crime ou foi responsável por um acidente. Ninguém fez algo errado por livre e espontânea vontade para depois ter que pedir desculpas como se fosse um criminoso. Não houve falta de ética diante do adversário ou do torcedor.

Felipão toma banho durante coletiva após o título - Cesar Greco/Ag Palmeiras/Divulgação - Cesar Greco/Ag Palmeiras/Divulgação
Felipão toma banho durante coletiva após o título brasileiro do Palmeiras, em 2018
Imagem: Cesar Greco/Ag Palmeiras/Divulgação

Felipão, no entanto, absorveu tudo devido a sua lealdade com o grupo. Se fosse outro treinador, já teria disparado contra tudo e contra todos. Mas este não é o perfil de um vencedor.

Brinco que eu tive o privilégio de iniciar a minha carreira no futebol no século XX e de ter me aposentado no século XXI. Acompanhei as mudanças entre 1996, quando comecei, e 2015, ano em que parei. Peguei o tempo em que os jogadores ainda davam entrevistas dentro do vestiário, com os fios dos microfones passando no meio de todos, quase dando choque em alguém. Depois, deixei o futebol já concedendo entrevistas por meio do celular.

Quem passou por este período costuma comentar que a grande universidade de treinadores de futebol está no Sul do Brasil. O Sul é a região que mais formou treinadores nos últimos anos, sendo que quatro deles estiveram recentemente à frente da seleção brasileira -- Mano Menezes, Felipão, Dunga e Tite (estes três últimos comandaram o Brasil em quatro das últimas cinco Copas do Mundo).

Boa parte desta nova safra de treinadores teve o Felipão como inspiração, e muitos tiveram a oportunidade de começar com ele, seja trabalhando diretamente, estagiando ou por indicações. Muitos dos atuais profissionais do futebol foram projetados pelo Felipão, uma vez que ele foi e ainda é espelho para inúmeros deles.

Vi esta lealdade e gana pela vitória no Jürgen Klopp, que foi meu treinador no Borussia Dortmund. Isto é um atributo que faz muita diferença entre os jogadores. Klopp é hoje a referência por ser apontado como o melhor treinador do mundo, como Felipão já esteve no topo desta lista.

A dedicação e a fidelidade que o Felipão apresenta no dia a dia comove todos que trabalham com ele, como na conversa que tive com o Alexandre Mattos, que foi o seu diretor de futebol no Palmeiras, e juntos conquistaram o Campeonato Brasileiro de 2018.

"Trabalhar com o Felipão é sem dúvida uma das grandes honras que eu tive no futebol. Já era grande fã dele e agora me considero o presidente do fã clube por ter trabalhado com ele. Acho ele uma pessoa fantástica, caráter fora de série. Um cara que tem uma energia avassaladora, que faz todo mundo se dedicar ao máximo, por isso ele é um grande vencedor. Sem dúvida alguma, Felipão tem que estar na memória de todos que gostam do futebol brasileiro. Ele representa muito o nosso futebol, ganhou todos os títulos possíveis e, sem dúvida, está na história como um dos maiores, se não o maior, treinador de todos."

Esta grandeza do Felipão o deixa à vontade para trabalhar em qualquer clube do Brasil. Independentemente se ele tenha fortes laços com o Grêmio e com o Palmeiras, tenho convicção que ele será extremamente profissional à frente do Internacional, Corinthians ou São Paulo, mesmo que haja uma rivalidade entre estas equipes. A representatividade dele cabe em qualquer time, seja no Brasil ou no exterior. Espero que isto ocorra logo.

*Com colaboração de Augusto Zaupa