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Staff será determinante na temporada, principalmente no Natal e Réveillon

Técnico Odair Hellmann conversa com os jogadores do Fluminense durante treino antes de jogo contra o Athletico - Mailson Santana/Fluminense FC
Técnico Odair Hellmann conversa com os jogadores do Fluminense durante treino antes de jogo contra o Athletico Imagem: Mailson Santana/Fluminense FC

03/09/2020 04h00

Setembro já começou, e com ele iniciou a maratona de jogos para boa parte dos clubes da elite do futebol. Internacional, Grêmio e Palmeiras terão pela frente nove partidas neste mês — seis pelo Campeonato Brasileiro e três pela Copa Libertadores, média de uma partida a cada três dias.

Demais equipes que disputam a principal competição sul-americana também sofrerão com esta rotina. Visto que Flamengo, São Paulo, Athletico-PR, Santos e São Paulo terão oito compromissos pela frente. Esta realidade também se repetirá para os que ainda estão na briga pela Copa do Brasil.

Muito provavelmente essa rotina irá se se manter em outubro, quando teremos o início das oitavas de final da Copa do Brasil, que só então contará com estes clubes que estão na Libertadores e ainda não estrearam no mata-mata nacional.

Com o afunilamento dos jogos decisivos, sucessivas viagens desgastantes — dentro e fora do território brasileiro —, logística atribulada e cobranças de todos os lados, o trabalho da equipe de staff destes times será fundamental. Se este conjunto já é importante, será ainda emblemático e significativo nesta temporada atípica que estamos vendo, com torneios adentrando 2021 e jogos às vésperas do Natal e do Réveillon.

Matheus Henrique, volante do Grêmio, faz teste para o novo coronavírus antes de treino no CT - Lucas Uebel/Grêmio FBPA - Lucas Uebel/Grêmio FBPA
Matheus Henrique faz teste para o novo coronavírus no retorno dos treinos do Grêmio
Imagem: Lucas Uebel/Grêmio FBPA
Nunca na história os jogadores profissionais ficaram quatros meses sem atuar, uma vez que o atleta de alto nível costuma ter 30 dias de férias. Claro, não estou falando de períodos de paralisação por causa de lesões, e sim levando em conta apenas a rotina comum. Então, estamos vivendo uma situação anormal.

Conversei com diferentes membros de comissões técnicas de times da Série A, de várias partes do Brasil: o técnico Odair Hellmann e o seu auxiliar Maurício Dulac no Fluminense; Rodrigo Caetano, diretor-executivo do Internacional; Paulo Paixão, preparador físico do Bahia; Márcio Meira e Guilherme Oliveira, preparador físico e nutricionista do Grêmio; e Eduardo Silva, conhecido como Dudu, que é preparador físico e trabalha com o Mano Menezes.

E todos foram unânimes: o time que for a campo não será formado por apenas 11 jogadores, mas sim pelo grupo todo e, principalmente, por tudo o que é feito antes dos 90 minutos no campo. Este importante trabalho da equipe de staff, que fica atrás da cortina e não é visto no dia a dia pelos torcedores, terá muito relevância até fevereiro. As escalações serão definidas a cada rodada a partir de conversas com estes profissionais que estão nos bastidores.

Vamos fazer uma comparação com a Fórmula 1. Quando olhamos para pista, enxergamos apenas os pilotos e os seus carros. Mas quando eles vão para os boxes para fazer o pit stop, presenciamos que se trata muito mais do que apenas um homem e uma máquina. Há um esquadrão de mecânicos e engenheiros envolvidos naquela equipe. Só a troca de pneus envolve entre 10 e 15 pessoas naquela fração de segundos.

No futebol é a mesma coisa. Quando vamos para o estádio ou assistimos ao jogo pela TV, olhamos no banco de reservas os suplentes, o massagista, o técnico e o seu auxiliar. Mas até chegar àquele momento, estiveram em ação os nutricionistas, os médicos, os fisioterapeutas, os fisiologistas, os psicólogos, os preparadores físicos, os preparadores de goleiros, os massagistas, os roupeiros, os analistas de desempenho, os assessores de imprensa, os observadores técnicos, a equipe de enfermagem... É uma gama de profissionais que muitas pessoas não têm ideia que são fundamentais para o futebol de alto rendimento.

Jogos às vésperas do Natal

Outro fato importantíssimo que precisamos alertar é que não estamos adaptados a ter jogos na segunda quinzena de dezembro e nas primeiras semanas de janeiro. O jogador brasileiro não está acostumado a ir a campo para encarar uma partida decisiva às vésperas do Natal e do Réveillon. E olha, teremos jogos nos dias 26 e 27 de dezembro e 2 e 3 de janeiro pelo Brasileirão, além do dia 30 pela Copa do Brasil.

Alan Irvine, técnico do West Bromwich, em jogo da Premier League com nevasca no Boxing Day - AMA/Corbis via Getty Images - AMA/Corbis via Getty Images
Alan Irvine, técnico do West Bromwich, em jogo da Premier League com nevasca no Boxing Day
Imagem: AMA/Corbis via Getty Images
O trabalho psicológico será fundamental para manter o foco dos atletas. Em dezembro, já estamos no espírito de festas, com o sentimento de fechar logo o ano. E quando entra janeiro, ainda estamos com a cabeça na praia e esperando a chegada do Carnaval.

Lembro que, quando eu fui jogar pelas primeiras vezes no exterior, no Japão e em Portugal, a minha maior dificuldade era passar o Réveillon em casa e ter que ir ao aeroporto logo no dia seguinte. Eu pegava a estrada sozinho e via os demais carros no sentido contrário rumo à praia. Psicologicamente, isso era horrível.

Como na época não havia WhatsApp e redes sociais, o meu empresário passou a instruir os meus amigos da Restinga. Quando eu ligava para eles, em janeiro e fevereiro, com a praia bombando, me falavam que a praia estava horrível, chovendo e que não tinha festa... Isto me confortava, porque me remoía ao deixar familiares e amigos no melhor momento do ano para voltar e jogar na neve. Claro, isso foi passando, principalmente quando fui jogar na Alemanha.

Conversando com o Paulo Paixão, preparador físico do Bahia, ele recordou que passou por uma experiência semelhante na Copa Mercosul de 2000, quando Palmeiras e Vasco fizeram o jogo decisivo pelo título em 20 de dezembro. O clima era diferente, as pessoas já encaravam o ano como encerrado.

Há vários fatores que precisamos considerar nesta retomada dos campeonatos. Por exemplo, o clima. Em uma determinada rodada disputada em dezembro, um time terá que ir a Porto Alegre em pleno o verão, quando a capital gaúcha registra altas temperaturas e clima abafado, com umidade na casa dos 66%. Dias depois, este mesmo time embarca para o Recife, onde encontrará a temperatura perto dos 40ºC e com umidade baixa, típica de clima desértico. A queda do rendimento físico dos elencos será nítida e nós teremos que nos adaptar a isso.

Logística afetada

O Rodrigo Caetano, diretor-executivo do Internacional, também me revelou outro ponto importante: a falta de autonomia para organizar a logística. Agora, não adianta apenas um clube querer, é preciso se adequar o que há à disposição.

Jogadores do Inter agradecem apoio em saída da delegação no aeroporto - Divulgação/Inter - Divulgação/Inter
Jogadores do Inter agradecem apoio em saída da delegação no aeroporto, em 2019
Imagem: Divulgação/Inter
Algumas equipes costumam se organizar para chegar na cidade onde atuará como visitante com alguns dias de antecedência, seja para treinar ou descansar. Mas, agora, não adianta só querer, porque a malha aérea foi encurtada. Uma trecho que seria rápido, de apenas 50 minutos, não está mais à disposição. Desta forma, é preciso fretar um voo, algo que também mexe com as finanças do clube.

A hotelaria é outro fator que atingirá o orçamento. Em jogos no Nordeste ou no Rio de Janeiro próximo do Natal e do Ano Novo, será complicado estruturar a hospedagem porque estas cidades costumam estar repletas de turistas nesta época do ano. Ou seja, os valores das diárias dos hotéis irão aumentar devido à alta temporada.

Hora de se equiparar à Europa?

Por causa disto tudo, teremos que encarar com naturalidade se um time jogar com, teoricamente, 11 reservas. Isto vale para a imprensa e aos torcedores. Não tem que ter susto ao ver uma equipe repleta de suplentes. São os clubes que precisam se organizar e para obter peças de reposição de alto nível, como fez o Flamengo em 2019. É muito comum na Europa presenciar o treinador escolher pelo descanso nos treinos ao invés de poupar nos jogos. É preciso ter noção sobre o que é mais importante nestes momentos.

Muitos pedem que o calendário brasileiro seja equiparado com o europeu. Desta forma, teremos uma pequena experiência em relação a isso nesta temporada, visto que definições de fases e títulos ficarão para 2021. Aí sim veremos quanto é difícil assemelhar os calendários. Encaramos dezembro e janeiro de uma forma mais devagar e relaxada, esta é a nossa cultura. É muito difícil virar a chave com este fator emocional.

Esta será uma reta final de temporada para darmos o verdadeiro valor aos profissionais do staff, que são fundamentais para colocar a "equipe na pista", ou seja, o carro que são os jogadores e o piloto é o treinador.

* Com colaboração de Augusto Zaupa