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Tales Torraga

REPORTAGEM

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Tango usado pelo Palmeiras com Flaco López significa fracasso na Argentina

Jose Manuel Lopez, do Lanús, em jogo contra o Wanderers (URU) pela Sul-Americana - ALEJANDRO PAGNI / AFP
Jose Manuel Lopez, do Lanús, em jogo contra o Wanderers (URU) pela Sul-Americana Imagem: ALEJANDRO PAGNI / AFP

Colunista do UOL

18/06/2022 04h00

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A chegada de José "Flaco" López foi tratada com pompa pelo Palmeiras. A postagem anunciando sua contratação teve até o tango "Por una cabeza", de Carlos Gardel.

A incorporação de um argentino, afinal, pedia uma música do país, e a escolha recaiu naquela que talvez seja a mais famosa, protagonista até de um filme norte-americano em 1992, "Perfume de Mulher", o da célebre dança entre Al Pacino e Gabrielle Anwar.

Para um atacante que se destaca pelo forte cabeceio, "Por una cabeza" parecia ser opção certeira. O que nem todos sabem no Brasil, porém, é que a música na Argentina está fortemente ligada a fracassos, angústias e tragédias.

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Carlos Gardel, o "rei do tango"
Imagem: Reprodução web

A encruzilhada de Gardel

Tango é coisa muito séria na Argentina. Há até um curso separado dentro da UBA (Universidade de Buenos Aires) só para estudar o gênero que representa o país em todo o planeta.

Como disse certa vez o escritor e filósofo norte-americano Waldo Frank, "o tango é a dança popular mais profunda do mundo", e em pleno 2022 há toda uma formalidade portenha com o tema.

Em meio às metáforas e às compreensões sobre o "pensamento triste que pode ser dançado", como o tango também é conhecido, há um texto, assinado pela Real Academia Espanhola, tratando a letra de "Por una cabeza" como "a encruzilhada de Gardel em seu fracasso com a angústia da escolha".

"Fracasso na aposta por um cavalo ou no amor por uma mulher. Afinal, tal amor não era verdadeiro, em que pese as promessas em não apostar ou não se apaixonar", diz o trecho que faz parte da divulgação até do governo argentino sobre a obra do lendário cantor.

Escrita em dupla com o poeta brasileiro Alfredo Le Pera, "Por una cabeza" faz menção às corridas de cavalo, que eram a paixão de Gardel, além da referência à derrota explícita no trecho "irmão, não há que apostar".

Nas conversas entre os mais antigos em Buenos Aires, é comum ouvir um lamento dizendo que algo não ocorreu "por una cabeza" (do "páreo apertado, definido por uma cabeça"). O equivalente brasileiro seria o "bateu na trave" (que existe também na Argentina com o "pegó en el palo").

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Estátua de Carlos Gardel
Imagem: Adrian Piritz

Tiro, ciúme e bebida

O que deu ainda mais carga negativa à história de "Por una cabeza" foi sua data de lançamento: 19 de março de 1935. Exatos três meses e cinco dias depois, Gardel e Le Pera morreram em acidente aéreo em Medellín, a 57 quilômetros de onde viria a ocorrer o desastre da Chapecoense em 2016.

A proximidade entre o lançamento de "Por una cabeza", em Nova York, e a data da morte de Gardel, em turnê pela Colômbia, deu cores de tragédia à canção em Buenos Aires — era, afinal, o sucesso do momento que tocava nas rádios portenhas quando o "rei do tango" morreu.

Associação semelhante o Brasil faz, por exemplo, com Ayrton Senna. Vê-lo com o macacão da Williams é inevitavelmente se lembrar do seu acidente fatal.

A Argentina que tanto amou Gardel não contou com nenhuma apresentação presencial daquele que viria a ser seu maior sucesso fora das fronteiras.

O tempo, porém, apagou tal ressentimento, conservando apenas o enigma que envolve sua morte até hoje.

Há versões que indicam discussões por ciúmes dentro do avião, disputas a tiros por mulheres e até que o piloto do avião estaria bêbado e sem licença.