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Tales Torraga

REPORTAGEM

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Como a Argentina perdeu a camisa de Maradona a 17 segundos do fim do leilão

Camisa usada por Maradona no jogo da "La Mano de Dios" foi leiloada - Reprodução/ Twitter
Camisa usada por Maradona no jogo da "La Mano de Dios" foi leiloada Imagem: Reprodução/ Twitter

Colunista do UOL

05/05/2022 04h00

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Por instantes, Buenos Aires prendeu a respiração ontem (4) como se o épico jogo contra a Inglaterra na Copa do Mundo de 1986 voltasse a ser disputado. O leilão da camisa usada por Diego Maradona naquela partida terminou, porém, com um sabor terrivelmente amargo para os portenhos que viram o seu lance ser derrotado a meros 17 segundos do fim do leilão organizado pela casa inglesa Sotheby's.

Durante duas semanas, a camisa teve uma única oferta, de quatro milhões de libras (quase US$ 5 milhões). Às 11h45 (horário da Argentina e de Brasília) desta quarta-feira, surgiu uma nova proposta, de 4,2 milhões de libras.

Nos últimos cinco minutos, com acompanhamento ao vivo das principais rádios e TVs portenhas, vieram cinco lances seguidos: de 4,5 milhões de libras, 4,8 milhões, 5,0 milhões, 5,5 milhões e o último, a 17 segundos do final, encerrou a questão com o oferecimento de 7,14 milhões de libras (US$ 8,9 milhões de dólares, R$ 46,4 milhões na cotação atual).

A Sotheby's não informou a identidade do comprador, apenas registrou que o lance veio do Oriente Médio. Para a Argentina, restou o choro desconsolado ao vivo do empresário Marcelo Ordas, famoso colecionador de camisas do país.

Com apoio de diversos outros empresários argentinos e até do presidente da AFA, Claudio "Chiqui" Tapia, ele foi pessoalmente a Londres com a esperança de levar o artigo ao país — algo que esteve a 17 segundos de conseguir, deixando os jornalistas perplexos com o desfecho e com a insuficiência da sua proposta de 5,5 milhões de libras (quase US$ 7 milhões).

Em entrevista à Rádio La Red na tarde de ontem, Marcelo que vai procurar os responsáveis pelo lance final para uma negociação paralela: "Esta camisa é o sabre de San Martín do século 20", comparou, em alusão ao herói da independência da Argentina. "Não faz sentido que esta peça não fique em nosso país."

De acordo com a Sotheby's, o valor na camisa de Maradona é o maior já pago a uma coleção esportiva. O recorde anterior era de uma camisa usada pela lenda do beisebol Babe Ruth no final da década de 1920. Ela foi vendida em 2019 por 5,6 milhões de dólares (cerca de R$ 27,9 milhões na cotação atual).

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Empresário argentino, Marcelo Ordas esteve em Londres para arrematar camisa de Maradona
Imagem: Reprodução Instagram

Orgulho nacional

Uma pergunta sobrevoou a Argentina nas últimas décadas: por que a camisa dos lendários gols de Diego Maradona contra os ingleses em 1986 ficava justamente na Inglaterra, e não em Buenos Aires?

Pois o artigo de luxo, sem dúvida um dos itens mais importantes da história do esporte mundial, esteve realmente perto da capital portenha. Um grupo de apaixonados prometeu uma vaquinha virtual, mas, no fim, a verba arrecadada e destinada ao empresário Marcelo Ordas foi insuficiente para arrematar a peça.

A iniciativa ganhou corpo porque Steve Hodge, meio-campista da Inglaterra que trocou a camisa com Maradona, resolveu leiloar a sua relíquia. Os lances foram abertos em 20 de abril, e a expectativa era faturar até US$ 8 milhões (cerca de R$ 37,6 millhões). O valor final (US$ 8,9 milhões) ultrapassou devidamente esta meta.

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Camisa usada por Maradona nos gols da "mão de Deus" e do "Século" foi a leilão
Imagem: Divulgação Sotheby´s

Era ela ou não?

Como tudo o que envolve Maradona gera discussão, a sua camisa contra a Inglaterra também causou idas e vindas em Buenos Aires.

Assim que soube da iniciativa do leilão, Dalma Maradona, filha mais velha do astro, disse na Radio Metro, na qual trabalha como comentarista, que a camisa era uma mentira, e que a peça original estava com a família.

"Diego jamais permitiria este leilão, seja da camisa do primeiro ou do segundo tempo. Que este ex-jogador faça isso é deprimente", completou Claudia Villafañe, ex-mulher do craque. "Não se faz isso com a simples gentileza entre esportistas. A não ser que este valor seja para caridade."

Em resposta ao questionamento de Dalma, a Sotheby's emitiu um extenso comunicado provando que sua camisa é real — por fotos, comprovava imperfeições no escudo, na manga e na gola que garantiam a autenticidade da peça que esteve exposta no Museu do Futebol de Manchester desde 2003.

Por toda sua vida, segundo Dalma, Diego Maradona garantiu à família que a camisa de Hodge era a do primeiro tempo — seus dois históricos gols saíram na segunda metade.

Depois do laudo da Sotheby's, a família começou a se convencer de que a versão de Maradona foi, na verdade, uma "gambeta", como os argentinos chamam o drible (e um despiste para encerrar o assunto).

Um mistério eterno, este Maradona.