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Tênis tem limite, e todos podemos aprender com isso

"Imediatamente, senti meu corpo inteiro tremendo e ficava sufocado após cada ponto... Meu corpo me enviou um sinal. Um sinal para parar imediatamente. Era impossível lembrar onde eu estava. Ainda estou confuso quanto ao que aconteceu hoje."

O relato acima é do francês Terence Atmane, atual #61 do mundo, sobre sua partida na primeira rodada do Masters 1000 de Xangai. Ele abandonou o jogo no primeiro set, com o placar em 4/4 contra o argentino Ugo Carabelli.

Atmane é "só" mais um em uma crescente lista de tenistas que encerraram precocemente sua temporada alegando questões de saúde mental. Além do bem divulgado caso da brasileira Beatriz Haddad Maia, já estão "de férias" Ons Jabeur, Elina Svitolina, Daria Kasatkina, Paula Badosa, Jil Teichmann e outros.

Até quem segue competindo já reclamou de desgaste físico e, sobretudo, mental durante o ano. Alexander Zverev declarou que deveria ter descansado mais após perder a final do Australian Open. Iga Swiatek disse que chegou a passar três semanas chorando diariamente, sem vontade de pisar numa quadra.

As histórias meio que se repetem ano após ano, mas vão ficando mais frequentes. O finlandês Emil Ruusuvuori, que já foi uma das maiores promessas do esporte, passou quatro meses e meio sem tocar na raquete durante o ano passado. Esquecia coisas. Sofria ataques de pânico.

Em 2023, Amanda Anisimova passou quase um ano afastada. Em 2022, Simona Halep teve um ataque de pânico em Roland Garros. Naomi Osaka tirou "férias antecipadas" em 2021, quando falou sobre depressão. Ashleigh Barty se afastou em 2014 e só voltou em 2016. No começo dos anos 2000, veio à tona o caso de Jelena Dokic, que sofreu todo tipo de abuso mental causado por seu pai. Na década de 1990, Jennifer Capriati, que estabeleceu um punhado de recordes de precocidade (foi top 10 com 14 anos), também teve seus problemas.

Origens diferentes, mas efeitos mentais com consequências em comum. Pausas forçadas, carreiras interrompidas (ou destruídas), sucesso não aproveitado. E o tênis continua como uma máquina moedora de mentes.

Não existe um culpado. São vários. Há quem coloque a maior parte da carga no calendário e seus novos Masters/WTA 1000 com 10-15 dias de duração. Eles certamente têm seu efeito no desgaste mental dos atletas, mas este talvez seja apenas o elemento mais novo da equação. Há pressão por nível de desempenho, resultados, pontos, dinheiro. No meio disso tudo, ainda é preciso fazer planejamentos logístico, físico, técnico e tático. Somemos agora o bullying das redes sociais. Imagine, então, caro leitor, passar por isso torneio após torneio, ano após ano, muitas vezes com apenas 15 dias (se tanto!) de férias reais. O acúmulo de temporadas é destruidor.

Não existe uma solução simples. Do jeito que o tênis é estruturado, sem salários fixos e quase sem rede de apoio institucional, é duro tentar algo diferente. "É só jogar menos", pode dizer o leigo. Só que jogar menos equivale a não ganhar premiação alguma em um período, algo que não afeta os Alcarazes e Sinners da vida, mas gera uma série de complicações para a grande maioria do circuito.

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Tirar dois meses de férias significa não só ganhar menos dinheiro como correr o risco de perder pontos e posições no ranking. E quem cai no ranking pode deixar de ser cabeça de chave ou até não conseguir mais entrar em certo nível de torneio (e de premiação!). Portanto, a queda também gera uma pressão extra na volta (sem falar em uma provável dose de ansiedade durante as férias): é preciso conseguir resultados logo para poder retornar aos torneios (e premiações) de antes. E se esses resultados não vêm com a velocidade desejada... Mais pressão. É um efeito bola de neve que afeta a saúde mental de qualquer um.

O lado bom da coisa - se é possível chamar isso de "lado bom" - é que o esporte vem compreendendo melhor as questões de saúde mental. Já não cabe mais rotular como "cabeça fraca" atletas que sofrem e falam publicamente sobre esse tipo de problema. É preciso que falem mais. Admitam mais. Divulguem mais. Nosso mundo moderno, um universo de pessoas sobrecarregadas e pressionadas a entregarem cada vez mais e mais rápido, também precisa entender mais e julgar menos.

Que o tênis aprenda e melhore, mudando e dando mais suporte a seus protagonistas e coadjuvantes. E nós, como sociedade, temos que aprender junto.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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