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ReportagemEsporte

Gui Teixeira, parte II: sempre no ataque e freando expectativas por Fonseca

Na primeira parte da entrevista que fiz com Guilherme Teixeira, técnico de João Fonseca, conhecemos um pouco da trajetória do mineiro de 37 anos que tem a responsabilidade de levar ao topo uma das maiores promessas do tênis mundial. Nesta segunda parte, podemos ouvir do treinador o que ele pensa sobre tênis, tenistas e sua maneira ideal de trabalhar.

No aspecto pessoal, Teixeira revela como o tênis fez bem para a sua autoestima quando jovem e, por isso, mantém aceso o sonho de retribuir tudo que conquistou (e ainda deve conquistar um bocado) na modalidade. No âmbito profissional, é particularmente interessante ouvir do treinador que ele sempre foi a favor do estilo ultra agressivo de João Fonseca dentro de quadras. "É mais fácil você domar um cara que bate muito do que instalar esse instinto agressivo num cara que é mais conservador. Então eu confesso que nunca tive essa preocupação."

Leia abaixo o resto da conversa gravada em fevereiro, durante o Rio Open, e saiba também o que Teixeira planeja para os próximos passos da carreira de João Fonseca.

De modo geral, o que você gosta de ver num atleta? Não precisa ser do João. No circuito, quais são as características que você admira?

A primeira coisa é que o atleta tem que conseguir entender a importância das rotinas e tem que se vislumbrar lá na frente. Isso são as duas coisas principais. Porque se ele realmente consegue se enxergar lá na frente e der valor ao dia a dia, a gente consegue um caminho para ele alcançar o objetivo.

Com o João sempre foi assim?

Sim. O João sempre foi um cara muito seguro, muito convicto, de autoestima elevada. Meu papel com ele era mais no sentido de orientá-lo nas rotinas, de mostrar para ele a importância das pequenas coisas no longo prazo. O quanto as pequenas coisas, quando elas passam de coisas novas a um hábito, o quanto isso faria de diferença para a carreira dele no futuro. E às vezes é um porcentinho aqui e outro ali e, na hora que você soma, dá 10%, que é o que muda um jogo. Então foi muito nesse papel, num alinhamento muito grande com os pais também, principalmente nos setores fora do tênis que, bem organizados, poderiam repercutir dentro da quadra, então seria mais por aí.

E o que você não gosta em um atleta? Não precisa ser algo do João, evidentemente, mas de modo geral, o que atrapalha mais no trabalho com um atleta?

Para mim, o que atrapalha normalmente é o perfil. Como a gente fala lá na Yes [Tennis, academia onde ele e Fonseca treinam], não é nem o nível do atleta. É o perfil. Se você tem um perfil que, às vezes, é desagregador, desrespeitoso ou que... Enfim, eu acredito bastante nisso. Que o perfil é um fator determinante para um bom trabalho.

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Como é um tenista ideal para ser treinado? Que características ele precisa ter, além do que você já mencionou?

Ah, acho que o tenista ideal é aquele que está disposto a evoluir, que consegue escutar as coisas que estão sendo faladas para ele pela comissão técnica e o que tem força de vontade para trabalhar dia após dia em coisas que são às vezes um pouco parecidas. Fazer a mesma coisa por muitos anos.

E isso independe do nível, né?

Independente do nível.

Guilherme Teixeira, técnico de João Fonseca
Guilherme Teixeira, técnico de João Fonseca Imagem: Divulgação/Fotojump

Qual é a maior dificuldade do trabalho de um treinador para você?

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Com certeza, equilibrar todos esses fatores. O quanto você aperta, o quanto você abraça, como você mede essa questão da confiança, como você convence ele de que o resultado é uma consequência disso tudo.... Basicamente, a gente tem que subir no ranking e fazer ponto, mas a gente não pode pensar no ponto. Acho que é por aí.

O que mais te dá prazer no trabalho de treinador?

Com certeza, saber que os melhores do mundo hoje têm muita coisa para melhorar. Então na hora que eu levanto, de manhã, ainda falo: "A gente tem um caminho longo pela frente. Tem muito trabalho." Então é como se a gente tivesse muito trabalho, um trabalho desafiador e quase sem fim. Você sempre tem coisas a serem feitas. Isso é legal porque você tem um norte muito claro quando você está treinando um atleta de alta performance que está exposto o tempo inteiro. Sempre tenho as coisas muito claras, e é muito bom quando você tem um objetivo: aonde eu quero chegar e o que precisa fazer para estar lá.

Você tem um sonho no tênis?

Sim. Vários (risos).

Quais deles você pode falar?

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Eu posso falar, que ele engloba praticamente todos, é tentar retribuir o que o tênis fez para a minha vida. Acho que quando eu conheci o tênis, ele transformou muito a minha vida. Minha mãe é professora de português, extremamente inteligente, meus dois irmãos são inteligentíssimos, e eu era aquele cara que ia para a escola dizendo "meu deus, como vou fazer para me concentrar?" Eu achei o tênis, que deu um significado para a minha vida. Eu tinha prazer em acordar para ir treinar e chegar no treino logo, jogar os torneios, e realmente isso transformou a minha vida em questões de autoestima. Hoje eu realmente acho que com dedicação e com esforço, eu consigo atingir as coisas. Meu sonho é devolver isso para o tênis através dos meninos, através da Yes Tennis. Acho que tentar proporcionar tudo que o tênis proporcionou na minha vida.

Guilherme Teixeira, técnico de João Fonseca
Guilherme Teixeira, técnico de João Fonseca Imagem: Divulgação/Fotojump

Pra terminar, só mais algumas perguntas sobre o João. Do pouco que eu vi ele jogando juvenil, eu tinha a impressão de que era um garoto que batia muito na bola e media pouco aonde a bola estava indo. Eu lembro de um jogo contra o [belga Alexander] Blockx, no Australian Open de 2023, que ele bate, bate...

O voleio!

Sim! Ele deu muito ponto de graça e teve aquele voleio no finzinho [nas quartas de final, Fonseca erra um voleio simples no tie-break do segundo set, quando podia fechar o jogo, e acaba perdendo de virada]. Um pecado porque o Blockx foi campeão depois. Mas houve algum momento em que foi difícil domar esse instinto agressivo do João?

Eu confesso que nunca tive essa preocupação porque no determinado momento que eu entendi como o João era e como ele funcionava.... O João é um cara que vai rompendo as barreiras. Ele foi entendendo, no tempo dele, o que ele precisava e ia se ajustando. Foi uma discussão que eu já tive com vários treinadores. Eu acho que é mais fácil você domar um cara que bate muito do que às vezes você instalar esse instinto agressivo num cara que às vezes avalia todos os pontos, que é mais conservador. Então eu confesso que nunca tive essa preocupação. Óbvio que a gente treinou muito. Muito na linha de criar objetivos que fizessem com que ele cumprisse a tarefa muito mais do que pedir para ele controlar a bola. Às vezes, a tarefa era botar X bolas dentro. Um número triplicado ou quadruplicado do que ele está acostumado. Muito mais do que falar "controla essa bola". Foi uma palavra que a gente usou poucas vezes. Porque é dele! Eu acho que uma das principais tarefas do treinador é "como eu faço esse menino jogar dentro do perfil dele". Não adiante você dizer para um cara que avalia toda jogada que ele tem que pegar muito duro. E o contrário também é verdade. Óbvio. Cada vez mais, a gente tem que saber fazer tudo. Mas de novo: quando eu entendi como a cabeça dele trabalhava, era mais importante eu jogar o desafio para ele porque eu sabia que ele ia se adaptar às realidades.

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Usando como exemplo um estrangeiro pra não magoar ninguém, mas você não pega um Casper Ruud, que é um "jogador de xadrez", joga com porcentagens, e manda dar porrada em todas as bolas.

Exato. Eu acredito muito nisso: é mais fácil domar um cara que bate muito do que convencer um cara mais conservador de que ele tem que ser mais agressivo.

Vocês fizeram uma arrancada espetacular desde o Next Gen Finals, em dezembro, até agora. Qual é o maior desafio neste momento?

O dia seguinte vai ser igual ao que era antes. A gente tem muito claras o que a gente precisa melhorar. A gente tem que se apegar a isso. O hype, o entorno, a gente tenta controlar da maneira que a gente pode. Mas, na verdade, o principal objetivo agora é nos adaptar à nova realidade. Tem certas coisas que são muito novas, mas o time está muito unido, com as funções muito bem determinadas. Ninguém invade o quadrado de ninguém. Todo mundo consegue entender o papel e, principalmente, pedir ajuda. Tem uma torcida muito grande, mas a gente tem que medir isso para que ele continue sendo o João, e que essas expectativas externas não influenciem na nossa maneira de tocar as coisas. Foi o que nos trouxe até aqui. O momento agora é de adaptação à nova realidade. A gente está conseguindo construir coisas legais e coisas que a gente vinha batendo na tecla há muito tempo, que era fazer boas sequências de jogos, conseguir performar melhor durante a semana. O João sempre foi um cara que ganhava bons jogos durante a semana e, às vezes, não conseguia ter essa consistência. Mais uma vez ele provou isso. Desde o Next Gen [em dezembro], teve essa virada de chave. O mais importante agora é entender, saber que a gente passa para um próximo nível que é muito mais exigente. Tem que refazer toda questão da parte mental para alinhar com todas essas novidades. Tem que alinhar a questão da parte física, que ainda é um corpo de 18 anos que está dentro de um lugar com pessoas mais maduras nesse aspecto. Não ter pressa. É o momento de ter calma, pensar no longo prazo dele e prepará-lo para estabilizar e ir para o próximo degrau.

Reportagem

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