Rio Open: 30 opiniões sobre o maior torneio do Brasil
Chega ao fim a 11ª edição do Rio Open, o maior torneio de saibro das Américas. Foi uma edição um tanto peculiar, não só pelas desistências de dois dos três grandes nomes estrangeiros que viriam, mas também pela chegada de João Fonseca com status de herói nacional, com direito a megacobertura jornalística e até ofuscando a presença do ilustríssimo convidado Juan Martín del Potro.
É hora, então, daquele tradicional textão que analisa, parágrafo a parágrafo o que aconteceu nestes últimos dez dias no Rio de Janeiro, com acertos e erros do torneio, jogadores, etc.
1. Ingressos: ok, vamos direto ao ponto que vem sendo o mais polêmico desde o fim da pandemia, quando a demanda por entradas para o Rio Open voltou a ser enorme. O complexo esteve lotado desde o sábado do quali até o domingo da final e, segundo o diretor do torneio, Lui Carvalho, as pessoas vêm passando cada vez mais tempo dentro do Jockey. Até aí, ótimo. O maior problema para o torneio ainda é a percepção de que a quadra central fica com assentos vazios porque os bilhetes "desaparecem". É um problema mais de percepção do que de realidade. Fica fácil de entender para quem vai ao Jockey e vê: 1) a Quadra 1 cheia; e 2) a quantidade de gente circulando no Leblon Boulevard, comendo ou participando das atrações interativas dos muitos estandes.
2. "Ah, mas os ingressos se esgotam muito rápido." Sim. Quando há mais de 300 mil pessoas em busca de, digamos, 50 mil ingresso, a tendência é que isso aconteça mesmo. Ontem, na coletiva, o diretor do Rio Open afirmou que havia 350 mil pessoas na plataforma da Eventim no momento em que começou a venda de ingressos online. Não sei se o torneio informou esse número naquele dia, mas talvez seja o caso de reforçar essa informação até que o público entenda que os ingressos para o Rio Open são tão cobiçados - proporcionalmente falando - quanto para um show da Shakira ou do Coldplay.
3. A plataforma da Eventim não ajuda, e isso também danifica a imagem no torneio na questão da venda de ingressos. O mesmo vale para Claro e Santander quando o cliente não consegue ter acesso a informações básicas como o código necessário para fazer uma compra com desconto.
4. "Ah, mas e os cambistas?" Taí algo que o Rio Open não consegue evitar, mas não se trata exatamente de uma problema apenas do torneio, certo? Quando esse tipo de ação ocorre ao lado de um carro da polícia militar (vejam nesta reportagem que fiz em parceria com Bruno Braz, do UOL), há uma questão mais grave. Uma luz no fim do túnel? No dia seguinte ao da reportagem, mais de 20 cambistas foram detidos. Talvez tenha algo a ver com a referida peça jornalística.
5. "A chave é fraca, parece um Challenger." É uma questão complexa que já abordei em textos no passado. Sim, é uma chave fraca em comparação com outros ATPs 500 mais ricos e mais beneficiados pelo calendário da ATP. No entanto, contratar o número 2 do mundo e, ao todo, três top 20 para jogar 1) no saibro; 2) em fevereiro; e 3) na América do Sul é um trabalho brilhante. Lui Carvalho merece parabéns. Não é culpa do torneio se Musetti e Rune se lesionam uma semana antes.
6. O grande dilema nesse sentido (que, repito, envolve data, piso e geografia) talvez seja o chamado "cobertor curto". Quando os astros se lesionam ou perdem cedo, o torneio realmente perde boa parte de seu apelo. Não é questão de desrespeitar nenhum atleta aqui, mas ninguém compra ingressos para as quartas de final de um ATP 500 acreditando que vai ver Francisco Comesaña, Alexandre Muller, Chun-Hsin Tseng ou Camilo Carabelli - que são todos competentíssimos, mas sem "star power". E, ainda assim, ir ao Jockey continua sendo um belíssimo programa para o fã de tênis.
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7. Não pode passar batido: é uma pena que mesmo num ATP 500 esvaziado assim nenhum brasileiro tenha conseguido aproveitar para avançar na chave. Fonseca tinha todos atenuantes que já citei em posts anteriores, mas Monteiro deveria ter passado por Tseng; Wild jogou fora o terceiro set contra Munar, perdendo a chance de jogar contar Faria nas oitavas, Carabelli nas quartas e Báez (que ele derrotou em Buenos Aires) na semi; e Meligeni fez pouquíssimo contra um Shevchenko que havia ido para a noite carioca na véspera.
8. A ironia: Fonseca foi a Buenos Aires, conquistou o título com seguidas vitórias sobre argentinos, e houve quem fizesse piada de nossos hermanos. Pois é. Aqui, onde valia o dobro de pontos, eles dominaram, com três semifinalistas e o campeão. Pra não deixar dúvidas sobre quem manda no continente.
9. Sobre Zverev: o alemão veio, treinou muito e deu um zilhão de autógrafos. Só não jogou bem quanto poderia e desperdiçou uma bela vantagem no terceiro set contra Comesaña. Falou bem do Rio, do torneio e deixou aberta a possibilidade de voltar. Foi, no mínimo, um profissional e tanto durante sua passagem.
10. Vale citar: Sascha chegou ao Rio no sábado do qualifying e teve a chance de ver Flamengo x Vasco, convidado pelo torneio, no Maracanã. Em vez disso, foi para o Jockey treinar à noite e bateu bola por três horas. Sim, ele realmente queria ter feito mais e jogado melhor no Rio Open. Esforço não faltou.
11. Musetti também foi extremamente profissional. Mesmo achando que não teria condições de jogar, veio até o Rio, deu entrevistas, cumpriu compromissos e ficou boa parte da semana na cidade. A lesão não era tão simples, tanto que ele também foi forçado a desistir de competir em Acapulco nesta semana.
12. Sobre Rune: nunca vi Lui Carvalho falar de um jogador como na coletiva de domingo. Depois de elogiar Musetti pela postura, disse apenas: "O Rune foi o Rune." Para bom entendedor, meia pala basta. Não acho que o dinamarquês voltará a estar na lista de astros do Rio Open.
13. Báez, o campeão, pode não ser o mais carismático ou midiático dos tenistas, mas é um cidadão interessante e um exemplo melhor ainda. Sempre ressalta a importância do trabalho e os méritos de seu técnico, Sebastian Gutierrez - o mesmo de Comesaña e de Thiago Wild quando este não está no Brasil. Nesta semana, Báez também falou em algumas oportunidades sobre a importância de evoluir como pessoa e como isso se reflete dentro de quadra.
14. Tive o prazer e a honra de comandar o podcast oficial do Rio Open pela quinta vez. Deixo aqui um link para o episódio pós-final, que tem trechos importantes das coletivas de Lui Carvalho e Sebastian Báez.
15. Não dá pra deixar de passar a gafe cometida na cerimônia de premiação: entregaram o "cheque" de duplas para Báez, campeão das simples. Pegou mal para o Santander.
Deram o cartão de prize money errado pro Báez... pic.twitter.com/UvHPjbkJqh
-- Alexandre Cossenza (@saqueevoleio) February 23, 2025
16. Por outro lado, foi bom ter Del Potro da cerimônia de premiação de Báez e e Bruno Soares na cerimônia de duplas. Ótimas escolhas.
17. Rafael Matos merece todos os parabéns do mundo pelo bicampeonato do Rio Open, mas o troféu deste ano tem a assinatura de Marcelo Melo. Aos 41 anos, o minero comemorou como um juvenil com sua primeira taça. Lindo de ver. Uma recompensa mais do que merecida para um atleta que continua trabalhando e se comportando como um profissional que precisa ser observado com mais atenção por gerações mais jovens. Falei bastante sobre o mineiro aqui.
18. Nunca achei que o combo Matos/Melo fosse o melhor para ambos. Continuo acreditando que os dois se beneficiariam mais de um parceiro mais agressivo e com mais peso de bola, com mais capacidade para, digamos, "destruir" pontos. Dito isto, mineiro e gaúcho encontraram uma maneira muito inteligente de tirar o máximo do jogo de ambos. Matos no fundo, construindo pontos, e Melo com liberdade para "flutuar" junto à rede e pressionar os adversários. Funcionou lindamente no Rio Open, sobretudo contra simplistas na semi e na final.
19. Não sei como isso funciona para estatísticas, mas foi o primeiro Rio Open da história sem chuva - se não contarmos os finos pingos que caíram por volta das 17h de domingo, antes da final.
20. A derrota de João Fonseca na estreia, ainda que tenha vindo com sabor de frustração para muitos, é mais do que compreensível. Falei sobre ela aqui.
21. Muita gente falou coisas interessantes sobre a nova sensação brasileira. Zverev, que inclusive teve um papo pessoal com Fonseca, foi bastante equilibrado ao comentar a evolução do carioca. Vejam abaixo:
De tudo que foi falado por todos jogadores, ex-jogadores, comentaristas e analistas, acho que o melhor e mais sóbrio comentário sobre João Fonseca veio de Zverev. E estamos num momento em que um pouco de sobriedade (que não é pessimismo!) faz muito bem. Vejam aí! pic.twitter.com/EC6hsHsSa4
-- Alexandre Cossenza (@saqueevoleio) February 19, 2025
22. Juan Martín del Potro fez um alerta importante para Fonseca. "Acontece muito que você é o melhor, depois é o pior. Constantemente. Num dia te amam, no outro te odeiam. É muito importante aprender a conviver com isso." Ouça neste episódio do podcast Rio Open.
23. Gustavo Kuerten finalmente quebrou o silêncio e também falou um bocado sobre Fonseca. Apontou semelhanças entre seus estilos de jogo, destacou que o carioca estará muito bem assessorado por Diana Gabanyi (que também foi assessora de imprensa do ex-número 1 do mundo), e disse que Fonseca, hoje, é "inspirador". Leia mais aqui.
24. Nos corredoras, na sala de imprensa e por toda a parte, comentava-se a injeção de adrenalina que João Fonseca provocou no tênis brasileiro. Hoje, há mais empresas interessadas, com orçamento maior e/ou ativando mais seus produtos relacionados ao público da modalidade. A tendência é que isso se multiplique à medida em que João siga subindo no ranking e disputando coisas maiores.
25. Não existe uma fórmula para "aproveitar a Era Fonseca" como não havia na chamada Era Guga. Dá para dizer, contudo, que o Brasil tem uma estrutura tenística melhor hoje em dia. Ainda que continue faltando um centro nacional (ou pelo menos uma base nacional) com um projeto para desenvolver talentos, o país tem mais torneios e um par de promotoras bastante competentes.
26. Vale lembrar que as principais promessas adolescentes do país surgiram de projetos individuais/privados, como Guto Miguel e Nauhany Silva (IRTB) e Victoria Barros (atualmente treinando na academia de Patrick Mouratoglou). Há outros, evidentemente. Cuidado com conteúdo autopromocional durante momentos assim. Quando as coisas vão bem, muitos pais aparecem sem teste de paternidade.
27. Vale ler a boa reportagem de Bruno Braz, do UOL, sobre Alexandre Muller, que tem Doença de Crohn. Quando um torneio tem menos estrelas, o lado bom é que temos chance de conhecer melhor outros atletas e seus obstáculos. Muller, por exemplo, precisa ir ao banheiro de cinco em cinco minutos quando começa o aquecimento.
28. Como escrevi no começo do torneio, o Rio Open pensa em expandir, mas ainda não pensa em deixar o Jockey, sede do evento desde a primeira edição. Há espaço para ampliar as arquibancadas da Quadra Guga Kuerten, mas a maioria das opções resultaria em um aumento bem pequeno de assentos. Por ora, o torneio pede ao clube para usar uma parte maior do terreno atrás do fundo de quadra onde estão as cabines de transmissão. Há uma boa oportunidade para fazer a quadra crescer ali, onde hoje há uma piscina de cavalos. Parece viável, mas depende do Jockey e de seus sócios.
29. Numa das noites, saí do Jockey às 3h em ponto. E foi uma noite sem chuva. No Rio Open, é quase inevitável jogar madrugada adentro. Faz muito calor durante o dia e, com as rodadas começando às 17h e partidas longas entre saibristas, sobretudo em condições de jogo lentíssimas (saibro, nível do mar, noite e umidade!), é de se esperar que a coisa se arraste em pelo menos um ou dois dias. Não é o ideal, mas diante das circunstâncias, não é exatamente culpa de ninguém. Até por motivos de segurança, não faz sentido mudar o último jogo da Quadra Guga Kuerten para a Quadra 1.
30. Aos patrocinadores que contribuíram com o trabalho da imprensa no Rio Open, muito obrigado. Tivemos tábuas de frios da Seara e o essencial café da Melitta. O belíssimo kit da Wilson também foi muito bem-vindo. As visitas do Nei Mate também foram essenciais - além de divertidas. Deixo também um agradecimento especial à assessoria da Oakberry.
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