Topo

Saque e Voleio

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Alcaraz x Sinner foi a melhor propaganda possível para os cinco sets

Getty Images
Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

08/09/2022 11h35

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Foram 5h15min de jogo, com um ponto espetacular após o outro. Quebras de saque dramáticas, set points perdidos e até um match point não convertido no quarto set. Winners fantásticos, contra-ataques inimagináveis, curtinhas surpreendentes, devoluções intimidantes e aces salvadores. E, ainda assim, faltam-me adjetivos para descrever o nível de tênis demonstrado por Carlos Alcaraz e Jannik Sinner nas quartas de final do US Open. Um jogaço - talvez o melhor masculino da temporada - que também foi a melhor propaganda possível para a sobrevivência dos cinco sets no tênis.

Sim, sobrevivência. Já faz algum tempo que vozes nos bastidores do esporte defendem o fim dos cinco sets. Argumentam (com base em nenhuma pesquisa relevante) que o público mais jovem - millennials e geração Z - não tem interesse em eventos longos; que partidas assim afastam os canais de TV; que o nível de tênis não se sustenta por tanto tempo; que nem os mais fanáticos conseguem ver duelos inteiros; que é ruim quando uma partida entra pela madrugada; que prejudica o torneio porque o vencedor terá problemas físicos na rodada seguinte. É uma lista considerável, mas uma lista que este Alcaraz x Sinner destrói item por item, provando que nos quatro slams, os maiores torneios do circuito, são justamente essas partidas que formam ídolos e escrevem as páginas mais memoráveis do esporte. Não acredita? Vem comigo...

Recorde que chama atenção

Além do nível altíssimo de tênis mostrado ao longo de todos os cinco sets - que acaba sendo, no fim das contas, o que coloca a partida na lista das mais memoráveis - Alcaraz x Sinner entra para o livro dos recordes por ser o jogo com fim mais tarde no US Open. O jogo acabou às 2h50min da manhã em Nova York, e só não terminou muito mais tarde do que isso porque Iga Swiatek fechou em dois sets a primeira partida da sessão noturna. Tivesse Jessica Pegula vencido o tie-break do segundo set, espanhol e italiano fatalmente teriam quebrado a barreira das 3h da manhã na Grande Maçã.

A narrativa e o peso histórico

A importância dos slams tem seu peso na equação que talvez faça deste Alcaraz x Sinner um dos duelos mais marcantes desta geração. Primeiro porque foi o terceiro duelo entre eles em cerca de dois meses, o que alimenta uma já fantástica rivalidade entre dois dos maiores nomes da geração que deve dominar o pós-Big Three. Além disso, a possibilidade de alcançar o número 1 do mundo estava (e ainda está) em jogo para Alcaraz. Não será ainda mais incrível se o garotão de 19 anos sair de Nova York como líder do ranking depois de bater um rival, salvando match point em um encontro tão longo e tão bem jogado? O esporte vive de histórias apaixonantes assim, e os cinco sets desta quarta/quinta-feira contribuíram e muito para elevar o feito do espanhol.

Físico: argumento sem força

"Ah, mas o vencedor de um jogo assim não tem condições de competir em igualdade de condições com o adversário na rodada seguinte." Aqui, o argumento é antiquado. Simples assim. Com o avanço da fisioterapia e de técnicas de regeneração muscular, é possível colocar um tenista em boa forma 48h depois (lembremos que nos slams há um dia de folga entre as partidas). Prova disso? Alcaraz e Sinner jogaram cinco sets nas oitavas de final, na noite de segunda-feira. Ambos estavam em grandíssima forma física nesta quarta, até mesmo depois das 5h de partida. "Ah, mas ambos são jovens." Faz parte.

Mesmo que o físico seja, às vezes, um fator que pesa contra alguém que vem de uma partida longa, também faz parte do desafio de um torneio de duas semanas, como são os eventos do Grand Slam. É preciso reconhecer também o mérito do atleta que navegou por sua chave com mais facilidade, passando menos tempo em quadra e preservando seu condicionamento melhor do que outro. Para os leigos, é mais ou menos como se o Brasil jogasse quartas de final de Copa do Mundo contra uma seleção que ganhou as oitavas nos pênaltis e chegou mais cansada. Não é por isso que a FIFA vai mudar a regra e excluir a prorrogação de suas competições, certo?

Longo demais ou apenas épico?

"Longo demais para millennials e Gen Zs" é um argumento que não me convence (e não deveria convencer ninguém com um mínimo de boa vontade). Primeiro porque basta olhar para os esports e seus eventos longuíssimos para entender que duração não é um problema para as novas gerações de espectadores. A NFL também está aí, com seus jogos de 3h-4h, movimentando trilhões e fornecendo mais evidências contra essa bobagem (no fundo, a questão está mais na apresentação do esporte do que na duração, mas esse é um debate que posso abordar melhor em outro texto).

No tênis, há jogos longos bons e ruins, como há partidas curtas boas e ruins. No entanto, são os bons e longos que entram para a história. Quantas pessoas lendo este texto saberão/lembrarão quem foi o campeão do ATP 500 de Hamburgo este ano? Dica: foi um jogão, mas de três sets, entre Musetti e Alcaraz. A ocasião e a duração fazem toda diferença todo mundo. Este jogo, este Alcaraz x Sinner, pelas quartas de final, será muito mais lembrado do que aquela vitória de Musetti em uma final na Alemanha. Hoje, quinta-feira, Alcaraz x Sinner é "o" assunto até nos Estados Unidos. Frances Tiafoe, tenista da casa e tão semifinalista do US Open quanto Alcaraz, é coadjuvante hoje.

Ruim para a TV? Depende da TV

"Eventos com mais de 2h de duração são ruim para TV." Essa é a visão brasileira/TV Globo/TV aberta da coisa. Falamos de um país de monocultura esportiva e com um público que mal troca de canal, não importa o que aconteça. Não dá para julgar o cenário esportivo mundial baseado nas leis do Jardim Botânico. Tanto que a ESPN americana fechou, lá atrás, em 2013, um contato de US$ 825 milhões para ter os direitos exclusivos do US Open por 11 anos, contando a partir de 2015. Detalhe: esse valor era para transmissão apenas em território americano. Imaginem, então, quanto a USTA ganha anualmente somando os direitos de transmissão para o mundo todo?

Será que tênis é realmente tão ruim assim para a TV? Por que será, então, que a atual Disney gastou uma fortuna para comprar quase todos os direitos do tênis (ATPs, WTAs, Australian Open, Roland Garros, Wimbledon, US Open, Laver Cup e mais) para a América Latina na tentativa de impulsionar as vendas do Star+? Tem algum milionário louco e fanático por tênis na empresa ou simplesmente trata-se de uma boa estratégia de mercado?

Madrugada é ruim, porém...

De fato, ninguém quer um jogo entrando pela madrugada. Parte do público na arena precisa ir embora, e os números de audiência na TV são menores. Ao mesmo tempo, a existência de jogos noturnos justifica a venda de ingressos separados e, na prática, quase dobra a receita com bilhetes. Portanto, faz parte da matemática dos organizadores de torneios. Programar dois jogos com o primeiro começando às 19h locais é saber que existe o risco de ir madrugada adentro. Australian Open, US Open e, agora, até Roland Garros aderiu às sessões noturnas. Deve fazer sentido financeiramente.

Além disso, há um fator favorável quando falamos de fuso-horário. Faz sentido, por exemplo, colocar um atleta japonês (Naomi Osaka, quantas vezes!) na sessão noturna porque o Japão inteiro estará acordado mesmo se o duelo entrar pela madrugada nova-iorquina. No caso de Alcaraz x Sinner, 1h da manhã em Nova York significava 6h no fuso de Itália e Espanha. Quando o jogo acabou, às 2h50min locais, eram quase 9h nos países de Alcaraz e Sinner. Bom, não?

Coisas que eu acho que acho:

- Talvez não tenha grande força como argumento o que escreverei neste parágrafo, maaaaas quem já viu um tenista jogando seus tênis para a galera depois de vencer um joguinho de 2h que termina às 3 da tarde?

- O tweet acima, de Coco Gauff, foi postado originalmente às 2h03min locais. Depois, foi replicado por tenistas e veículos de imprensa como a ESPN. Ao todo, foi repostado 1.347 vezes (até o momento em que escrevo este post). Pergunto: tem propaganda melhor para o esporte do que ter um dos maiores nomes do país descrevendo assim uma partida na madrugada?

.

Quer saber mais? Conheça o programa de financiamento coletivo do Saque e Voleio e torne-se um apoiador. Com pelo menos R$ 15 mensais, apoiadores têm acesso a conteúdo exclusivo, como podcast semanal, lives restritas a apoiadores, áudios exclusivos e de entrevistas coletivas pelo mundo, além de ingresso em grupo de bate-papo no Telegram, participação no Circuito dos Palpitões e promoções.

Acompanhe o Saque e Voleio no Twitter, no Facebook e no Instagram.