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5 momentos de Madri que mostram por que Alcaraz é o grande nome do tênis

Reuters
Imagem: Reuters

Colunista do UOL

09/05/2022 04h00

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Na sexta-feira, Carlos Alcaraz, então número 9 do mundo, derrotou Rafael Nadal (#3 do mundo) por 6/2, 1/6 e 6/3 no Masters 1000 de Madri. No sábado, bateu Novak Djokovic, atual número 1 do mundo, por 6/7(5), 7/5 e 7/6(5). No domingo, dominou Alexander Zverev (#2) por 6/3 e 6/1 e conquistou, pela segunda vez na carreira e nesta temporada, um título de Masters 1000.

O garotão espanhol, que completou 19 anos no dia 5 deste mês, já soma números espetaculares na carreira - tanto em precocidade quanto em nível de dificuldade (veja 10 deles aqui). Ele foi o primeiro, por exemplo, a bater Rafael Nadal e Novak Djokovic no mesmo torneio em uma quadra de saibro.

No entanto, no caso de Alcaraz, o "como" importa tanto quanto o "quanto" e os "quês" de sua ascensão no tênis. E se você ainda não viu essas cinco frases nem esses cinco momentos, talvez seja uma boa oportunidade para ler essa análise sobre sua combinação de "inconsciência", humildade e ambição. Ou melhor ainda: este texto em que opino que Carlos tem tudo que o tênis masculino precisa para o pós-Fedal.

E tudo bem se você não estiver a fim de brincar de pula-pula com os links acima. Vem comigo lembrar de como Alcaraz conquistou o Masters 1000 de Madri que você vai entender porque ele é "o" cara do circuito masculino hoje em dia.

1. Cativante

Já ficou claro que Alcaraz tem um tênis ao mesmo tempo versátil, potente e inteligente. Ele pode ganhar pontos na base da potência, mas também pode variar a altura e o peso da bola. Carlos também tem uma velocidade de pernas incrível para alcançar as bolas mais difíceis e, em seguida, sair da defesa para o ataque. E como se não bastasse tudo isso, ainda executa curtinhas gloriosas (e variadas) que deixam qualquer adversário em apuros. Vejam um exemplo básico neste ponto abaixo contra Zverev. Uma devolução funda empurra o alemão para trás; em seguida, uma direita desloca o alemão e prepara o cenário para a curtinha; Sascha até consegue alcançar a bolinha, mas sem atacar; Alcaraz, então, mata o ponto com um lob tão preciso quanto brilhante.

O vídeo, leitores, mostra o tênis. O "quê", que já é espetacular por si só. A diferença é que Alcaraz faz isso com graça, com simpatia, com a leveza de um garoto "inconsciente" (leia no link lá no alto) de 19 anos. Sorri, gesticula para a plateia, chama o público para o jogo e vibra com a galera. Errou? Não xinga. Foi prejudicado pela arbitragem? Não ofende. Ganha o ponto seguinte e não manda recadinhos. Sorri. Vibra. Cativa. O combo Alcaraz é algo que o tênis não vê desde que Federer, Nadal, Djokovic e Murray passaram a dominar o circuito. O tênis masculino espera há uma década pelo sucessor do Big Four/Big Three, e Alcaraz é o primeiro que apresenta um currículo digno da vaga.

2. Pés no chão

Depois de analisar um pouco da técnica, é preciso ver o que mais contribuiu para que Alcaraz conseguisse fazer tanto em Madri, e sua mentalidade é crucial. Na sexta-feira, no terceiro confronto direto com seu ídolo, Carlos finalmente conseguiu derrotar Rafael Nadal, com direito ao fabuloso match point abaixo. E o fez em casa, com quadra lotada, diante do Rei da Espanha. Ambiente tentador para a soberba de qualquer um. Seria fácil festejar, desligar-se mentalmente do torneio por algumas horas e aproveitar a badalação normal a quem faz algo tão grande. Não é nada raro, aliás, que o algoz de Nadal em um torneio seja eliminado na fase seguinte.

Pois Alcaraz entrou em quadra no sábado, diante de Djokovic, com a mesma concentração, a mesma intensidade e um plano de jogo claro na cabeça. Viu o número 1 do mundo tentar de tudo, inclusive com uma comemoração intensa ao vencer o primeiro set, quase que provocando a torcida espanhola (que devolveu com vaias). E Alcaraz saiu de quadra com outra vitória imensa, usando todo seu arsenal. Outro teste de fogo, outra nota máxima. E se não bastasse tudo isso, Carlos ainda dominou Zverev no domingo, com o troféu em jogo. Mostrou mesmo estar um patamar acima dos demais.

3. Coragem

De nada adianta ser capaz jogar um tênis fabuloso se o atleta não se sente capaz de fazer o seu melhor nos momentos mais delicados de um jogo. Tem a ver com confiança, obviamente, mas também fala muito sobre a coragem de um jogador. Não faltou isso a Alcaraz em Madri, e nenhum momento ilustra melhor essa convicção do que o break point que o espanhol precisou salvar no terceiro set, quando sacava em 3/3.

Carlos havia acabado de perder um ponto ao cometer um erro de esquerda provocado por uma excelente devolução de Djokovic. O sérvio, dono da melhor devolução do planeta, tinha ali uma chance para quebrar o saque do garotão e disparar na reta final do jogo. O que Alcaraz fez? Variou. Apostou no saque-e-voleio. Sacou na esquerda do sérvio e subiu à rede. Nole, que pareceu não estar esperando tamanha ousadia, devolveu para fora e perdeu a chance. Foi seu único break point na parcial decisiva (infelizmente, não encontrei imagens do momento para postar aqui).

4. Memória curta

No tênis, tão importante quanto interpretar e absorver o que está acontecendo dentro de quadra é saber reagir a isso, seja encontrando soluções táticas para mudar a dinâmica da partida, seja repetindo padrões ou simplesmente dando bons exemplos de "memória curta" - ou seja, não deixando que erros bobos atrapalhem seu rendimento nos pontos seguintes. Na partida contra Djokovic, Alcaraz deu dos ótimos exemplos de como "esqueceu" chances desperdiçadas e não deixou que elas afetassem sua continuidade no duelo.

O primeiro desses momentos veio quando Djokovic sacava em 4/5 e 15/30 no segundo set. Alcaraz teve uma esquerda nada difícil (para ele!) para matar na paralela e chegar a dois set points (15/40). Em vez disso, tentou uma cruzada, onde Djokovic estava, e o sérvio ganhou o ponto. Pouco depois, Nole confirmou seu serviço e fez 5/5. Alcaraz não só não se abateu com a oportunidade desperdiçada como salvou um break point no game seguinte e quebrou o número 1 para fazer 7/5 e levar o duelo ao terceiro set. No ponto abaixo - o set point convertido - o espanhol mais uma vez faz um pouco de tudo: muda a velocidade do jogo com uma direita mais alta e mais lenta; empurra Djokovic para trás com uma esquerda funda; chama o rival para a rede com uma curtinha; e, enfim, mata o ponto ao alcançar a contra-curta do sérvio.

O outro instante de "memória curta" veio com Djokovic sacando em 0/30 e 3/4 no terceiro set. O sérvio erra um primeiro serviço, mas o árbitro de cadeira se equivoca e dá bola dentro (o sistema de replay mostra que a bola, de fato, saiu). Alcaraz vai até a marca e pede o desafio, mas o juizão alega que o espanhol demorou demais para pedir e não lhe concede o desafio. Ou seja, o juiz devolve o primeiro saque a Djokovic, que aproveita, vira o game e empata a parcial em 4/4. Alcaraz nem faz cara feia nem perde tempo debatendo com o árbitro. Faz o seu e confirma o saque sem problemas no game seguinte.

Parece básico, mas o circuito masculino vê com frequência tenistas perderem a cabeça em momentos assim. Em Indian Wells, por exemplo, Nick Kyrgios disputava um duro terceiro set contra Rafa Nadal quando parou para reclamar do barulho da torcida e do árbitro. Resultado? Dupla falta no break point, saque quebrado e derrota na sequência. Alcaraz, um adolescente com 19 anos recém-festejados, porta-se como um veterano.

5. Inteligência

Cabe muita coisa neste item, desde lances mágicos até declarações e decisões. Cito, porém, um momento da coletiva de sábado, quando um jornalista perguntou a Alcaraz quem era o melhor tenista do mundo no momento - visto que Carlos havia acabado de derrubar Rafa e Nole. Pois o adolescente, que não tem nada de bobo, respondeu: "Eu não vou te dizer isso. O que eu sei é que não vou te dizer. Eu consegui bater o número 1, mas ainda sou no número 9 no ranking. Ainda tenho oito à minha frente para ser o número 1." Mandou bem. E agora, nesta segunda-feira, ele já é o número 6 do mundo. Restam cinco.

Também vale destacar aqui a opção de Alcaraz por não disputar o Masters 1000 de Roma, que já está em andamento. Depois de crescer vendo seu ídolo, Rafael Nadal, disputando a sequência inteira do saibro (Monte Carlo, Barcelona, Madri e Roma) e vendo as consequências físicas disso, Carlos já decide que não vai fazer a dupla Madri-Roma. Vai descansar e se preparar para chegar voando a Roland Garros. Até nisso o garoto é precoce.

Coisas que eu acho que acho:

- Alguma dúvida de que o público espanhol (assim como o resto do mundo, sejamos sinceros) já abraça Alcaraz com toda sua força?

- O que o resto do circuito vem dizendo sobre Alcaraz? Sascha Zverev disse na cerimônia de premiação em Madri que ele é "o melhor do mundo hoje" e que Carlos vai ganhar muitos slams. Antes de enfrentá-lo, Djokovic também encheu o adolescente de elogios. "Ele já se estabeleceu como um jogador top. Mostrar tanta maturidade mentalmente e no jogo, para alguém que tem 18 anos, é muito, muito impressionante. Há muitos superlativos circulando sobre ele e seu jogo, vindo de muitos campeões diferentes e antigos campeões. Todos concordamos que ele é o futuro do tênis masculino, mas também o presente." Veja abaixo.

Som de hoje no meu Kuba Disco: "When did we get so normal?", dos britânicos do Spector.

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