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Carlos Alcaraz: tudo que o tênis masculino precisa para o pós-Fedal

EFE
Imagem: EFE

Colunista do UOL

04/04/2022 04h00

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O placar mostrava 3/0 para Casper Ruud, ainda no primeiro set da final do Masters 1000 de Miami, quando Carlos Alcaraz, precisando "entrar" no jogo, venceu três pontos em sequência com um ace, um saque seguido de subida à rede e uma curtinha que deixou o rival pregado no fundo de quadra. Não demorou para o adolescente devolver a quebra e empatar o set em 4/4. Quando isso aconteceu, o Hard Rock Stadium vibrou. Bandeiras da Espanha foram agitadas. Torcedores vibraram de pé. O volume aumentou, o ambiente mudou. Miami era de Alcaraz.

Há algo de muito raro na conexão do jovem espanhol com o público em Miami - e isso igualmente aconteceu no Rio de Janeiro, onde Carlos também foi campeão. Não é comum tanta vibração. Não naquela altura de um primeiro set. Especialmente com alguém que não é americano (apesar da conexão latina com a Flórida) e mais: contra um rival que não é odiado. Mas aconteceu com um garoto de 18 anos que não tem (ainda?) um currículo cheio de títulos ou uma legião de fãs como Rafael Nadal ou Roger Federer.

Alcaraz não faz o gênero teatral. Não faz firulas desnecessárias, não ofende árbitros, não conversa com torcedores aleatórios em busca de 15 segundos virais nem quebra raquetes. Se os arquibancadas de Miami e do Rio adotaram o adolescente como seu preferido, isso aconteceu porque Alcaraz jogou tênis bem jogado e foi o cidadão boa praça que costuma ser quando não há câmeras ou microfone ligados. Tudo isso tem um quê de apaixonante, e o tênis masculino precisa disso, talvez hoje mais do que nunca. E precisará ainda mais no pós-Fedal.

Com Roger Federer e Rafael Nadal em vias de se retirarem de cena, restam no topo do esporte figuras, no mínimo, contestáveis. Um Djokovic fenomenal como tenista, mas egoísta e anticiência; um Medvedev que oscila entre o "Meu Malvado Favorito" e apenas malvado; um Zverev que destrata árbitros e é acusado de agredir a ex-namorada; e um Tsitsipas que perdeu apelo com longas pausas no banheiro e vai do céu ao inferno em milissegundos.

Alcaraz chega à elite (hoje é o #11 do mundo) com uma imagem inquestionável e um tênis saboroso. É o garotão que passa por cima da decisão do árbitro para dar o benefício da dúvida ao adversário (veja no primeiro tweet deste post). É o jovem que, às 2h da manhã, depois de longos rain delays, sai da quadra empolgante e empolgado para dar autógrafos e fazer selfies com a molecada (gente da sua idade!). É o rapaz que pensa grande e fala para todo mundo ouvir que quer ser número 1 e campeão de slams. E, ao mesmo tempo, é também o jovem que logo depois diz que seu técnico, Juan Carlos Ferrero, pode lhe dizer a dificuldade e o quão sacrificante é a vida de #1 e campeão de slam. Como não gostar de alguém assim?

Tão delicioso quanto acompanhar tudo isso é vê-lo dentro de quadra, com um jogo surpreendentemente completo para um teen. No serviço, Alcaraz pode ganhar pontos sacando chapado no T ou com o mortal kick que jogou Ruud quase na arquibancada inúmeras vezes. E se o rival devolver bem, Carlos pode subir à rede e matar o ponto com um eficientíssimo voleio angulado de forehand. Se os ralis se alongarem, Alcaraz tem curtinhas para tirar o oponente da zona de conforto. Nas devoluções, seus backhands são mortais. E se nada acima der certo, o espanhol tem um par de pernas que lhe permite alcançar mais bolas e estender ralis de um jeito que a maioria do circuito desconhece.

Tudo isso mostra que a velha temática de que "o tênis precisa de personalidade" não precisa incluir ofensas a árbitros ou gestos que colocam em risco a integridade física de boleiros e juízes de linha. Rivalidades são ótimas para fazer o esporte crescer, e esporádicas declarações politicamente incorretas são até bem-vindas, mas o tênis masculino precisa mesmo é de gente que leve o coração para a quadra e dê espetáculo com a bolinha e a raquete. Bom caráter não pode ser só um bônus bacaninha.

Dito isso... Vida longa a Carlos I de España.

Coisas que eu acho que acho:

- A última linha do texto é uma referência à capa do jornal espanhol Marca, que estampa Alcaraz com o devido destaque.

- Não gosto do rótulo de "novo Nadal" como não gosto dos "novos Gugas" que foram usados nos últimos 25 anos, mas é inevitável trazer à discussão o nome de Nadal quando falamos das qualidades de Alcaraz. É um jovem trabalhador, dedicado, humilde, que se porta bem em quadra, sabe o esforço necessário e tem um técnico de longa data. Em resumo, Carlos tem muitas das qualidades de Rafa. Nada disso garante que Alcaraz vai ganhar 20 slams, mas é por isso que já estamos falando de um homem vencedor e cativante nos seus próprios termos.

- Se há motivos de sobra para comemorar ascensão de Alcaraz, é possível dizer o mesmo no circuito feminino. Iga Swiatek, com um jogo versátil, mas agora também cheio de potência e precisão, é a melhor sucessora possível para a recém-aposentada Ashleigh Barty. A polonesa de 20 anos estreia no posto de número 1 do mundo não só com o título de Miami, mas com três conquistas seguidas em WTAs 1000 (Doha, Indian Wells e Miami) e seguidos triunfos sobre adversárias de alto nível - inclusive um pneu sobre Naomi Osaka na decisão do torneio da Flórida. Sua liderança, hoje, é incontestável.

- Som de hoje no meu Kuba Disco: Run Into Trouble, recém-lançado hit resultado da parceria entre os britânicos do Bastille e o brasileiro Alok. I just can't get over you.

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