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Bia Haddad recebeu muita ajuda, mas optou por não defender o país

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Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

19/03/2021 04h00

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Beatriz Haddad Maia, que foi top 60 em 2017, estava perto do top 100 em 2019 quando testou positivo e foi condenada a dez meses de suspensão em um caso de doping. Perdeu patrocinadores, foi obrigada a devolver dinheiro de premiações e despencou no ranking. Em agosto do ano passado, a paulista de 24 anos ocupava a 1.339ª posição no ranking mundial - o último posto.

Apesar do afastamento por um motivo nada nobre, Bia não deixou de receber ajuda, especialmente da Confederação Brasileira de Tênis (CBT). Por isso, chegou como surpresa o anúncio de que o time brasileiro que vai disputar os playoffs da Billie Jean King Cup (BJK, ex-Fed Cup) não terá a melhor simplista do país no grupo. O time foi anunciado com Gabriela Cé, Carol Meligeni, Laura Pigossi e Luisa Stefani. Bia deu prioridade a seu próprio calendário, deixando mais fraco um time que teria mais chances de derrotar uma desfalcada Polônia em abril.

"Eu optei por não jogar a Fed Cup primeiramente porque ainda estou no retorno da cirurgia [Bia operou em novembro para reparar uma lesão óssea], retorno da suspensão [10 meses por doping]. Desde então, eu joguei só em Portugal, no fim do ano passado. Tive a cirurgia da retirada do tumor, então recomecei. Agora, quanto mais eu jogar no circuito... Os qualis dos W25 são no mínimo três rodadas para ganhar um ponto, às vezes. É muito puxado, não é a primeira vez que estou recomeçando, então cada semana é uma oportunidade muito boa para mim, e acabou surgindo um convite na chave principal de um W60 em Portugal e um W25 em Portugal também. Faz muito tempo que eu não jogo torneios maiores, e faz muita diferença hoje. Vai ser muito importante para o meu retorno. Além das poucas oportunidades, tem uma diferença muito grande do calendário dos torneios grandes para o pessoal que joga torneios menores. A gente está tendo pouquíssimas oportunidades, e isso dificulta bastante. Desta vez, para mim, vai ser o mais importante, vou priorizar minha carreira profissional, mas sempre joguei Fed. Faz 10 anos, desde os meus 14 anos, eu jogo Fed. Sempre vai ser uma honra participar. Desta vez, infelizmente, não vai dar", explicou Bia, por meio de sua assessoria de imprensa.

Depois da cirurgia, Bia Haddad já disputou quatro torneios. Em fevereiro, foi eliminada na primeira rodada de um W25 em Potchefstroom, na África do Sul, e caiu nas oitavas em outro W25 na mesma cidade, na semana seguinte. Em seguida, caiu na primeira rodada em um W25 em Boca Raton, nos EUA. Por último, no começo deste mês, foi até as semifinais de um W25 em Newport Beach, também nos EUA.

Hoje, Bia é a número 337 do mundo. Para chegar lá, porém, contou com bastante ajuda. Primeiro, em agosto, foi escolhida para fazer parte da Missão Europa do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), uma iniciativa em parceria com a CBT que mandou tenistas treinarem em Portugal quando havia dificuldade para chegar à Europa por conta da pandemia.

Depois, quando não tinha ranking bom o bastante, Bia teve a CBT a seu lado negociando convites junto à federação portuguesa de tênis. Graças a isso, recebeu quatro wild cards para chaves principais. Disputou o primeiro desses torneios como #1342 do mundo e o último como #378. Já tinha dado um belo salto antes da cirurgia de novembro.

Não foi, tampouco, o único auxílio que Bia Haddad recebeu da Confederação nos últimos anos. "No período de 2017 a 2021, por meio da Confederação Brasileira de Tênis, foram investidos R$ 370 mil entre recursos depositados na conta da atleta, passagens aéreas para a tenista e sua comissão técnica, ajudas de custos e outras despesas, além do pagamento do acompanhamento psicológico e outros programas", explicou a CBT ao ser consultada. "Fruto da parceria técnica entre a CBT e a Federação Portuguesa de Tênis, a tenista recebeu quatro wild cards para torneios em Portugal no último ano, assim como teve a logística antecipada de treinamentos em Roland-Garros em 2019, em função da parceria entre a CBT e a Federação Francesa de Tênis".

Parece-me uma ajuda considerável para quem, na primeira chance de defender o país depois da suspensão por doping, decide priorizar sua própria carreira. Ajuda essencial a uma tenista que, recentemente, afirmou, em entrevista ao Estadão, que passou mais de dez meses sem receber patrocínio ou prize money (premiação em dinheiro de torneios). Onde estaria a carreira de Bia sem esse empurrão? Difícil dizer.

A posição da CBT sobre a ausência de Bia Haddad é a seguinte: "Em relação à convocação para a BJKC, a CBT confia plenamente nas jogadoras que aceitaram a convocação e entendem o compromisso de defender o Brasil."

De qualquer modo, o Brasil da capitã Roberta Burzagli vai sem Bia enfrentar a Polônia nos dias 16 e 17 de abril, em Bytom, na casa das adversárias, em quadra dura indoor. A Polônia não contará com a presença de Iga Swiatek, campeã de Roland Garros. As simplistas mais bem ranqueadas do país são Magda Linette (#49), Katarzina Kawa (#128), Magdalena Frech (#161) e Maja Chwalinska (#218). Alicja Rosolska (#58) é a melhor duplista polonesa.

Coisas que eu acho que acho:

- Não sou do time que acha que atleta deve defender o país em toda ocasião. Não mesmo. Cada um sabe o que faz da sua vida e da sua carreira e tem todo direito de estabelecer suas próprias prioridades. Por outro lado, também acho que quem aceita ajuda deveria dar algo em troca quando possível. Ficar fora do time agora, depois de tudo que recebeu, é ingrato da parte de Bia. Gratidão precisa ser mais do que um Story de Instagram.

- Não que Bia Haddad tenha um histórico espetacular na Fed Cup. Longe disso. De todo modo, ela é quem tem mais potencial entre as atuais simplistas do país e certamente deixaria o time mais forte. É inegável que a chance de bater a Polônia em quadra dura indoor - ainda mais sem Iga, o que torna o confronto muito mais acessível - seria maior com ela na equipe.

- Para quem não conhece o formato da BJK Cup: quem vencer o playoff entre Brasil e Polônia vai começar 2022 na fase de Qualifiers, um mata-mata que classifica o vencedor para a fase final da competição (que será em sede única, como na nova Copa Davis). Quem perder volta para o Grupo I, o que significa espécie de rebaixamento. O Brasil deixaria de estar no grupo de Qualifiers, como esteve em 2020, para voltar ao Zonal das Américas.

- Se continuar tudo bem entre Bia e CBT, maravilha. O que eu penso pode ser diferente do ponto de vista da entidade, e problema nenhum nisso. De qualquer modo, que Bia consiga seu objetivo no W60 de Oeiras e no W25 disputado na mesma cidade na semana seguinte. Com os wild cards (que, desta vez, não foram conseguidos via CBT), ela poderá mostrar seu tênis nas chaves principais sem o desgaste adicional dos qualifyings.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL