Topo

Saque e Voleio

Décima terceira foi a maior obra-prima de Rafael Nadal em Roland Garros

Reuters
Imagem: Reuters

Colunista do UOL

12/10/2020 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Rafael Nadal ficou pouco mais de seis meses sem jogar uma partida oficial. Foi a Roma e acabou eliminado nas quartas por Diego Schwartzman, velho freguês contra quem tinha nove vitórias em nove jogos. Embarcou para Paris com apenas três jogos nas costas e desembarcou para encontrar um Roland Garros totalmente diferente. Teto retrátil na quadra Philippe Chatrier, temperaturas mais baixas, na casa dos 15ºC, e bolas mais duras - uma combinação que deixou as condições de jogo muito mais lentas e mais distantes do ideal para o espanhol, que gosta do verão europeu e de bolas mais leves, que quicam mais alto e lhe permitem empurrar os rivais para trás com seu top spin. Sim, Roland Garros 2020, no outono, durante uma pandemia, seria diferente, e Nadal sabia desde que pisou no complexo francês.

"A situação é especial. As condições aqui provavelmente são as mais difíceis para mim em todos os tempos em Roland Garros por muitos fatos diferentes. A bola é completamente diferente. A bola é super lenta, pesada. Faz muito frio. Condições lentas. É claro, [minha] preparação foi menor do que a habitual. Mas quer saber? Estou aqui para lutar e jogar com a maior intensidade possível, para treinar com a atitude certa, para me dar uma chance. Esse é o objetivo principal para mim", disse Nadal no dia 25 de setembro. Ele teria 16 dias exatos para chegar na final do torneio na melhor forma possível.

De seu jeito mais típico, Nadal abaixou a cabeça e trabalhou quieto. Ainda voltaria a criticar as bolas - disse que elas são até perigosas para a integridade física dos tenistas - mas nunca usou isso como argumento para justificar erros ou atuações abaixo do esperado. E foi assim, trabalhando, que Rafa deu seguidos passos à frente. E se as condições jogavam contra, a chave ajudou. No caminho, Nadal bateu Gerasimov (#83 do mundo), McDonald (#236), Travaglia (#74), Korda (#231) e Sinner (#75) antes de rever Schwartzman na semifinal. O argentino - algoz de Dominic Thiem, alguém com mais recursos para incomodar o espanhol - foi o primeiro cabeça de chave que Rafa enfrentou no torneio. Enfrentou e venceu por 3 sets a 0.

Faltava, ainda, o maior obstáculo: Novak Djokovic. O sérvio, com 37 vitórias e só uma derrota na temporada (revés que veio em condições surreais - uma desclassificação após uma bolada acidental uma juíza de linha), fazia um grande torneio e, até então, tinha mostrado mais do que Nadal. Bateu Khachanov, Carreño Busta e Tsitsipas em sequência e tinha no excelente backhand e na melhor devolução do mundo as armas para, nas condições mais lentas, diminuir a eficiência do espanhol no saibro. Rafa sabia disso.

"O que sei é que para jogar contra Novak preciso do meu melhor. Sem meu melhor tênis, a situação é muito difícil." ... "Sei que tenho que dar um passo adiante [elevar o nível]. Acho que dei um hoje, mas para domingo não será suficiente. Preciso de outro passo. É isso que estou buscando. Vou trabalhar duro para fazer isso acontecer", declarou Rafa após sua semifinal.

Nadal tinha dois dias para elevar seu jogo a um nível que lhe permitisse bater o número 1 do mundo, (quase) invicto na temporada. Pois Rafa pisou na Philippe Chatrier neste domingo e pintou uma de suas obras mais incríveis. Da quebra de saque no primeiro game ao ace do match point - uma adequada pincelada final - o Rei do Saibro foi magnífico. Dos dois míseros erros não forçados nos 48 minutos do primeiro set, que emborracharam Djokovic com um inesquecível pneu, até as contracurtas precisas que deixaram o sérvio descompensado na reta final, Rafael Nadal foi soberbo. Se um dia Guga foi Picasso no saibro, Nadal pintou o teto de sua Capela Sistina neste domingo.

Colagem Nadal final de RG - Colagem com imagens da Reuters - Colagem com imagens da Reuters
Imagem: Colagem com imagens da Reuters

Taticamente, Rafa executou o playbook à risca. Fez devoluções fundas, anulando o saque superior de Djokovic; insistiu em ótimos saques abertos, explorando um rival mais recuado do que de costume nas devoluções; protegeu bem o backhand, lado mais vulnerável aos ataques de Nole; e, claro, atacou com precisão quando teve chances. Não bastasse isso tudo, Rafa ainda encontrou soluções e fez as curtinhas do rival, essenciais no plano de jogo do número 1, menos e menos eficientes ao longo do embate.

Depois de abrir 6/0, 6/2 e 4/3, Nadal ainda precisou encarar uma reação de Djokovic. Empurrado por uma torcida pequena em número (apenas mil pessoas ao todo nas arquibancadas), mas que fazia barulho considerável com o teto retrátil fechado, Nole devolveu a quebra, gritou e levantou o público. Passou a agredir mais e correr mais riscos. O número 1 exigiu o elemento que faltava à obra-prima de Rafa: força mental. A característica mais marcante do maiorquino foi exigida no fim e, claro, estava lá. Nadal segurou a onda, esperou o "overdrive" de Djokovic resultar em seguidos erros - parecia mesmo questão de tempo - e confirmou o saque final com quatro pontos.

Preciso na postura, no plano e na execução. Arte pura.

Coisas que eu acho que acho:

- Em avaliações puramente sobre o nível de tênis de Nadal, a final deste domingo certamente entra no meu top 5 de suas maiores finais. Sem colocar em ordem, junto ainda Roland Garros/2008, Wimbledon/2008, Australian Open/2009 e, talvez, US Open/2010.

- O jogão deste domingo, para mim, supera a final de RG/2008 não pela atuação isoladamente, mas pelo conjunto da obra, considerando quantos elementos jogavam contra Rafa na equação.

- As expressões de Rafa após o match points (vide colagem acima) deixam claro o quanto significou este título, logo diante de Djokovic e neste momento da carreira. Vale lembrar que aos 34, Rafa se tornou o homem com mais títulos de slam em simples na Era Aberta depois dos 30 anos. E diziam que ele não chegaria aos 25...