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Mais um dia para admirar e aprender com o tênis argentino

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Imagem: Reuters

Colunista do UOL

06/10/2020 16h59

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Quando Nadia Podoroska derrotou Elina Svitolina, uma tenista que saiu do qualifying alcançou as semifinais de Roland Garros pela primeira vez na Era Aberta (a partir de 1968) do tênis. Mais tarde, Diego Schwartzman bateu Dominic Thiem e garantiu sua entrada no top 10 pela primeira vez na carreira. Uma tarde para admirar e para aprender com o tênis argentino.

Podoroska, número 131 do planeta, derrubou a top 10 Svitolina registrando oito quebras de saque até fechar a partida em 6/2 e 6/4. Sem tremer na Quadra Philippe Chatrier e sem decepcionar na hora da entrevista pós-jogo. Falando em espanhol por pouco mais de 50 segundos, Podoroska deixou claro não chegou por acaso:

"Sei que tem muita gente na Argentina vendo as minhas partidas, me acompanhando, estou recebendo muito apoio e quero agradecer novamente. É muito, muito importante. A Argentina está passando um momento difícil por causa da pandemia. Para mim, é uma honra poder lhes dar esta alegria. Tomara que continuemos assim. Também aproveito porque nunca se sabe quando vai ser a última. Há uma pessoa muito perto de mim, por uma das quais estou aqui, que me apoiou no começa da carreira e que está passando por um momento muito mau e não sei se está podendo me ver jogar, mas proveito para agradecer a ele porque sem ele eu não estaria aqui."

Podoroska não quis revelar a identidade da pessoa nem mais tarde, na coletiva. Só disse que quando era mais jovem, não teria conseguido nem sair do país para viajar se não fosse a ajuda financeira desse "anjo" (aspas minhas, não dela). De qualquer modo, o pequeno discurso da argentina mostra:

Gratidão. Não só a seu benfeitor, mas ao público argentino.

Noção de seu privilégio. Nadia mostrou que sabe o quão afortunada é ao poder estar competindo na Europa enquanto muitos em seu país estão trancados em casa por causa da pandemia o, pior ainda, chorando a perda de amigos, parentes, pessoas próximas.

Noção do tamanho de seu feito. Ao dizer "aproveito a ocasião porque nunca se sabe quando vai ser a última", a argentina diz tudo que precisa sobre a dimensão que é sair do quali para chegar a uma semi de slam e poder dar uma entrevista na quadra Philippe Chatrier. Nadia é, afinal, a primeira de seu país em uma semi de Roland Garros desde Paola Suarez em 2004. Ela entrará no top 50 pela primeira vez com esta campanha.

Diego Schwartzman nas quartas de Roland Garros - Reuters - Reuters
Imagem: Reuters
Pois Podoroska saiu, Diego Schwartzman entrou. Na partida seguinte, na mesma Chatrier, foi a vez do compatriota fazer algo memorável. Em um insano duelo de 5h08min, cheio de altos e baixos, Peque (o apelido vem de "pequeno" mesmo) derrubou Dominic Thiem, favoritíssimo, vice-campeão de Roland Garros nos últimos dois anos e campeão do US Open no mês passado: 7/6(1), 5/7, 6/7(6), 7/6(5) e 6/2.

Além de alcançar sua primeira semifinal de slam na carreira, Schwartzman garante sua entrada no top 10 pela primeira vez na carreira - pode sair de Paris até como número 8 do mundo. Uma atuação memorável do diminuto atleta (a ATP diz que ele tem 1,70m, mas quem viu Dieguito de perto sabe que ele tem, no máximo, 1,65m) que levou para a quadra seus atributos de sempre: técnica, pernas e coração. Desta vez, contudo, o argentino ainda deu uma amostra incrível de força mental.

"Fiquei com muita raiva de mim mesmo porque no segundo e no terceiro, quando eu estive perto de vencer aqueles sets, não consegui. Foi uma situação dura porque no quarto set ele começou jogando muito bem. Eu consegui voltar, saquei em 5/4, 40/0. Ele jogou três pontos incríveis porque ele é um dos melhores e consegue fazer isso. Naquela hora eu estava pensando 'ok, hoje não vai acontecer.' Eu tive muitas chances, fáceis, difíceis, foi duro. Cada oportunidade foi diferente e eu não aproveitei."

Talvez o maior mérito de Schwartzman tenha sido justamente não se abalar com as chances que perdeu no segundo e no terceiro sets. Primeiro, teve uma bola fácil, junto à rede, para matar e obter dois set points. Falhou, perdeu a chance, perdeu o segundo set. Depois, na terceira parcial, sacou em 5/3 e foi quebrado. No 4/5, teve um set point no saque de Thiem e não converteu. Frestas visíveis em uma janela que não se abre com frequência.

Ainda assim, ainda atrás no placar, ainda até quando o austríaco abriu 2/0, Schwartzman encontrou forças para reagir. E ainda mais quando sacou em 5/4, 40/0 e foi quebrado no quarto set. Peque jamais saiu mentalmente do jogo. Correu, brigou, tirou o máximo das condições lentíssimas de jogo que sempre incomodam Thiem e conquistou a vitória. Foi gigante em todos os sentidos.

E se alguém acha que Diego está deslumbrado com a primeira semifinal da vida, ele deixou bem claro na coletiva: "Quando terminou a partida eu me emocionei um pouco, mas logo me recompus e pensei que isso continua, não acabou. Mas estou feliz de ter conseguido o que alcancei com esta vitória."

Coisas que eu acho que acho:

- Escrevi no Twitter mais cedo e repito aqui: uma das vantagens de crescer como tenista na Argentina, um país com tantos tenistas e ex-tenistas excelentes, é que sempre vai ter alguém pra dizer quando você fizer bobagem, agir como criança mimada, jogar de sapato alto, etc. e tal. Isso, é claro, além de o país ter tanta gente com tanta capacidade trabalhando em todos os níveis do esporte. Desde o clube, nas aulas para crianças, até a elite. Schwartzman, por exemplo, é treinado hoje pelo grande Juan Ignacio Chela.

- Complementando: no Brasil há muito tapinha nas costas por muito pouco. Aqui tem gente que foi 500 do mundo e se achando rei "porque joguei"; aqui tem gente com medo de falar pra não perder a galinha dos ovos de ouro... É tanta coisa, são tantas diferenças... Ficamos muito atrás em quase tudo. Não é tão difícil entender por que Podoroska está numa semifinal de slam, enquanto algumas de suas contemporâneas estão muito atrás no momento.

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