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Relacionamento e 'lives' para contornar crise e segurar patrocínios

Márcio Torres, empresário de Bruno Soares, Thomaz Bellucci e outros tenistas brasileiros - Divlugação
Márcio Torres, empresário de Bruno Soares, Thomaz Bellucci e outros tenistas brasileiros Imagem: Divlugação

Colunista do UOL

06/05/2020 04h00

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Desde que o avanço do novo coronavírus configurou uma pandemia, o mundo dos esportes está praticamente parado. As consequências logo apareceram para todos. Patrocinadores atrasaram pagamentos, atletas olímpicos foram dispensados e até clubes poderosos como o Flamengo demitiram funcionários e renegociaram salários de seus atletas.

No tênis, com o circuito mundial parado desde 12 de março e o Brasil em quarentena, o momento abalou muita gente, incluindo academias, professores, boleiros, árbitros e, claro, profissionais que dependem da premiação dos torneios para pagarem suas contas.

Um pequeno grupo, contudo, sofre menos. Bruno Soares, André Sá, Bia Haddad, Thiago Monteiro, Thomaz Bellucci e Teliana Pereira estão sem competir, mas mantiveram todos patrocínios integralmente até agora. Todos são ou foram top 100 em algum momento de suas carreiras, mas têm outra coisa em comum: o empresário mineiro Márcio Torres.

Para saber o "segredo" por trás das parcerias, conversei com Torres, que também trabalha com os gêmeos Bob e Mike Bryan, uma das melhores duplas da história. O executivo de 39 anos falou sobre o trabalho de bastidores feito com os patrocinadores e sobre como seus atletas vêm usando as "lives" nas redes sociais para compensar a falta de exposição nos torneios.

Torres, que acredita na volta do circuito mundial só em 2021, também mencionou peculiaridades do mundo do patrocínio esportivo e contou histórias curiosas interessantes envolvendo os Bryans, uma renovação de parceria e o nascimento de uma relação sem contrato assinado. Confiram a íntegra da conversa abaixo:

Desde que o mundo dos esportes parou, a gente vem acompanhando no noticiário relatos de clubes demitindo funcionários, patrocinadores atrasando pagamentos, times de futebol renegociando salários e até atletas olímpicos perdendo patrocínios e sendo dispensados por clubes. Como é que você e seus atletas vêm lidando com esse momento?

Felizmente, não perdemos nenhum patrocínio até agora. Nenhum dos meus atletas no tênis. Ninguém nem me ligou para falar do assunto, de renegociar e tal. Isso é muito bom, mas as pessoas não sabem o trabalho que eu faço nos bastidores. Sem querer ser mascarado, tem muita coisa que eu faço por trás, que ninguém vê, que adiciona no relacionamento pessoal. A maioria dos nossos contatos e patrocínios - quase todos - começou com uma relação pessoal. Quando tem jogo no Rio Open e acaba 3h da manhã, você não quer estar lá. Você quer estar tomando sua cerveja e dormindo na sua cama. Mas são ossos do ofício. Está todo mundo mal, mas acho que as nossas empresas estão relativamente bem, comparando com a maioria. São empresas grandes, que têm dinheiro em caixa, plano A e plano B… Eles obviamente estão sofrendo, mas acho que estão levando em conta nossa relação pessoal, e também tem que pensar que o Bruno, o Thiago, a Bia… eles não têm nenhuma outra fonte de renda a não ser os torneios. Então a minha relação pessoal com os donos da empresa… Eu faço um trabalho que custa, mas com o prazer de sempre ativar relação.

Dá um exemplo?

Ligo quando estou em São Paulo, almoço, jogo tênis, ligo no aniversário da filha… Essas coisas ajudam. Foram as palavras da Motorola [patrocinadora dos Bryans] para mim. "Vocês não vão entregar nada, então bomba a rede social porque quando a gente tiver a nossa reunião para corte de gasto, eu poder justificar que vocês estão fazendo mil coisas além, fazendo o extra mile, cuidando da nossa marca, para eu poder lutar para não cortar vocês porque vocês são, teoricamente, um patrocínio pequeno." Apesar de nenhum jogador de tênis ser um Neymar da vida ou ter milhões de seguidores. Os caras patrocinam o New York Yankees, o Indiana Pacers, o Chicago White Sox, o time de Chicago da NHL… São patrocínios multimilionários, e o dos Bryans, obviamente, é pequeno comparado com esses negócios. Então a gente está fazendo isso do meu lado. E do lado dos jogadores, você conhece Bia, Teliana, André, Bruno, sempre super atencioso, sempre dando mais entrevista, sempre usando a camisa dos patrocinadores, sempre fazendo tudo. Se tiverem que escolher quem cortar, talvez a gente vá ser o último da lista por essas razões. Junta um pouco de tudo. O meu trabalho behind the scenes, o trabalho dos jogadores dentro e fora da quadra, o resultado deles dentro de quadra - porque nenhuma empresa dessas está fazendo caridade para a gente. A gente tem uma relação muito boa, mas é relação comercial. Somando tudo, não tive nenhuma ligação desagradável até agora, acredite se quiser.

Todo contrato, obviamente, prevê entrega de algumas coisas e quando a empresa X assina, espera que o atleta Y vá ter um certo rendimento, uma certa exposição. Se não tem tênis na TV, nos sites, nos jornais, etc, como vocês têm feito para compensar isso?

Alguns contratos - não todos, mas os Bryans têm, inclusive... A gente até teve um problema interessante no ano passado, quando eles decidiram acabar a temporada mais cedo. Não queriam jogar. Por razões pessoais, queriam relaxar. Um dos patrocinadores deles, que é uma empresa de capital aberto e estava indo mal nas ações, tinha uma cláusula de que se eles (Bryans) terminassem o ano no top 5, renovava automaticamente. Se não, seria cortado. E eles terminaram em sexto, não jogando o ATP Finals. Falamos assim: "A gente pode jogar o Finals, mas…" Aí o Bob entrou, ligou para o cara pessoalmente e falou "Pô, eu estou querendo descansar por causa da minha operação, ano que vem vai ser nosso último ano, a gente quer fazer uma bela pré-temporada…", e no final deu certo. Era o jurídico [da empresa], porque eles estavam meio mal das pernas, tentando sair de um contrato. Na hora que entrou na relação pessoal, eles pensaram assim: "São os Bryans, isso aqui é meio sem sentido, vamos olhar um pouco melhor para essa situação aqui, com um olhar mais humano." E resolveu. E qual foi a sua outra pergunta?

O que se faz para compensar a falta de exposição?

Nós estamos falando de dois meses de falta de torneios. Se daqui a duas-três semanas cancelarem o ano, aí, se o pessoal me ligar, vai ser compreensível porque não vai ter tênis o ano inteiro, então acho que está todo mundo esperando um pouco para ver o que vai acontecer. Se voltar em agosto, tá tranquilo. Perdeu três meses. Mas a gente tem feito muito… Você vê a quantidade de lives que o Bruno fez!

Ele contou? Porque eu vi pelo menos umas 15 chamadas pra lives com o Bruno desde que parou o circuito…

Muito mais, muito mais. Ele está fazendo quatro por semana. Fez mais de 30. O André fez mais de 30, a Bia fez mais de 30. O Thomaz, umas quatro-cinco. O Thiago está fazendo uma agora, inclusive. Fez umas seis. E também temos feito muita live privada, que ninguém sabe. Hoje, a gente fez um café da manhã. Eu, André e Bruno, 7h30min da manhã no Brasil. Foi de 7h30min às 9h, antes do expediente, para uma multinacional. E os caras adoraram, postaram, agradeceram. Estamos dando um jeito de reinventar, de não deixar a peteca cair, digamos.

As lives acabaram sendo uma boa saída, né?

É… Ninguém tem tempo tanto de assistir quanto de dar live, mas isso nunca mais vai acontecer no mundo. O Bruno fazer 30 lives? Isso não existe. Criou-se um produto que não existia no mercado. O corona deu uma mudança, e a gente está entregando com isso. Fizemos um monte de doação também. A gente fez uma live no aniversário dos Bryans, você entrou?

Entrei justamente quando era o Bruno falando… (risos)

O Andy Murray começou, o Maroon 5 entrou, o Guga entrou, a Coco Gauff entrou, o Sock, o Isner, um monte de gente. Foram 20 pessoas na live, para arrecadar dinheiro para a fundação deles. Eles queriam 42 mil no mínimo para o 42º aniversário deles. E estamos fazendo benfeitorias, né? Porque a gente está mal, mas tem muita gente pior. A gente tenta também abrir o coração.

E essas benfeitorias, por mais que você faça completamente sem divulgar, alguém vai ver, vai falar, e de um modo ou de outro gera algo positivo para a imagem de um atleta, né?

É, mas também não estamos super preocupados com isso. Obviamente, é interessante e como estamos fazendo isso ao vivo, óbvio que a imagem [ganha]… Mas o intuito não é esse. O primeiro intuito é tentar ajudar gente que está pior do que a gente.

E o que você acha desse resto de ano?

Eu acho que não tem torneio mais este ano, para te falar a verdade. Nas conversas que eu estou tendo com o pessoal… Acho que todo mundo está olhando para ver se é viável fazer torneio sem público. Alguns querem. Outros, não. É complicado. Cara, correr o risco de ter uma contaminação no seu evento… É que nem o Larry Ellison [dono do torneio de Indian Wells]. Ele que falou para não ter o torneio. Porque ele falou "vai dar uma merda aqui, vai todo mundo me processar… estou fora. Deixa que eu perco dinheiro." Vai ser o que o pessoal vai fazer.

E é muita marca envolvida, né? Se começa a cair gente doente e, deus me livre, morre alguém, estão todas essas marcas ligadas à coisa.

Sabe quantas pessoas você precisa para fazer Indian Wells [sem público]? São 600 funcionários. Australian Open, com os jogadores, são 3.100. Falaram sobre ir só jogador… Nadal já falou: "se eu não levar meu time, não passo nem perto." Vai fazer torneio sem eles? Melhor não ter. Muito ruim para o torneio. Se os grandes não forem…

Uma curiosidade não exatamente ligada ao momento: quando empresas buscam parcerias com atletas, obviamente que cada empresa tem seu perfil e busca uma coisa que pode ser diferente do que outra empresa quer. Como é isso com seus atletas no tênis?

Vamos lá… Casos com o Bruno, por exemplo: a Land Rover, que patrocinava a gente, não queria manga [da camisa], não queria pagar a mais, mas queria ele como garoto-propaganda do Discovery Sport. Ele foi no Salão do Automóvel, a gente fez três comerciais, cosa e tal, mas não tinha exposição nenhuma de marca deles. Era um cliente que queria pagar menos, mas para a gente era interessante ter a Land Rover como parceiro. A gente está disposto a fazer um preço menor para eles por isso. Outro exemplo do Bruno, que é a Angá: eles precisam de pouca ou nenhuma propaganda, mas para o cliente deles, ver o Bruno na TV e ver o "Angá" [escrito na manga da camisa] é interessante, se associa com a marca, e a gente faz bastante evento corporativo para os clientes deles. A gente fica três dias, no fim do ano, seguidos com eles. Eles têm exposição de marca, mas é só um plus para o que eles querem de verdade. A gente tem almoço durante o ano, a gente vai para a Fazenda da Grama e faz clínica com 30 clientes. Então depende da marca. Para umas, a manga é mais importante. Para o BMG, sem manga, não tem jogo. Cada um é diferente.

Você falou lá no começo que com quase todas essas empresas, a relação começou de maneira pessoal. Dá um exemplo desses? De como é esse contato inicial com um empresário?

Tem uma história com os Bryans que é muito boa. Foi com a Barracuda. Uma mulher que patrocinava o Mineirinho [o surfista também é agenciado por Torres] falou: "Tenho um cara que joga tênis, eu jogo com ele e a mulher, liga para ele." Eu tive umas duas ligações. Meu pai estava dirigindo, e eu estava indo para o aeroporto de Miami. São 15 minutos de casa até lá. É muito perto. E eu no viva-voz com ele, e eu chegava em Londres às 4h da tarde no horário de lá, e os Bryans jogavam a primeira rodada do ATP Finals no dia seguinte. Fiquei sabendo que eles [Barracuda] patrocinavam a Arena O2 e falei "Vamos começar agora. Fecha comigo agora, a gente começa o ano que vem, e eu te dou esse torneio de brinde. Não precisa assinar. Estou confiando em você. Vou chegar lá e vou botar na manga deles." Nunca tinha visto o cara, não sabia que se era gordo, magro, preto, branco, não sabia nada dele. Sabia que era uma empresa grande, mas foi por telefone. Eu estava entrando no voo e meu pai dando risada no viva-voz. Cheguei lá [em Londres], fui correndo, peguei a camisa dos Bryans, achei um lugar que fazia o patch, pedi para o motorista do torneio pelo amor de deus me levar lá e me esperar… Voltei com a camisa tipo meia-noite. Eles jogavam o primeiro jogo, que era 11h da manhã do dia seguinte. Eu tinha acabado de começar a trabalhar com eles. Olharam para mim e perguntaram: "Cara, cadê o contrato?" Eu falei: "Não tem contrato." Eu lembro que o Mike, que é mais… Ele falou: "Você tá de sacanagem comigo, né?" O Bob falou: "Põe. Confio. Vamos." Botaram o patch, perderam o primeiro jogo e brigaram… Teve uma briga feia. Eles falaram "Não vamos jogar com essa camisa", que era uma camisa cinza. Fui lá de novo, fiz mais camisa, e eles ganharam o torneio. Estamos com eles até hoje. Tem cinco anos isso.

Só pra terminar… Resumindo o assunto que foi o principal da entrevista, a saída que vocês encontraram para o momento é uma mistura de fazer relacionamento e aproveitar as lives para compensar o que não está exibindo agora, certo?

É. E também assim… A gente entrega, obviamente por prazer, mais. A gente não é aquele cara que diz "temos três datas por ano". Se o cara pede quatro ou cinco, a gente sempre entrega. Acho que por entregar mais e sempre estar à disposição, por eu me virar para conseguir ingresso extra, bater bola com donos de empresa, bater bola com cliente… A gente sempre faz, e eu encho o saco deles [tenistas] para fazer, e eu faço junto, obviamente que deixa tanto eu quanto os jogadores no topo da lista para não ser cortado, digamos. Acho que o trabalho que a gente tem feito com eles está voltando para o nosso lado. Se a gente não fizesse e fosse algo muito comercial-contratual, a gente já teria dançado em algum deles.

Qual a empresa que está com vocês há mais tempo?

O BMG está desde 2012. Eles são nota 1000. Apoiam a gente, apoiam o esporte. Estão patrocinando o Sérgio Sette Câmara, do automobilismo, tem vários times de futebol… Eles patrocinam o Galo caindo para a segunda divisão! Eles são longo prazo mesmo. Sem frescura. Eles são incríveis.