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Rodrigo Coutinho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A receita do surpreendente Fluminense

Colunista do UOL

16/02/2021 04h00

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Depois de oito anos ausente, o Fluminense está de volta a uma Libertadores. Ainda não se sabe se direto na fase de grupos ou na de classificação — a briga pela vaga direta foi intensificada ontem com a vitória por 3 a 1 sobre o Ceará —, o que não muda em nada a façanha em meio a uma temporada escassa em investimentos e com aspirações modestas. O desempenho em campo, porém, foi muito competitivo desde a 1ª rodada do Brasileirão por uma conjuntura de fatores.

Odair Hellmann

foto - MARCOS SOUZA/ESTADÃO CONTEÚDO - MARCOS SOUZA/ESTADÃO CONTEÚDO
Odair Hellmann é o grande responsável pela organização do time tricolor
Imagem: MARCOS SOUZA/ESTADÃO CONTEÚDO

No final de novembro você leu aqui no blog como o Fluminense se comporta coletivamente em campo. Esse plano de jogo foi idealizado por Odair Hellmann, que deixou o clube em dezembro após receber proposta do Al-Wasl, dos Emirados Árabes. O treinador passa muito longe de ser um cara de ideias inovadoras ou montagem de equipes de grande dinâmica ofensiva, mas é extremamente competente em adequar realidade e objetivos.

Desde janeiro de 2020, buscou desenvolver uma plataforma em que o time ficasse confortável com o adversário tendo mais a bola. Teve dificuldades quando esse não era o cenário, mas sabia que a maioria dos jogos reservaria ao Tricolor aquilo que foi planejado para o Brasileirão. Soma-se a isso uma boa gestão de grupo, um dos pontos fortes de Odair, e o Fluminense obteve os resultados almejados sempre com muita dedicação e concentração de seus atletas.

Marcão

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Marcão deu continuidade ao trabalho e ainda melhorou o aproveitamento do time
Imagem: Mailson Santana/Fluminense FC

Ídolo da torcida tricolor no início do século, Marcão conhece como poucos o clube e já fazia parte da comissão técnica de Odair Hellmann. Acabou entrando como interino em dezembro e conseguiu superar o início ruim. Manteve a ideia original de jogo do Fluminense, pautada em defesa organizada e objetividade ao retomar a bola, e viu o time se recuperar na sequência.

Primordial a humildade do ex-volante. Mesmo tendo a chance de imprimir uma marca pessoal na organização do time, optou por não fazer mexidas bruscas no modelo. Deu mais minutos a Fred e Nenê, esse pelo centro do campo agora, e devolveu a titularidade a algumas peças, como Egídio, além de chances a Marcos Felipe e Martinelli, oriundos da base e titulares incontestáveis hoje.

Elenco equilibrado

Preste atenção! Elenco equilibrado não quer dizer elenco de alto nível. O Fluminense possui um plantel bem aquém das suas tradições. Retrato da situação financeira do clube, que não dá tanta possibilidade de investimento. Mas conseguiu montar um grupo de jogadores linear. Há pouca ou, em alguns casos, nenhuma diferença de qualidade entre titulares e reservas.

Muriel e Marcos Felipe se assemelham neste momento da carreira. O mesmo se aplica a Egídio e Danilo Barcelos na lateral-esquerda. A zaga teve como opções Nino, Luccas Claro, Matheus Ferraz e Digão durante grande parte da temporada, defensores basicamente do mesmo nível. No meio e no ataque o cenário se repete com constância.

Essa uniformidade faz com que o modelo de jogo e o nível do time não sofram grandes alterações quando há desfalques. Tanto que o clube perdeu diversos jogadores importantes ao longo do campeonato e não sofreu tanto. Gilberto, Dodi e Evanilson, destaques do time em momentos diferentes da temporada, foram embora, e a equipe não vivenciou as ausências de forma dramática.

Os moleques de Xerém

03 - Mailson Santana / Fluminense F.C. - Mailson Santana / Fluminense F.C.
Martinelli, volante do Fluminense
Imagem: Mailson Santana / Fluminense F.C.

Não é de hoje que a fábrica de Xerém continua gerando frutos ao time e aumentando a receita do Fluminense. Calegari, Martinelli, André, Luiz Henrique, Evanilson e John Kennedy são os melhores exemplos desta temporada. Três deles são titulares no primeiro ano de profissional. Outro foi vendido ao Porto após um primeiro semestre excelente. André e John Kennedy são muito promissores e aos poucos vão conquistando espaço.

Num clube com a situação financeira do Fluminense, é determinante produzir essa quantidade de bons jogadores anualmente. Alguns deles resolveram problemas pontuais em momentos importantes. Outros, até mais experientes, como Marcos Felipe, Wellington Silva e Igor Julião, conseguiram melhorar o desempenho. E trazem identificação com a camisa tricolor, algo que acrescenta no comportamento em campo.

Boa captação no mercado

É impossível acertar em todas as contratações para uma temporada. Trazer um atleta que não é unanimidade ou não vive o seu auge sempre será uma aposta por todos os fatores que influenciam no desempenho de um jogador. Minimizar erros, porém, é possível com um bom trabalho no mercado. Poder de observação, projeção, e adequação à realidade financeira do clube. O Fluminense de 2020 tem bons exemplos disso. Yago Felipe e Michel Araújo são os casos de maior sucesso neste aspecto. Custo baixo e retorno dentro de campo.

Projeção para 2021

Roger Machado será o técnico tricolor na temporada que se inicia na primeira semana de março. Não se sabe qual ideia de jogo ele implementará. No Bahia, em 2019, fez algo bem próximo daquilo que o Fluminense teve em 2020, mas em seus outros trabalhos montou times mais afeitos ao controle do jogo pela posse de bola. Seja qual for a proposta, que o clube não perca o senso de realidade. Posturas e contratações acima do que se pode fazer representarão um passo perigoso neste processo de restruturação.