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Rafael Oliveira

Pressão pela volta do futebol reforça o Brasil na contramão do mundo

Hospital de campanha montado no estádio do Pacaembu, na zona oeste da cidade, destinado exclusivamente para o tratamento de pacientes diagnosticados com o COVID-19 - Marcello Zambrana/AGIF
Hospital de campanha montado no estádio do Pacaembu, na zona oeste da cidade, destinado exclusivamente para o tratamento de pacientes diagnosticados com o COVID-19 Imagem: Marcello Zambrana/AGIF

Colunista do Uol

01/05/2020 10h57

O Brasil hesitou antes da óbvia decisão de suspender o futebol diante do coronavírus. Agora, pensa em retomar as atividades antes de qualquer indicativo minimamente razoável.

Sim, a crise econômica é grave e afeta todas as áreas, inclusive os clubes. Há também a compreensível pressão por conta do calendário apertado e as eventuais consequências financeiras relativas aos direitos de transmissões já negociados.

É assim no mundo inteiro e não há saída fácil. Aos poucos, os debates sobre a volta do futebol ganham força. Porém, em diferentes cenários.

Hoje, dois caminhos são considerados. O retorno com cuidados redobrados ou o cancelamento da temporada. Holanda e França não terão futebol antes de setembro, enquanto outros debatem possíveis datas e protocolos. O que está fora de cogitação é acelerar uma volta precipitada como a que o Brasil parece querer.

Alemanha e Coreia do Sul apontam como pioneiros para um caminho em que a retomada das ligas estará diretamente relacionada à alta capacidade de testagem. A partir de um maior controle do número de casos e já em um estágio mais avançado do combate, a preocupação é com os efeitos da gradual reabertura da sociedade.

O Brasil vai na contramão, o que não deixa de ser coerente com os discursos negacionistas do presidente Jair Bolsonaro desde o início da pandemia. Não por acaso, é ele quem puxa a fila. Enquanto o país vê os óbitos aumentando de forma alarmante e descontrolada, em vez de reforçar cuidados e restrições, pressiona pela volta de uma normalidade já incompatível com a realidade.

Se não há testes suficientes para obter números precisos em território nacional, como direcioná-los para o futebol? O esporte vai passar na frente de profissionais de saúde e de doentes?

É hora dos personagens do futebol brasileiro se posicionarem. Cada atleta, cada membro de comissão técnica. Qualquer um que tenha consciência de que o esporte não é uma bolha. Ao final de cada partida, dezenas ou centenas de profissionais voltarão para suas casas sem saber se estão colocando familiares em risco. Qual seria o limite? Um jogador testar positivo? Um caso grave? Uma morte? "E daí"?

Por mais aguardado que seja o retorno do futebol, ele não é um serviço essencial e nem deve se submeter ao papel de distração irresponsável. Sob o pretexto de dar alegria para o povo, enquanto centenas morrem por dia.

Deveria ser uma questão de bom senso, mas o óbvio tem passado longe de um país que boicota suas próprias orientações de isolamento e que pressiona por flexibilização justamente quando o ápice da crise sanitária se aproxima.