A semelhança entre Bap, Eurico Miranda e um copo de Coca-Cola
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O telefone tocou e a voz do outro lado da linha era conhecida. "Doutor Eurico quer falar com você!" Pensei: "Ferrou!" Eurico tinha acabado de ouvir pelo rádio um comentário deste colunista dizendo que uma das leis mais conhecidas e detestáveis do páis, a Lei de Eurico, informalmente dizia:
"Eurico faz bem ao Vasco, mas faz mal ao futebol brasileiro? Ora, se faz mal ao futebol do Brasil, também faz mal ao Vasco."
Não se tratava de uma crítica direta ao autoritário dirigente vascaíno, mas ao pensamento individualista que nos cerca. Se o Brasil crescesse, o Vasco melhoraria junto.
É tão óbvio!
Nunca entendi meus vizinhos dizendo que iam votar em fulano, porque fulano daria emprego ao seu primo, ao seu irmão e à sua sogra... Ou taxistas pensando em votar em Paulo Maluf, porque alargaria avenidas que seriam benéficas para o táxi.
A gente nunca se livra deste pensamento mesquinho.
É como o discurso do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas: "No dia em que começarem a falsificar Coca-Cola, vou me preocupar."
O governador não deixa claro apenas que está barrigudo por causa dos refrigerantes, mas principalmente que não governa para a população. Não importa que gente morra consumindo bebidas alcoólicas, nem que comerciantes percam clientes temerosos de consumir destilados. Importa apenas que a bebida preferida do governador não esteja contaminada por metanol.
Eurico Miranda gritava ao telefone naquela tarde de 2017: "Você nunca mais diga que eu prejudico o Vasco". Eu respondia: "Se o senhor faz bem ao Vasco e mal ao futebol brasileiro, há uma antítese, ora... Se faz mal ao futebol brasileiro, faz mal ao Vasco, que está no futebol brasileiro".
Eurico não entendia e espumava, ou espumava ao fingir não entender.
Luiz Eduardo Baptista, o Bap, está muito distante de ser Eurico Miranda. É muito melhor como pessoa, como empresário e como dirigente. Quem o rodeia, atualmente, tem a mesma velha dificuldade em compreender a diferença entre o pensamento individual e a atuação coletiva. Dizem, repetidas vezes: "Bap está certo, porque tem de defender o Flamengo."
Mas defender o Flamengo também é permitir que o futebol brasileiro cresça e que a indústria mais desenvolvida permita a todos ganharem mais.
Há razões para o Flamengo ir à Justiça contra a Libra. O contrato é ambíguo, de difícil compreensão.
Mas há tempo para a Justiça determinar quem tem razão e descontar de outros clubes os valores que caberão ao Flamengo nos próximos cinco anos, se o Flamengo for o vencedor da causa.
O problema não é o pensamento empresarial de Bap. O erro é o pensamento individualista. Desde Delfim Netto, o Brasil ouve que é preciso fazer o bolo crescer e só depois dividi-lo.
Logo após afirmar que a Liga precisa fazer a conta de um mais um ser igual a três, Bap disse que o bolo tem de crescer e ser dividido simultaneamente. É a primeira vez em que alguém da elite brasileira propôs dividir o bolo simultaneamente ao seu crescimento.
Ironicamente, para seguir tendo o maior quinhão.
O Flamengo tem o direito de ir à Justiça discutir a divisão dos 30% do critério de audiência. Também tem o dever de convocar o ex-presidente Rodolfo Landim, para explicar por que assinou o contrato. Se seu adversário político, Bap, tem razão ao questionar a Libra? Ou se assinou um contrato sabendo o que fez, pensando no coletivo, não no Flamengo ganhar hoje.
Enquanto isso, o discurso coletivo repete a miopia individualista da primeira Lei de Eurico. Diz-se, quase sem pensar: "Bap está certo, porque a ele cabe defender os interesses do Flamengo."
É quase como afirmar que Tarcísio de Freitas está certo em não se preocupar com a contaminação das bebidas, porque ainda não chegou ao seu copo de Coca-Cola.




























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