
Um teste decisivo no final de 2022, um começo arrasador em 2023 e uma reunião que era para ser de 30 minutos e durou mais de 3 horas em 2024 foram os três momentos decisivos para que Gabriel Bortoleto se tornasse o primeiro brasileiro titular na Fórmula 1 desde 2017.
Um ano depois do anúncio, o UOL foi atrás dos detalhes dessa história.
"Se eu te falar, você vai desistir." Foi o que a mãe de Bortoleto ouviu quando começou a frequentar as pistas de kart com os filhos.
Na época, como a família não tinha histórico no automobilismo, costumava perguntar para os outros pais qual era o caminho para se chegar à F1.
Por mais que as pessoas no paddock da categoria insistam que é tudo uma questão de meritocracia, é preciso saber como abrir portas e impressionar as pessoas certas, no momento certo.
A história é conhecida: o pai Lincoln Oliveira viu que o caminho era mandar Gabriel para a Europa o quanto antes, para ele se tornar conhecido no kartismo do continente e acostumar-se a trabalhar com europeus.
Oliveira arrumou uma família que poderia ficar com o filho de 11 anos e o enviou para a Itália, contando à esposa apenas quando eles estavam a caminho do aeroporto.
Gabriel nunca voltou em definitivo ao Brasil desde então. Viveu uma adolescência totalmente focada no esporte e, aos 18 anos, demonstrava uma maturidade incomum.
Quando enfrentou dificuldades na Freca (Campeonato de Fórmula Regional Europeia), último degrau antes da Fórmula 2 e da Fórmula 3, categorias que correm junto da F1, bateu o pé com os engenheiros e provou com a telemetria que tinha uma deficiência de motor.
Mas o automobilismo vive de resultados e, nas três primeiras temporadas em carros monopostos, eles ficaram abaixo do que o piloto esperava.
Sua carreira corria o risco de ficar estagnada, até que Gugu da Cruz, pai de Pietro e Enzo Fittipaldi, fez a conexão entre os Bortoleto e a A14, agência que o bicampeão da F1 Fernando Alonso e dois sócios tinham acabado de abrir.
Dessa reunião surgiu a oportunidade de Gabriel fazer um teste na Trident, equipe que vinha crescendo na Fórmula 3.
Ele foi muito bem, ficou com a vaga e deu uma virada impressionante na carreira culminando com um contrato com a equipe Sauber na Fómula 1.
Mas não foi um processo de negociação simples.
Bernie Ecclestone, ex-chefão da categoria, e uma virada de campeonato inesperada foram decisivos no retorno do Brasil à categoria.

Antes, um não à Sauber
O primeiro fim de semana de Bortoleto na esfera da F1 foi no Bahrein, em 2023, ainda correndo pela Fórmula 3.
O paulista de Osasco foi tão dominante que a McLaren logo entrou em contato oferecendo uma vaga em seu concorrido programa de jovens pilotos.
Logo depois, ele já fechou com a Invicta —uma das melhores equipes da Fórmula 2— para o ano seguinte.
As negociações com a McLaren demoraram a deslanchar, e mais duas equipes se interessaram por Bortoleto.
Uma delas foi a Sauber, que tinha uma proposta incomum: a garantia de um lugar como titular na F1 em 2025 caso Gabriel tivesse um grande desempenho na F2 no ano anterior. Um top 3 o colocaria no grid.
Bortoleto diz que sabia que a McLaren não seria um plano a longo prazo para entrar na F1, tendo dois pilotos jovens, Lando Norris e Oscar Piastri, como titulares.
Ele acreditava que, naquele momento, ter o apoio da equipe inglesa, que ofereceu o engenheiro Jose Manuel Lopez García para trabalhar com ele, e a chance de testar um F1 ajudaria mais no seu desenvolvimento.
A negociação com a Sauber não foi aberta pela A14, mas por Geraldo Rodrigues, da ReUnion, que conhecia o então chefe da equipe, Andreas Seidl, por meio do ex-piloto e diretor da McLaren Gil de Ferran.
Mas Bortoleto disse não à Sauber em setembro de 2023.
Com a chegada de 2024, ele viveu a pressão de ter que conquistar de cara o título da Fórmula 2.
A missão não era tão simples assim. Os resultados oscilaram muito mais do que no ano anterior.
Todo o interesse de equipes de F1 murchou aos poucos. As vagas foram sendo preenchidas e ele não estava no radar de nenhuma equipe.
Mas o cenário mudou a partir de junho. Os resultados engrenaram no começo daquele mês, época em que a Sauber passou por uma mudança importante na direção: saía Seidl e entrava Mattia Binotto.

O papel de Ecclestone
Mais uma vez sentindo que não tinha entrada na equipe suíça, Lincoln tentou outra cartada: uma ajuda de Bernie Ecclestone via Fabiana Flosi, brasileira vice-presidente de esporte da FIA e esposa do dirigente.
O britânico aceitou ajudar.
"Ele falou 'eu vou ligar para o Mattia e dizer que ele tem que receber o Gabriel e olhar nos olhos dele e tomar uma decisão'", contou Lincoln no programa Pole Position, do UOL.
"Não falaria isso para o Gabriel porque poderia gerar expectativa nele. Na semana seguinte, o Gabriel me liga feliz da vida. 'Pai, não sabe o que aconteceu! O Mattia marcou uma reunião. Vou ter que ir para a Suíça amanhã, e ele quer olhar nos meus olhos e falar comigo'. Exatamente o que o Bernie havia dito."
Era para a reunião durar meia hora, pois Binotto estava com a agenda cheia naquele dia. O pai ficou, ansioso, aguardando uma ligação do filho que não chegava. Passaram-se duas, três horas e nada.
"Achei que a reunião não tinha sido boa. E aí ele me ligou contando que eles ficaram três horas conversando na sala dele. Ele cancelou compromissos, queria saber tudo da família inteira, tudo."
Na saída, Binotto apontou o símbolo da Audi na parede e disse a Bortoleto: "Vai se acostumando com esse logo".
Bortoleto é mais cético que o pai sobre o quão decisivo foi Ecclestone.
O Bernie ajudou muito. Ele realmente ligou para o Mattia. A gente já estava em conversas fazia um tempo. Se ele já ia marcar aquela reunião pessoalmente, eu não sei. Ele não faz isso para qualquer um. Só para quem ele acredita no potencial. Tanto que ele continua falando de mim. Sou muito grato. Gabriel Bortoleto ao UOL
O fato é que Gabriel impressionou Binotto na reunião.

"Ele fez umas 3.000 perguntas em um minuto para saber se eu tinha respostas a todas elas. Foi um momento especial. Senti conexão. Ele me mostrou tudo sobre o projeto da Audi, o que ele queria para o time e para mim."
Binotto também disse ao UOL que decidiu que Gabriel seria seu piloto em uma questão de minutos.
"Claro que eu estava olhando resultados, mas, quando ele entrou no escritório, me convenci ao olhá-lo no olho. É uma jornada difícil em alguns momentos e é importante ter resiliência. Fiquei impressionado com a mentalidade dele."
Isso aconteceu logo após o GP da Bélgica de 2024, no começo de agosto.
Em pouco tempo, com a temporada de 2025 ainda em aberto, a discussão evoluiu para uma garantia de vaga na futura equipe Audi em 2026, quando a montadora alemã assumirá o controle da Sauber.
À McLaren, que tinha o 'passe' de Bortoleto, só cabia aguardar: o acordo deles previa que, se o piloto tivesse uma vaga de titular na F1, ele seria automaticamente liberado.

Presente de Natal
O recado de Binotto foi claro: "Vejo você com muito potencial, mas não tenho certeza se você está pronto para estrear já em 2025. Mostre para mim na pista e você vai ter a vaga".
Esse período coincidiu com o crescimento de Bortoleto no campeonato da F2. Ele teve um fim de semana histórico na Itália, no circuito de Monza, ganhando uma corrida em que largou em último lugar.
Duas semanas depois, chegou à liderança do campeonato. Faltavam duas etapas para o final, que seriam disputadas só no início de dezembro.
Acho que lidei bem com a situação, porque entendi que só o que importava era o que eu fizesse na pista. O Matia deixou claro que a vaga dependia de resultado. Minha missão era ser campeão, e assumir a liderança me aliviou. Bortoleto
O piloto afirmou que viajou ao Brasil para o GP de São Paulo sem saber se estaria no grid em 2025. Foi ao longo daquela semana que a decisão foi finalmente tomada.
A equipe já tinha acertado as bases da renovação com Valtteri Bottas, como um "backup" caso Binotto julgasse que Bortoleto não estava pronto, mas o contrato com o finlandês nunca foi assinado.
"Havia muita especulação. Eu só tive a confirmação durante a semana do GP e preferi não acreditar até assinar. Já ouvi muita história na F1, então só acreditei quando foi anunciado oficialmente", afirma Bortoleto.
O acordo do brasileiro estava finalmente fechado: um contrato de dois anos, com a opção de um terceiro. Para Binotto, Bortoleto é o cara escolhido para vencer a primeira corrida da Audi na F1.
E o Brasil estava de volta ao grid.







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