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ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Como centímetros fizeram Mercedes e Aston Martin perderem até 1s em 2021

Lewis Hamilton vence GP de abertura da temporada da F1 com apenas 0s7 de vantagem para Verstappen - LAT Images
Lewis Hamilton vence GP de abertura da temporada da F1 com apenas 0s7 de vantagem para Verstappen Imagem: LAT Images

Colunista do UOL

05/04/2021 04h00

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Lewis Hamilton e a Mercedes venceram o GP de abertura da temporada, no Bahrein, mais por uma combinação entre a pilotagem ao mesmo tempo veloz e delicada com os pneus do heptacampeão e uma estratégia agressiva do time do que pela velocidade do carro em si. Mais atrás, a sensação da temporada passada (que ano passado era a Racing Point, e em 2021 passou a se chamar Aston Martin) sofria para marcar um ponto na etapa de abertura. Os dois carros são os únicos do grid com uma filosofia aerodinâmica diferente dos demais. E as equipes acreditam que as regras que mudaram o assoalho, difusor e dutos de freio traseiros atingiram seus carros de maneira muito mais forte do que os rivais.

Estas mudanças foram um pedido da Pirelli, visando diminuir a velocidade dos carros e garantir a integridade dos pneus, além de evitar a prescrição de pressões mínimas muito altas, o que faz com que os carros tenham mais dificuldade de seguir um ao outro de perto sem sofrer com superaquecimento. No total, foi cortada 10% da pressão aerodinâmica gerada pelos carros, algo que as equipes já estão recuperando. Mas justamente Mercedes e Aston Martin são as que perderam mais e que, provavelmente, terão mais trabalho pela frente para recuperar-se.

O que Mercedes e Aston Martin têm de diferente no conceito do carro?

aston - Divulgação/Aston Martin - Divulgação/Aston Martin
Carros da Aston Martin (foto) e Mercedes têm a parte traseira mais próxima do solo que os demais
Imagem: Divulgação/Aston Martin

No Bahrein, a coluna flagrou membros das duas equipes fazendo algumas visitas aos escritórios da F1, ora com bolos de papéis debaixo do braço, ora com notebooks. Eles queriam mostrar que seus carros tinham sido afetados pelas novas regras de forma desproporcional. "Não sou um cara de teorias conspiratórias. Mas nós avisamos ano passado que isso teria um efeito maior no nosso carro. Estávamos certos", dizia o chefe da Aston Martin, Otmar Szafnauer.

A diferença dos carros da Mercedes e Aston Martin é o ângulo da parte traseira em relação ao solo, muito menor do que o das outras oito equipes do grid. Trata-se de apenas alguns centímetros, mas que mudam muita coisa. Esse ângulo é chamado 'rake' e, por ser algo conceitual, não é facilmente alterado, já que todo o carro é desenhado tendo como base uma ou outra maneira de se produzir pressão aerodinâmica na parte traseira. A Aston Martin, inclusive, mudou o conceito de seu carro ano passado justamente para acomodar melhor a caixa de câmbio e suspensão que compra da Mercedes. E estas são duas peças que só podem ser alteradas, de acordo com o regulamento atual, usando fichas de desenvolvimento. A Aston Martin não tem mais fichas para usar. Já a Mercedes não divulgou se usou as suas ou onde o fez.

Para piorar o cenário, este é um ano diferente em termos de desenvolvimento de carros na F1: além desta limitação das fichas, em 2021 estreia o teto de gastos, ao qual as equipes estão se adaptando, e um escalonamento de desenvolvimento aerodinâmico, pelo qual, quanto mais à frente a equipe está no campeonato, menos tempo de túnel de vento e CFD (estudo dos fluídos por computador) ela tem direito. E todos os times já estão mais focados no carro do ano que vem, que só pôde ser iniciado em janeiro e que é complemente diferente do atual.

"Não foi feita uma votação", diz chefe da Aston Martin

Todo o cenário, portanto, é desfavorável para quem não começou bem a temporada. Não que Mercedes e Aston Martin tenham sido pegas de surpresa: Szafnauer revelou que eles avisaram a F1. "Nunca houve uma votação. Houve uma votação indicativa, entre os diretores técnicos, e três votaram contra. Só há dois carros com rake baixo, então um time com rake alto votou contra também. Então a mudança não teria passado sob aquela regra de no mínimo oito equipes a favor [em uma votação normal]."

Essas mudanças foram determinadas em duas partes. Os primeiros cortes de downforce foram acertados em junho, quando as equipes estavam com suas fábricas fechadas devido aos lockdowns em vários países da Europa. As decisões levaram em conta os modelos de simulação da própria F1, ou seja, foi só depois que as equipes entenderam o que isso significava para seus projetos na prática. No final de agosto, mais mudanças foram acordadas entre as equipes, a F1, a Federação Internacional de Automobilismo e a Pirelli, ou seja, isso foi feito com pouco menos de oito semanas de estudos das equipes nas quais, segundo a Aston Martin, os times que usam o rake baixo alertaram que seriam mais lesados, mas não conseguiram frear as mudanças.

Por que a Mercedes parece sofrer menos que a Aston Martin?

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Sergio Perez passa em frente ao carro virado de Lewis Hamilton na brita, durante teste de pré-temporada da Fórmula 1
Imagem: Clive Mason/Getty Images

Na verdade, é difícil afirmar que uma equipe está sofrendo mais que a outra olhando apenas os resultados. De acordo com Szafnauer, "se você comparar os tempos na classificação nas duas corridas no Bahrein - a deste ano e a de quatro meses atrás - os carros com o rake alto ganharam cerca de um segundo em relação àqueles com rake baixo".

Porém, para o time de Stroll e Sebastian Vettel, isso gera um prejuízo maior em termos de resultados porque eles estão em uma briga mais apertada para ser a terceira força, com McLaren, Ferrari, Alpine e, agora AlphaTauri, que cresceu muito neste ano.

Já a Mercedes briga apenas com a Red Bull, e ficou a 0s4 da pole position no mesmo circuito em que Hamilton fez o melhor tempo com os mesmos 0s4 de vantagem no final de novembro de 2020.

Ou seja, é um prejuízo considerável, ainda que a Mercedes já tenha levado à primeira corrida do ano uma novidade em relação aos testes, quando sofreu muito com a instabilidade da traseira do carro. É uma alteração aerodinâmica na asa traseira, para compensar parte do que foi perdido pelas restrições de tamanho do difusor.

Como as mudanças aerodinâmicas estão liberadas, cabe às equipes apostarem em soluções deste tipo para diminuírem a diferença, como afirmou o chefe de engenharia da Mercedes, Andrew Shovlin. "Nós temos um carro com o qual podemos vencer o campeonato se tomarmos decisões inteligentes com ele, e se o operarmos bem ao longo do ano. Mas em relação ao rake, não há nada que possamos fazer agora. Definitivamente não dá para levantar a traseira do carro em 3cm e fazer isso funcionar, porque isso arruinaria nossa temporada. Simplesmente não seria prático."

Do lado da F1, não há nenhuma sinalização até o momento que algo será feito para ajudar essas duas equipes que perderam mais com as novas regras. A próxima etapa da Fórmula 1 é dia 18 de abril, em Imola, na Itália.