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Há 15 anos, F1 vivia um dos piores capítulos da história com GP de 6 carros

Largada do GP dos Estados Unidos de 2005 - Clive Rose/Getty Images
Largada do GP dos Estados Unidos de 2005 Imagem: Clive Rose/Getty Images

Colunista do UOL

19/06/2020 04h00

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O episódio que, provavelmente, mais manchou a imagem da Fórmula 1 em sua história completa 15 anos neste 19 de junho e ainda traz consequências indiretas à categoria até hoje: o GP dos Estados Unidos de 2005, disputado por apenas seis equipes e vencido por Michael Schumacher, da Ferrari.

O primeiro problema de pneu aconteceu com o brasileiro Ricardo Zonta, que era piloto de treinos livres da Toyota na época. Minutos depois, seu companheiro, Ralf Schumacher, sofreu um forte acidente na última curva do circuito, dentro do oval, em alta velocidade. Como havia sido o mesmo pneu, traseiro esquerdo, que tinha perdido pressão, ficou claro que não tinha acontecido nenhuma falha dos pilotos.

Aquele trecho da pista tinha sido reasfaltado, com cortes que visavam ajudar os carros nas 500 Milhas de Indianápolis, e isso causava um subproduto negativo para os pneus da F1, já que o circuito usado pela categoria utilizava duas curvas do traçado oval, mas na direção contrária. Então os pneus da Michelin, uma das duas fornecedoras da época, estavam sendo danificados por esses sulcos, causando as perdas de pressão e os acidentes.

Ralf Schumacher acidente 2005 - Arquivo - Arquivo
Ralf Schumacher checa estado do pneu de sua Toyota após acidente em Indianápolis
Imagem: Arquivo

Um detalhe importante da época é que o mesmo jogo de pneu tinha de ser usado na classificação e durante a corrida, e não havia troca de pneus, apenas reabastecimento. No sábado de manhã, antes da definição do grid, a Michelin comunicou à FIA que não poderia garantir que seus pneus aguentariam.

Por que não houve uma decisão?

A partir daí, uma série de planos de contenção foi estudada, incluindo criar uma chicane no meio do oval para diminuir a velocidade dos carros (proposta que não foi aceita pela Ferrari), ou até mesmo restringir a velocidade dos carros (ou seja, os próprios pilotos tirariam o pé para evitar problemas nos pneus). A classificação correu normalmente, e Jarno Trulli, da Toyota, fez a pole, com Kimi Raikkonen, da McLaren, em segundo, e Jenson Button, da BAR, em terceiro. Os primeiros carros da Bridgestone, cujos pneus não estavam sofrendo o mesmo problema dos Michelin, eram as Ferrari de Michael Schumacher, quinto, e Rubens Barrichello, sétimo. A Scuderia era a única equipe grande que trabalhava com a Bridgestone, que também tinha como clientes a Jordan e a Minardi.

Uma série de fatores levou a F1 a não conseguir firmar um acordo, mas a intransigência da FIA foi marcante no episódio. As equipes chegaram a propor correr sem a distribuição de pontos e de dinheiro, somente para salvar o evento em si, mas receberam um sonoro não de Max Mosley, à época presidente da FIA, e que sequer viajou aos EUA mesmo no meio da crise. "A questão é que, se você é a federação, precisa seguir as regras e não pode tomar decisões que podem colocar a organização em risco. Se mudamos a pista e alguma coisa acontece, as autoridades americanas viriam em cima de mim. Mas é uma pena", justificou o dirigente na semana seguinte ao ocorrido.

Corrida manchou imagem da F1 nos EUA

As equipes que usavam Michelin esperaram até 20 minutos para a volta de apresentação para saírem dos boxes. Aguardavam uma decisão da FIA, que não veio. Eles, então, fizeram a volta de apresentação e recolheram seus carros para os boxes, deixando apenas os seis carros com Bridgestone no grid.

Schumacher tomou a liderança na largada, no que tinha tudo para ser um passeio da Ferrari. Mas Barrichello fez seu pitstop antes do companheiro e, quando o alemão parou, os dois quase se tocaram na primeira curva, com o brasileiro tendo de ir para a grama para evitar o contato. Mas, no final, deu a lógica, com Schumacher primeiro, Barrichello segundo, e o português Tiago Monteiro em terceiro com a Jordan, em seu único pódio e uma das duas oportunidades em que pontuou na F1.

Questionado sobre a situação após a vitória, Schumacher relembrou que, quando um fiscal de pista morreu em Monza, em 2000, os pilotos entraram em acordo, no ano seguinte, para fazer as duas primeiras chicanes em bandeira amarela, diminuindo a velocidade para homenageá-lo. "Alguns chefes de equipe não concordaram e instruíram seus pilotos a desrespeitar isso, e os forçaram a correr normalmente. São os mesmos que estão do outro lado hoje. Este é um ambiente duro, trabalhamos muito duro. Temos um pneu mais rápido mas resolvemos não trazê-lo para cá porque sabíamos dos riscos. Não estou falando que os outros escolheram o composto deles de propósito mas, seja como for, o problema é deles, e não nosso."

Muitos fãs sequer viram a cerimônia do pódio, abandonando o circuito no meio da corrida. Houve até um Safety Car causado por latas que os torcedores jogaram na pista em protesto. Tudo isso aconteceu diante de 130.000 torcedores, que tinham lotado as arquibancadas.

Como era de se esperar, o contrato da F1 com Indianápolis, que ia até 2007, não foi renovado, e a categoria jogou fora a chance de, correndo no templo do automobilismo norte-americano, conquistar um um mercado estratégico. A categoria só voltaria ao país em 2012, no Circuito das Américas, em Austin, pista que sedia o GP dos EUA até hoje.

O fim da 'guerra dos pneus'

Pneu Ferrari GP dos EUA 2005 - Mark Thompson/Getty Images - Mark Thompson/Getty Images
Ao lado de Schumacher, mecânico da Ferrari carrega pneus durante o GP dos Estados Unidos de 2005
Imagem: Mark Thompson/Getty Images

A receita de sucesso de ter mais de uma fornecedora de pneus, o que ajudava na competitividade, também foi prejudicada pelo episódio. A Michelin se ofereceu para ressarcir os ingressos dos presentes e a dar 20 mil entradas para a corrida de 2006. Houve ainda uma longa disputa em tribunais esportivos até que times e Michelin acabaram não sendo punidos. Mas, meses depois, Mosley anunciou que a F1 teria apenas um fornecedor de pneus a partir de 2008, praticamente expulsando os franceses, que logo depois anunciaram que 2006 seria sua última temporada.

"Essa decisão é o resultado de diferenças profundas entre a filosofia esportiva da Michelin e a maneira como a F1 é administrada pela federação. Essas diferenças não geram um ambiente claro e sustentável para justificar investimentos a longo prazo", disse o diretor-executivo Édouard Michelin na época. De 2007 para cá, a F1 nunca mais teve mais de um fornecedor de pneus.