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Paulo Anshowinhas

REPORTAGEM

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Efeito Fadinha altera o perfil de skatistas em pistas particulares

Skatista Old school Marcio Tanabe em Smith Grind - Djoh Yoshida
Skatista Old school Marcio Tanabe em Smith Grind Imagem: Djoh Yoshida

Colunista do UOL

07/11/2021 04h00

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O fenômeno Rayssa Leal, continua a impactar positivamente o mercado do skate mundial. No Brasil, as principais pistas particulares sentem esse efeito diretamente no bolso, com uma alteração no perfil do consumidor.

O UOL Esporte entrevistou o skatista old school Márcio Tadeu Tanabe, de 58 anos, sendo 44 de skate e 18 como dono de pistas.

Márcio tem uma trajetória no skate desde o final dos anos 70, tendo andado em pistas como Alphaville, Campo Grande (RJ), Wave Park, Franete, Wave Cat, Prestige, Guaratinguetá, Búzios (RJ), Rio Sul (RJ), Marinha do Brasil (Rio Grande do Sul) como integrante da extinta equipe Lightining Bolt. Posteriormente, montou sua própria marca de calçados para skate, a Mad Rats.

Formado em marketing pela Anhembi Morumbi e atualmente cursando educação física, Márcio é proprietário da rede Skate City de pistas de skate com uma unidade no Bom Retiro e outra na Mooca, sendo um dos empreendedores que está há mais tempo nesse mercado no Brasil.

Em um clima descontraído, Márcio faz uma análise crítica e aprofundada sobre a diferença entre pistas públicas e privadas, o atual momento que o skate nacional está passando e a alteração do perfil e da classe social que o "Efeito Fadinha" tem proporcionado nas pistas de skate.

UOL Esporte - Qual a principal diferença entre pistas de skate públicas e privadas, além da questão da gratuidade?

Márcio Tanabe - As pistas públicas apresentam um ambiente mais hostil. A pista particular tem um dono. Você paga para o dono e anda. Se você não gosta de alguma coisa, vai até o dono e reclama. Já a pista pública tem diversos donos, e dependendo do horário é um grupo de donos diferentes. De manhã tem os velhinhos que se acham radicais e são os donos do horário. À tarde, a criançada invade e se acha dona. Depois os mais velhos invadem e também se acham dono. Tudo que se espera é que a população se aproprie do espaço público. No entanto, o brasileiro me parece carente de direitos e quando tem um direito, usurpa o direito dos outros. Ele não consegue entender que precisa compartilhar, e se sente dono de uma área pública.

UOL - O que faz uma pista ser considerada boa ou ruim?

Márcio Tanabe - O conceito do projeto e a execução do projeto. Pensar pra quem é feita a pista. Tanto os políticos quanto empresários que querem investir em skate, a primeira coisa que eles pensam é: vou chamar um skatista profissional e pedir para esse skatista profissional desenhar uma pista para mim. É o primeiro grande erro, pois o skatista profissional desenha uma pista para ele, não para os outros. E quantos skatistas profissionais nós temos no Brasil?

UOL - De acordo com a CBSK, são cadastrados cerca de 784 skatistas profissionais, isso altera alguma coisa?

Márcio Tanabe - Eu diria que tem 10 profissionais e 774 desempregados, você quer dizer. Porque profissionais são aqueles que recebem salário. E isso não sustenta nem uma pista pública, nem particular. Politico que fizer uma pista pública para atingir 780 skatistas no Brasil inteiro, esse cara vai estar dando tiro no pé. Eu vejo muitos investimentos inviáveis para o novo entrante. Porque o que alimenta o mercado é o novo entrante.

UOL Esporte - Então não existe um público fiel?

Márcio Tanabe - Existe uma onda de oscilação. O consumo se concentra no público jovem, adolescente, mas a pessoa não continua adolescente para sempre. E quando passa para adulto, ele tem outras prioridades, família, faculdade, namorada, filhos, acidentes, dores, trabalho, é um momento que perdemos público. Meu pai trabalhava com produtos para recém-nascidos por décadas, o cliente dele só durava três meses e, mesmo assim, ele sempre ganhou mais dinheiro do que eu por décadas. O que nós do skate precisamos estar atentos é a reciclagem do nosso público. O cara que foi cliente do meu pai ontem, hoje pode ser nosso cliente. Talvez ele pare e volte na adolescência e volte depois de adulto, com família e bem-sucedido. Precisamos estar atentos no momento que ele quer ser um novo entrante.

UOL Esporte - E qual o perfil desse novo entrante?

Ele não é um cara que quer ser campeão de skate. Não é um cara que dá McTwist ou flip pra fora do coping [manobras de skate], ele quer sentir o vento na cara, brincar com o filho, chegar em casa sem dor, quer trabalhar no dia seguinte. Quando a gente projeta uma pista, precisa pensar nisso tudo. Se pensamos em uma pista para retorno financeiro, precisamos pensar no novo entrante e aí é preciso desenhar algo mais palatável, onde pai e filho brincam sem se quebrar.

UOL Esporte - Qual a melhor pista de São Paulo na sua opinião?

Marcio Tanabe - A pista da Chácara do Jóquei (pista pública) é a melhor de todas, eu a considero a Wave Park do Século XXI.

UOL Esporte - Entre a pista Duó (Rio de Janeiro), a do Jóquei (SP), e a de Ribeirão Preto tem muitas diferenças?

Marcio Tanabe - Me disseram que a de Ribeirão Preto é muito difícil de andar, mas isso é comentário de leigo, precisava ir lá para conferir. A Duó é um Super Park, e a do Jóquei é bowl (mais alto), têm formatos diferentes.

UOL Esporte - E quais as melhores pistas do mundo?

Marcio Tanabe - Eu tenho uma fantasia pela Combi Pool (particular, da Vans), em Huntington Beach, assim como a outra pista deles, que é a céu aberto mas também é muito boa, e acho que não posso desconsiderar a de Venice Beach, que apesar do bowl ser torto, a pista é num ponto turístico, o que torna o lugar muito agradável e tem um snake que a galera pode se divertir, além de uma área de street. Estou em dúvida entre Combi Pool e Venice Beach. Conheço mais as pistas da Califórnia.

UOL Esporte - Apesar de você citar as melhores pistas do mundo que são feitas de concreto, as suas duas propriedades são de madeira, por quê?

Marcio Tanabe - Eu tenho um bowl de concreto que, na minha opinião, só perde para o Jockey pela limitação de área. O Jockey e o nosso Bowl do Bom Retiro são muito bem exercitados (o nosso foi feito pela PUG e desenho a 4 mais, eu e o arquiteto deles), mas o Jockey tem mais área e soube aproveitar.

Minhas pistas da Mooca são de madeira porque visam atender a demanda de novos entrantes ou voltantes, que são os adultos estabilizados em suas carreiras e vida pessoal que decidem realimentar o sonho do skate.

UOL Esporte - Qual a importância das pistas particulares em relação às públicas.

Marcio Tanabe - A comparação que eu fiz entre ambiente familiar e ambiente hostil, eu penso que os skateparks particulares tem um papel muito importante da família dos entrantes, porque o efeito Fadinha, trouxe um novo entrante de uma classe econômica mais elevada. O skate é muito democrático, mas assim como a estratificação social, a maioria do público, grosso modo, tinha uma concentração maior da baixa renda. Pois o skate serve como transporte, tem a coisa da rebeldia, do jovem de periferia. Mas o efeito Fadinha está trazendo o novo entrante de famílias mais abastadas. E esses grupos para se manterem no skate querem conforto: o garoto estar em um ambiente seguro e confiável, papai e mamãe querem esta bem sentados, ter wi-fi, abrir o notebook para responder e-mails da semana, tomar uma cervejinha, e não ter de explicar para os filhos, porque o cigarro que esses outros meninos fumam (de pistas públicas) têm um cheiro tão forte (risos). Porque nem toda a família tem esse dialogo aberto para explicar com o filho, para explicar sobre esses "cigarros artesanais" e variações de recheio que esses cigarros levam. E as famílias têm dificuldade de conviver nesses ambientes públicos, mas se sentem bem em ambientes familiares e controlados.

UOL Esporte - Todas as pistas particulares seguem esse "ambiente familiar"?

Marcio Tanabe - A maioria das pistas como a Rajas, Manifesto, R2, Base and Box, por exemplo, sim, menos as que focam em baladas, festas, cerveja. Eu acho um papel muito importante acolher bem essas novas famílias mais abastadas, pois são elas que geram consumo e esse consumo é que faz a gente viver de skate —tanto o skatista profissional, o fabricante de shapes, de roupas, de rodinhas— e poder oferecer um ticket médio de consumo maior na nossa área para continuar existindo.