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Muito além da Globo e de Bolsonaro

Guilherme Bellintani, presidente do Bahia - Felipe Oliveira / EC Bahia
Guilherme Bellintani, presidente do Bahia Imagem: Felipe Oliveira / EC Bahia
Rodrigo Viana

28/07/2020 04h48Atualizada em 28/07/2020 11h45

Duas cadeiras do novo plenário da Apfut (Autoridade Pública de Governança do Futebol) merecem um olhar mais atento: a do presidente do Bahia, Guilherme Bellintani, e Marcelo Paz do Fortaleza. Os dois têm se destacado recentemente nos debates políticos do esporte, em especial a polêmica Medida Provisória 984 editada pelo presidente Jair Bolsonaro sobre os direitos de transmissão. É preciso dizer ainda que a vaga de Bellintani pertencia ao ex-presidente do Flamengo, Eduardo Bandeira de Mello, o que dimensiona ainda mais o tamanho da escolha e parece deslocar, ao menos um pouco, o foco das decisões do futebol do eixo Rio-São Paulo.

Também parece míope a leitura de que o presidente do Bahia teria entrado para o governo Bolsonaro. Apesar do órgão ser vinculado ao ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, um dos principais articuladores do governo, Bellintani foi indicado pelos clubes e vê seu nome como suprapartidário: "Eu sempre fui um cara da convergência, sem abrir mão de princípios", disse-me ele no início do mês, em entrevista aos Os Canalhas, aqui no Uol.

Ainda nessa mesma entrevista, perguntei-lhe se não estava sendo usado pelo Flamengo e por Bolsonaro, na queda de braço com a Rede Globo: "E porque o Bahia não pode estar usando o Flamengo, você já pensou nisso?", rebateu de primeira.

O pensamento rápido, as respostas articuladas e sobretudo as ações que tem feito à frente do Bahia em questões mais humanas como racismo, direitos LGBTQ+, demarcação de terras indígenas, tratamento das torcedoras nos estádios de futebol, entre outras, parecem contornar a narrativa progressista de Bellintani. Recentemente arrecadou recursos para o SUS.

Mas ele vai além: há uma semana lançou o Sócio Digital, um aplicativo bancado pelos torcedores - uma espécie de mistura entre Big Brother e Netflix. "Entre 2021 e 2022, a gente terá no 'Sócio Digital' uma receita equivalente à do pay per view da Globo', aposta, outra vez, um ousado Bellintani, que pretende transmitir os jogos do Bahia por esse aplicativo.

'Mas você não tem algum receio dessa relação com a Globo ficar ruim demais - pergunto, querendo extrair uma fraqueza do presidente: "Não dá pra piorar a relação. É péssima!", responde, com serenidade. E, ao mesmo tempo que bate, assopra: "A Globo é um player importantíssimo do futebol brasileiro. Sem ela, o futebol brasileiro não seria o que é hoje e também não teria os defeitos que tem hoje".

Sobre a arte de engolir sapos

Não à toa, como vê-se, o presidente do Bahia virou um 'ídolo' e até cobiçado por torcidas rivais, conforme reportagem recente do Uol. Quando eu e João o entrevistamos, a fala que mais me chamou a atenção, sem dúvida foi: "O ato de engolir sapo compõe o ato da convergência e da unidade. Você não tem só que engolir o sapo, você tem que degustar o sapo, tem que achar o sapo gostoso e ainda falar: não tem mais um aí pra mim?" (risos)

É possível que Bellintani tenha trazido este manejo político do berço, afinal nasceu na classe média baiana, filho de um professor de história e de uma funcionária pública. "A esquerda brasileira tem que entender que tem pessoas com pensamento de direita e convervador que merecem serem ouvidas e isso compõe a lógica democrática do país", enfatiza.

Mesmo assumindo-se com um viés político de 'esquerda' ocupou três Secretarias em Salvador: Cultura, Educação e Desenvolvimento Urbano. Todas a convite pessoal do prefeito ACM Neto (DEM), da família mais icônica do coronelismo baiano.

Dentro dessa dualidade, foi namorado fortemente pelo PT baiano pra concorrer às eleições municipais deste ano, mas teria declinado: "Esse ano não posso mais me candidatar pelo prazo. Mas penso nisso e tenho vontade. Gosto da gestão pública", afirmou, deixando a pista aberta.

Por fim, parece certo que ao assumir uma cadeira no comitê - ao lado dos técnicos Dorival Júnior e Vagner Mancini e dos ex-jogadores Deco e Ricardo Rocha, além de Marcelo Paz, do Fortaleza, Bellintani vai sim fiscalizar e regular o Profut e colaborar com a aproximação de Bolsonaro com os clubes e a CBF. Também parece fazer lógica o movimento do Governo, de também levar à Apfut o CEO do Red Bull Bragantino, Thiago Scuro, único time da Série A que não tem acordo de transmissão com a Globo.

Mas daí a imaginar que Guilherme Bellintani, 42 anos, casado, pai de 4 filhos, empresário, bem sucedido, mestre em Educação e Doutor em Desenvolvimento Urbano vai parar por aí, é pura ilusão. Todas as perguntas que fiz tiveram respostas objetivas, menos uma. Quando o questionei se já havia pensado na presidência da CBF, veio a única resposta lacônica: "Eu nunca sei o que eu quero direito. Eu me interesso por muitas coisas (...) Se vai acontecer alguma coisa, pode acontecer, mas a minha vida é menos planejada do que as pessoas acham".

Eu não acho.