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OPINIÃO

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Regular apostas esportivas vai muito além de manipulação e impostos

Bia Zaneratto, do Palmeiras: equipe feminina tem patrocínio master do site de apostas Betfair - Fábio Menotti/Palmeiras
Bia Zaneratto, do Palmeiras: equipe feminina tem patrocínio master do site de apostas Betfair Imagem: Fábio Menotti/Palmeiras

20/03/2023 13h00

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O governo federal deve divulgar no máximo em um mês, ou até antes, o conjunto de medidas para regulamentar as apostas esportivas no país. Desde que o assunto começou a ser discutido a sério na imprensa e pela opinião pública, dois pontos têm norteado as conversas: a necessidade de combater a manipulação de resultados e o quanto de dinheiro que o governo pode arrecadar. Mas o debate é muito mais complexo, porque envolve custos sociais — comportamentos patológicos e violentos que derivam do vício em apostas, por exemplo.

Um estudo do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado, publicado na semana passada, joga luz sobre isso. O documento cita um levantamento do estado de Victoria, na Austrália, que verificou que, nos anos de 2014 e 2015, foi arrecadado 1,6 bilhão de dólares australianos em impostos. Mas os custos sociais das apostas foram calculados em quase 7 bilhões. Mais do que o quádruplo.

Quem já esteve na Inglaterra sabe como é grave o problema das apostas esportivas por lá. Por todos os cantos existem casas físicas de apostas, tão comuns quanto lojas de conveniência, onde pessoas, em sua maioria homens, passam o dia assistindo a eventos na TV e apostando sem parar.

No Japão, foi impressionante a experiência de entrar em uma casa de apostas durante os Jogos Olímpicos de Tóquio. Os apostadores ficavam em poltronas extremamente confortáveis, projetadas para a máxima atenção na tela enorme, individual, que mostrava corridas de cavalo. Visivelmente era possível permanecer um dia inteiro ali, apostando.

Com exceção de um pequeno grupo de apostadores que aperfeiçoou táticas para sair no lucro, a enorme maioria apenas perde dinheiro. Com a regulamentação, parte do prejuízo do apostador/cidadão e lucro da banca voltará para o governo em forma de imposto. Mas será que a conta compensa?

O estudo do Senado cita que diversas pesquisas acadêmicas apontam que, no caso dos cassinos, o impacto na receita governamental é de curto prazo e fica restrito aos setores de entretenimento e hospitalidade. O que não acontece quando as apostas são online: afinal, o apostador não sai da frente do computador e não há ganho movimento algum na economia - a relação é direta com o site.

A conclusão de uma das pesquisas citadas é de que "os impactos econômicos são negativos, com redução de arrecadação de impostos por parte dos governos locais (efeito substituição), uso do cartão de crédito para apostas e problemas sociais, como comportamentos patológicos e desintegração de famílias"

Vamos pensar no seguinte exemplo: um trabalhador, depois de pagar todas as suas despesas, tem uma sobra de R$ 200 na conta. Uma verba extra que ele pode gastar com lazer - ir a um show ou a um jogo de futebol, levar a família para jantar ou guardar para uma viagem no fim do ano. Qualquer uma dessas opções vai fazer a roda da economia girar: com o ingresso, com a alimentação, com o transporte.

Mas quando esse dinheiro vai para um site de apostas, o benefício é único e exclusivo do dono do site, uma corporação internacional que, quase sempre, tem sede em um paraíso fiscal. É o "efeito substituição", citado acima. O imposto arrecadado a partir das apostas é o imposto que deixa de ser arrecadado em outro setor.

Outros dois pontos do estudo do Senado: "não se sabe ainda o efeito da difusão do mercado de apostas esportivas sobre o orçamento familiar, a capacidade de poupar e o endividamento, em especial, em famílias de baixa renda". E: "é preciso considerar o efeito substituição entre modalidades de apostas, com as apostas esportivas online tendendo a absorver antigos apostadores e a atrair novos."

O estudo cita custos associados em saúde (novos leitos e profissionais de saúde física e mental, em razão do aumento de casos de vício), em previdência (aumento de licenças saúde e aposentadoria por invalidez dos possíveis dependentes) e administrativos (toda regulamentação exige pessoal para fiscalizar). Isso sem contar os custos de campanhas educativas.

Outro dado interessante: na Alemanha, a substituição de 10% de jogos off-line (como as loterias tradicionais) por jogos online aumenta de 8,8% a 12,6% a possibilidade de alguém desenvolver comportamento de jogo problemático. O apostador da Mega, ou do jogo do bicho (que, ressalte-se, é uma contravenção penal), sabe que o sorteio acontece com determinada regularidade e ele só pode apostar de tal a tal horário. No online, existem opções o tempo todo. A opção: "quem vai marcar o próximo ponto" em um jogo de tênis, por exemplo, é um contínuo par ou ímpar.

Só nos últimos 10 dias foram criadas três associações representativas do setor de apostas, que tentam influenciar as discussões no governo e, mais adiante, no Congresso. O lobby já é forte para a regulamentação com o mínimo de contrapartidas.

Exemplo foi uma coluna publicada na semana passada criticando o valor da licença de cada site, que pode chegar a R$ 30 milhões por cinco anos. O argumento é que empresas menores teriam que sair do país e, com isso, tirar seus patrocínios aos clubes de futebol. Mas, diante da penetração desses mesmos clubes junto ao público menor de idade, o país deveria estar discutindo se vale a pena ter publicidade de casas de apostas no peito dos uniformes.

Para terminar, o estudo cita seis questões que, eu acho, deveriam valer como recomendação:

  • proibir bônus de entrada nas plataformas de aposta
  • proibir oferta de crédito e empréstimos (para ninguém ficar endividado por causa de jogo)
  • proibir o uso de cartão de crédito (idem)
  • proibir divulgação de odds durante transmissões esportivas (para reduzir a aposta por impulso)
  • proibir publicidade direcionada as jovens
  • regular o uso de jogadores profissionais, celebridades e influenciadores

Não acredito que dê para voltar atrás da autorização para as apostas esportivas e tenho absoluta certeza de que é preciso regulamentá-las. Mas me parece claro que o olhar do debate público está enviesado para os interesses da economia e dos clubes de futebol. Os esportes olímpicos mal são considerados, até porque vão ficar com fatia muito pequena do bolo, uma vez que têm participação ínfima no mercado de apostas.

Três pitacos sobre o esporte brasileiro

VIDA DURA PARA AS SELEÇÕES DE VÔLEI

A seleção feminina de vôlei estará em Paris. Não há nenhuma dúvida sobre isso. Mas José Roberto Guimarães, com razão, quer que a vaga venha na quadra, e não pelo ranking. A tarefa no Pré-Olímpico será árdua, contudo. O Brasil caiu no grupo com Japão e Turquia, na casa das japonesas, que quase tiraram a seleção brasileira do Mundial. No masculino, são quatro campeões continentais: Brasil, Itália (também campeã mundial), Cuba e Irã. Chave duríssima no Maracanãzinho.

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DOPING REVISTO NA NATAÇÃO

É importante que o Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJD-AD) tenha revisto a falta de punição a Gabriele Roncatto por doping. Não há indícios de que ela tenha visado ganho esportivo, mas é absurdo que uma atleta seja inocentada depois de admitir que consumiu um produto proibido no Brasil alegando que o rótulo não citava a presença da substância proibida. É como fumar maconha e dizer que no cigarro não estava escrito "contém cannabis". Com a suspensão retroativa de seis meses, Gabi perdeu o recorde brasileiro dos 400 m livre, mas não deixa de competir. Vida que segue e exemplo que fica.

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A CULPA É DO ASSEDIADOR

O episódio da expulsão de MC Guimê e Cara de Sapato no BBB deve servir de lição para o esporte olímpico brasileiro. Menos por eles e mais pela reação da mexicana Dania, vítima do assédio, que ficou se sentindo culpada, como se fosse a responsável por fazer "mal" a alguém.

O culpado por um caso de assédio é sempre o assediador ou a assediadora. Como é sempre daquele que comete o assédio a responsabilidade pelas consequências dos seus atos. Para si, para a vítima, para a comunidade envolvida.

Então, se uma técnica ou um técnico (ou qualquer pessoa em posição de poder) assedia atletas, esses devem ter em conta que, caso a pessoa que cometeu o assédio seja punida ou demitida, a culpa é exclusivamente dela, e não de quem fez a denúncia. Se isso causar o fim dos investimentos em uma seleção, com o fim de um patrocínio ou o fim da chance de uma medalha olímpica, a responsabilidade é do profissional assediador e da confederação que não tomou medidas contra o assédio. A culpa nunca será das vítimas que têm coragem de denunciar. Jamais.

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