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Ao recusar seleção de vôlei, Ana Cristina joga uma tonelada sobre as costas

Ana Cristina, de 18 anos, pediu dispensa da seleção que vai ao Mundial, em setembro - Reprodução/Instagram
Ana Cristina, de 18 anos, pediu dispensa da seleção que vai ao Mundial, em setembro Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

08/08/2022 13h00Atualizada em 08/08/2022 17h41

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Ao levar Ana Cristina para os Jogos Olímpicos de Tóquio mesmo ela tendo 17 anos, José Roberto Guimarães, um dos técnicos mais vitoriosos do esporte, disse ao mundo do vôlei: "essa menina é especial". A jogadora, porém, parece ter entendido errado a mensagem. Ao trair o treinador e recusar a seleção que disputará o Mundial em setembro, indicou acreditar que pode escrever uma trajetória vitoriosa sem precisar de ninguém, abandonando pelo caminho quem esteve com ela poucos meses atrás.

O vôlei não é a NBA, em que grandes carreiras são calçadas no que se conquista em um clube. Depois que virou MVP e campeão da NBA, Stephen Curry nunca mais jogou pela seleção dos EUA. Mas ele faz tanto no Golden State Warriors, e tem tanta visibilidade, que jogar ou não jogar pelo Dream Team faz pouca diferença.

Para ficar em um exemplo local: Felipe Ferraz é o maior vencedor do vôlei nacional. Faturou 39 títulos pelo Sada/Cruzeiro em 11 anos como jogador, mas nunca jogou na seleção brasileira, porque nunca foi convocado. É ídolo do clube mais vitorioso do país, porém não entra na prateleira dos maiores jogadores da nossa história porque não fez carreira com a camisa do Brasil.

Voltando a Ana Cristina: ela teria ficado incomodada pela temporada inteira no banco de reservas, tanto do Fenerbahçe quanto da seleção brasileira. Se ela fosse só uma jogadora de 18 anos, na segunda temporada profissional, apenas a oportunidade de estar no clube mais poderoso do mundo e vestindo a camisa do Brasil já seria suficiente para este estágio da vida. Mas Ana Cristina tem uma Olimpíada no currículo — é "especial".

Sem Tandara (suspensa por doping), Natália (aposentada da seleção) e Fê Garay (em ano sabático), o natural seria Zé Roberto apostar nas outras duas ponteiras olímpicas neste início de ciclo: Gabi e Ana Cristina. Mas ele deu nova oportunidade a Pri Daroit, bem mais experiente, de 33 anos, e foi conquistado pelo talento de Julia Bergmann, de 21, então pouco conhecida no Brasil por jogar na liga universitária dos EUA.

Ana Cristina não virou titular, jogou pouco na Liga das Nações e parece ter ficado incomodada. Mas a resposta precisava vir na quadra, como veio quando ela fez seis pontos no terceiro set da final da VNL. O Brasil perdeu para a Itália, mas ela mostrou que estava com fome. E o prato de comida estava servido. Como Julia não vai ao Mundial para terminar a faculdade, Ana teria, óbvio, mais tempo de quadra. E em um Mundial!

Mas ela recusou essa oportunidade, e da pior forma possível. Depois da Liga das Nações, Zé Roberto deu 14 dias de folga para as jogadoras, pedindo que elas treinassem fisicamente no período. Ana recebeu uma programação e só 10 dias depois mandou avisar que não aceitaria a convocação, que seria feita dali a três dias.

Enquanto as seleções jogam, o restante do mundo do vôlei descansa. Assim, nem se quisesse recalcular a rota sem Ana Cristina, Zé Roberto poderia. Todas as outras ponteiras ou estão de férias ou voltando de férias, sem condições físicas e técnicas de jogarem um Mundial no mês que vem. Ana Cristina obviamente sabe disso e poderia ter avisado antes, dado a chance de o Brasil se preparar melhor para um Mundial.

Oficialmente, a dispensa foi pedida para que Ana Cristina "se prepare melhor tecnicamente para futuras competições". O argumento, porém, não para de pé, não faz sentido lógico. Qual melhor forma de evoluir senão jogando contra as melhores do mundo no Mundial, treinando com um treinador que indiscutivelmente sabe lapidar talentos, e convivendo diariamente com Macris, a levantadora do próprio Fenerbahçe?

Algumas jogadoras procuraram Ana Cristina após o pedido de dispensa. Queriam entender se havia acontecido alguma coisa que ela não estava expondo, tentaram convencê-la a reconsiderar. Mas a ponteira nem sequer atendeu as ligações das colegas, pelo que o Olhar Olímpico apurou.

Também foi extremamente fria no trato com a comissão técnica, a ponto de não falar com Zé Roberto quando o empresário dela ligou para o treinador para informar a decisão — segundo o agente, Ana Cristina estava ao lado dele, ouvindo a conversa em um fone de ouvido.

É difícil entender o que Ana Cristina quer com isso. Se é só o que disseram por ela — evoluir treinando ou por conta ou no Fenerbahçe —, a missão será duríssima. Porque, para justificar essa postura com a seleção, com Zé e com as companheiras, ela precisa estourar no Fener. Ser campeã, MVP, virar ídola do esporte. Aos 18 anos, é uma responsabilidade que ela não precisava ter. Agora, parece ser o único caminho para o caso de um dia ela querer voltar à seleção.

Bichara vira consultor do Flamengo, e continuará observando estrelas de perto

Golaço do Flamengo ao contratar Jorge Bichara para ser consultor do clube para esportes olímpicos. Com isso, o ex-diretor de Esportes do Comitê Olímpico do Brasil (COB) vai continuar trabalhando próximo a três de seus pupilos: Isaquias Queiroz, Rebeca Andrade e Flávia Saraiva. Ele continua como diretor-técnico da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt), cargo que assumiu pouco depois de ser demitido pelo COB.

Com Bichara, Flamengo ganha ainda mais credibilidade para seu projeto de esportes olímpicos e aumenta as chances de conquistar medalhas em Mundiais e Olimpíadas, já que o profissional conhece muito bem a rotina, os treinamentos e as necessidades desses atletas de ponta do clube.

Poucos resultados satisfatórios de brasileiros em Mundiais de base

A semana teve algumas competições importantes na base, mas poucos resultados satisfatórios. No Mundial sub-20 de atletismo, em Cáli (Colômbia), a campanha brasileira teve apenas um resultado entre os oito primeiros, o de Gabriel Boza, bronze no salto em distância. Ótimo que o desempenho dele tenha sido de finalista de Mundial adulto, o que mostra que podemos sonhar com um atleta de ponta para Paris-2024. Mas é péssimo que o país tenha tão poucas opções para apostar.

No taekwondo foram dois Mundiais em sequência, cadete e juvenil. E o Brasil conquistou uma medalha só, com Bryan Erkmann, que foi bronze na categoria +78kg. De 34 brasileiros, só três chegaram à disputa pela medalha.

Na vela, Tiago Quevedo e Breno Kneipp ficaram no quarto lugar no Mundial júnior da classe 49er, disputado na Itália. Eles chegaram a entrar no último dia de regatas em terceiro, mas perderam uma posição.

E, no handebol, a seleção feminina ficou em 15º no Mundial sub-18. Ainda pior que a classificação, mais baixa da história, é o fato de o Brasil ter perdido de Portugal, que tem muito menos tradição. O país já havia ficado em um ruim 22º lugar no Mundial sub-20.

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Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que foi informado no texto, Pri Daroit tem 33 anos, e não 29. O erro foi corrigido.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL