Topo

Olhar Olímpico

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Por que Fair Play financeiro barrou campeão do vôlei e não vinga no futebol

Vôlei Taubaté foi campeão da Superliga em 2019 e 2021 - Divulgação/Vôlei Taubaté
Vôlei Taubaté foi campeão da Superliga em 2019 e 2021 Imagem: Divulgação/Vôlei Taubaté

05/08/2022 04h00

Campeão da Superliga Masculina em duas das últimas três temporadas completas do torneio, o antigo time de Taubaté estreou, nesta semana, a regra do fair play financeiro do vôlei brasileiro. Como não quitou os salários da temporada passada, a equipe que já foi a mais rica do país perdeu o direito de continuar jogando na elite nacional. Se pagar o que deve, pode voltar na terceira divisão.

A punição é inédita não só no vôlei, mas no esporte brasileiro profissional como um todo. No futebol, inexiste qualquer previsão de punição esportiva para os clubes que gastam mais do que têm de receita e deixam de pagar jogadores, membros da comissão técnica e outros profissionais.

"Quando você tem essas garantias, você fomenta o esporte", defende Flávio Ordoque, diretor jurídico da Biolchi Empresarial. "O cara que jogar tem a garantia de que o salário tem que estar em dia e não pode atrasar. Quanto a isso me parece uma medida muito acertada porque cuida do que tem de mais importante, que é atleta, que tem que estar com salário", ele avalia.

No vôlei, a regra implementada pela Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) existe desde a temporada 2016/2017 e diz que, entre a documentação necessária para um time se inscrever na Superliga, está uma 'Declaração de Regularidade Financeira", que atesta, seja pela assinatura de atletas e membros da comissão técnica, ou por comprovantes, que o clube pagou todas as suas obrigações com eles na temporada anterior.

No caso da equipe agora punida, as dívidas vêm há duas temporadas, desde que o clube era ligado à prefeitura de Taubaté. Lucarelli, entre outros, foi embora em 2020 sem receber tudo que foi combinado — no vôlei, os pagamentos são por temporada de nove meses, e não salários em 12. Mesmo assim, o Taubaté contratou para a temporada 2020/2021 grandes nomes como Bruninho, que levou o time ao título e, quando saiu, também não teria recebido o valor total combinado.

Naquele momento, há um ano, o clube já estava quebrado. Taubaté retirou o apoio, que tinha forte viés político, e a Funvic, uma fundação universitária que patrocinava o time, assumiu o comando do clube e o levou para Natal (RN). Alegando que não recebeu os apoios prometidos, novamente deixou atletas e comissão técnica sem receber — a coluna já contou o caso do técnico Javier Weber, que briga na Justiça para receber.

Se das outras vezes o clube conseguiu convencer os jogadores de que pagaria as dívidas em parcelas e obteve as assinaturas, desta vez não teve jeito. Sem a carta dos jogadores, a Funvic não teve sua inscrição na próxima Superliga aceita pela CBV, que criou uma comissão independente de advogados para avaliar os pedidos de inscrição.

No futebol brasileiro, caso semelhante não geraria — como não gera — nenhum grande incômodo aos clubes do ponto de vista do esporte. Punições, só nos âmbitos trabalhista e tributário.

No primeiro caso, via Lei Pelé, que assegura ao atleta o direito de se desligar da equipe caso fique três meses sem receber salários, o que é um estímulo para que as agremiações não atrasem os honorários por tanto tempo. Mas a enorme maior dos clubes que liberam atletas em meio ao contrato não pagam o valor devido e esperam o assunto ser discutido na Justiça, anos depois.

O outro mecanismo que regula parcialmente as dívidas dos clubes é tributário. "O Profut que limita os gastos a um percentual do orçamento. Ele diz que o clube não pode gastar mais do que 10% do que arrecadou no ano. Isso tem sido cumprido, porque os clubes não querem correr o risco de serem excluídos do Profut", explica Ordoque. Foi o caso do Cruzeiro, que, excluído do Profut, passou a ficar sujeito a execuções fiscais de dívidas de R$ 303 milhões com a procuradoria-geral da Fazenda. Pelo Profut, parte dessa dívida seria perdoada e, outra parte, alongada.

O esporte, em si, não impede um clube devedor de continuar jogando. "Os clubes não querem. Pelo tamanho crescente da dívidas dos clubes, não tem como fazer isso", analisa Ordoque.

Mostrando força nos bastidores do Congresso, os clubes recentemente conseguiram incluir na Lei Geral do Esporte, pelo contrário, uma regra que reduz a dívida com um jogador dispensado a apenas um ano, e não mais o restante da duração do contrato, e apenas à diferença entre o que o clube pagava e o atleta recebe em um novo clube — se no primeiro clube ele ganhava R$ 10 mil ao mês, foi dispensado, e assinou novo contrato com salário de R$ 8 mil, então a dívida do primeiro seria de R$ 2 mil/mês.

Os atletas são contra essa regra, que agora vai ser discutida no Senado, e realizaram protestos em várias rodadas das quatro divisões do Campeonato Brasileiro e em torneios menores, como divisões de acesso de campeonatos estaduais.