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Olhar Olímpico

REPORTAGEM

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Paes vê legado olímpico tomar forma enquanto estuda privatizar arenas

Parque Olímpico do Rio de Janeiro foi construído para as Olimpíadas de 2016 - REUTERS/Ricardo Moraes
Parque Olímpico do Rio de Janeiro foi construído para as Olimpíadas de 2016 Imagem: REUTERS/Ricardo Moraes

28/07/2022 04h00

De um lado do Parque Olímpico da Barra, milhares de pessoas trabalham para colocar de pé o Rock in Rio. Do outro, centenas atuam na desmontagem de um evento que acabou há quase seis anos. Construídas como estruturas provisórias, a Arena do Futuro, do handebol, e o Estádio Aquático, da natação, viraram esqueletos que, nos últimos anos, simbolizaram o que deu errado no tão aguardado legado olímpico.

Atual prefeito e também quando foram contratadas as obras dessas duas arenas, em 2013, Eduardo Paes acredita que até a virada do ano as estruturas, que só foram ginásio por menos de seis meses, não estarão mais no horizonte do Parque Olímpico. E culpa seu sucessor, Marcelo Crivella, pelo atraso.

"O problema é que um incompetente ganhou a eleição e a Olimpíada, na prática, terminou no último mês do meu mandato", disse Paes, em entrevista exclusiva à coluna.

"As arenas que não eram de desmontar, eu entreguei para o governo federal. As que eram, eu deixei um convênio assinado, com dinheiro federal, para pagar a obra de desmontagem e construção das escolas. Ele [Crivella] perdeu o dinheiro, tanto que agora estou fazendo com dinheiro da prefeitura", afirmou.

As obras têm valor expressivo. Só a desmontagem das duas arenas está custando R$ 21 milhões. Os operários separam o material que não pode ser utilizado novamente e que será vendido pela prefeitura como sucata, e o que vai ser reencaixado para dar lugar a quatro escolas, que serão erguidas ao custo de R$ 36 milhões.

A responsabilidade foi jogada para lá e para cá ao longo dos anos. O convênio Rio/União de 2013, voltado à construção das arenas, incluía a desmontagem na conta. Em aditivos posteriores, a etapa foi retirada do projeto sob a justificativa de que não havia empresas interessadas na desmontagem pelo valor estipulado.

Ao fim da Olimpíada e do segundo mandato de Paes, a prefeitura tentou conceder o Parque Olímpico via PPP (Parceria Público Privada), mas ninguém fez proposta. A solução foi repassar as estruturas permanentes ao governo federal, que, no contrato assinado em dezembro de 2016, se comprometeu a repassar os recursos para desmontagem, transporte e montagem das arenas provisórias "mediante apresentação de plano de trabalho pelo município". Mas, no governo Crivella, a apresentação desse plano nunca aconteceu.

"Graças a Deus, eu tive a luz de passar para o governo federal aquelas arenas que eram do município antes de ir embora, senão o Crivella tinha despencado com elas também", avalia Paes. Procurado pela coluna, Crivella retrucou. "É impressionante que, dois anos depois de reassumir a prefeitura, o Eduardo Paes ainda tente se desviar dos seus problemas e responsabilidades citando a gestão anterior", afirmou, via assessoria — leia a nota do ex-prefeito na íntegra no final do texto.

Nas mãos do governo federal, as arenas tiveram pouco uso até este ano, quando o Ministério da Cidadania passou a incentivar, com repasse de verbas, a utilização especialmente da Arena Carioca 1. Aconteceram lá o Pan de Ginástica, o Jogo das Estrelas tanto do NBB (basquete masculino), quanto da LBF (basquete feminino) e a Champions League América (Libertadores do basquete), entre outros eventos, todos com público bem aquém do que é o usual. O Centro de Tênis também ficou muito longe de lotar em confronto da Davis contra a Alemanha.

Paes acredita que o problema é a falta de divulgação, não a localização das arenas. "Ali tem muito morador. Mesmo no período fora, eu via as coisas que o governo federal estava fazendo lá e achava: não divulgam o que fazem. Passa batido aqui. Tanto que toda hora os caras estão fazendo show na área pública, e tudo lotado. Acho que não se tem o trabalho de criar a cultura e divulgar adequadamente. Não me parece ser esse [localização] o problema."

No mês passado, o Velódromo, que estava sob administração do governo federal, voltou às mãos da prefeitura, que pretende fazer ali um Museu Olímpico, no mezanino. O local, que só este ano recebeu pela primeira vez um Brasileiro de Ciclismo, terá estruturas de treinamento de diversas modalidades em sua área interna, no meio do circuito oval. Tais equipamentos saem da Arena 3, que vai virar um Ginásio Experimental Olímpico, uma escola de ensino regular com 850 alunos em horário integral.

Por enquanto, as Arenas 1 e 2 e o Centro de Tênis continuam com o governo federal, mas esse modelo pode mudar em breve. "Há um encaminhamento, uma discussão da prefeitura, na Caixa Econômica Federal, para a área privada virar um modelo mais de eventos. Se isso se consolidar, a concessão das Arenas 1 e 2 para o setor privado fica mais provável", admite Paes.

A área privada do parque (o "chão" que não é passeio público) pertence à Rio Mais, que nunca tirou do papel o planejamento de construir prédios ali. O espaço só tem sido alugado para eventos como o Rock In Rio, que tem a maior parte da sua estrutura no terreno da Rio Mais. O que a prefeitura quer é que essa destinação seja duradoura, incluindo no pacote as arenas, que vão passar praticamente o segundo semestre todo alugadas ao Rock In Rio.

Por causa dessa possibilidade, Paes colocou em modo espera a proposta, feita por ele mesmo, de construir uma pista de atletismo na área pública do parque, que poderia servir ao esporte de alto rendimento. "Eu acho que o COB deveria ter uma atuação mais forte nessa direção, mas, infelizmente, não aconteceu ainda", reclama o prefeito, cobrando maior presença do comitê no parque.

Há anos, o COB discute mudar sua sede administrativa para dentro do Parque Aquático Maria Lenk, que ele administra e utiliza como centro de treinamento do "Time Brasil". Um dos entraves é o fato de que a concessão vai só até 2028 e a insegurança sobre a continuidade de contrato é uma das justificativas dadas pelo COB por não ter cumprido a promessa feita pelo presidente Paulo Wanderley ainda em 2017.

Paes diz que se esse é o problema, então está resolvido. "Está renovada a concessão pelo tempo que eles desejarem. A última vez que estive com o presidente do COB, eu disse: fique o tempo que você desejar. Eles têm todas as autorizações da prefeitura para o que desejarem", assegurou o prefeito.

Como as proprietárias do prédio onde o COB tem sua sede pediram o imóvel de volta, o comitê está se mudando para outro edifício comercial, também na Barra, mais perto do Parque Olímpico. O COB já tem cronograma para executar diversas reformas no Maria Lenk, mas que ainda não seriam suficientes para levar toda a estrutura administrativa do comitê para o espaço que, afinal, é um parque aquático.

Confira o comentário da assessoria de imprensa de Marcelo Crivella:

É impressionante que, dois anos depois de reassumir a prefeitura, o Eduardo Paes ainda tente se desviar dos seus problemas e responsabilidades citando a gestão anterior. O fato é que fazer os Jogos Olímpicos custou muito caro ao Rio, foram bilhões em dívidas assumidas. A conta começou a chegar em 2017. Na prática, ficou para o Crivella pagar a conta pela irresponsabilidade do sonho olímpico do Eduardo. Esse verdadeiro pesadelo ganhou contornos políticos, a Caixa Econômica, por exemplo, foi fiadora do município. Em vistorias que fez nos equipamentos foram encontradas centenas de não-conformidades nas obras, o que acabou parando na Justiça. E foi assim com quase tudo que envolveu as Olimpíadas. Basta pegar o prejuízo do VLT, a dívida com a Caixa Econômica para construção do Porto Maravilha e por aí vai. O que o prefeito Eduardo Paes proporcionou ao povo do Rio de Janeiro foi um verdadeiro "largado" olímpico. Essa é a realidade.