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Defesa de Tandara reclama de vazamento seletivo e de divulgação de punição

Tandara foi condenada a quatro anos de suspensão por uso de doping - REUTERS/Carlos Garcia Rawlins
Tandara foi condenada a quatro anos de suspensão por uso de doping Imagem: REUTERS/Carlos Garcia Rawlins

26/05/2022 13h02

Os advogados que representam a jogadora Tandara Caixeta, suspensa por quatro anos pelo Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJD-AD), divulgaram uma nota em que reclamam do que chamam de "vazamento" de informações sobre o processo. A jogadora da seleção brasileira de vôlei foi punida por ter sido flagrada no antidoping pelo uso de ostarina, um modulador específico de receptor androgênico (SARM) cuja comercialização é atualmente proibida no Brasil. A substância é encontrada em produtos voltados a quem quer ganhar explosão muscular sem ganho de peso.

"Totalmente inadmissível que, na véspera de uma audiência, sejam vazadas informações sigilosas, de forma seletiva, ou seja, apenas aquelas prejudiciais ao atleta, de modo a promover um pré-julgamento do caso", escrevem os advogados Marcelo Franklin e Thomas Mattos Paiva. "Aliás, o único sigilo preservado foi o das provas produzidas pela defesa da atleta, sendo quebrado intencionalmente o sigilo das provas da acusação, configurando vazamento seletivo", reclamam.

Os advogados acusam, sem dar nomes, "uma pessoa com acesso ao processo" que, segundo eles, está "agindo deliberadamente com a intenção de prejudicar uma atleta". O texto não cita especificamente o UOL ou esta coluna, mas foi o Olhar Olímpico que, na sexta-feira passada, publicou detalhes do caso. Durante a apuração, este repórter procurou o advogado Marcelo Franklin por meio de uma porta-voz indicada por ele. Assim, foi facultada à defesa o direito de fornecer informações sobre o processo. Da mesma forma, Tandara também foi procurada, por intermédio da empresa de marketing que cuida de sua carreira, que não respondeu às diversas tentativas de contato.

Prova cabal

Os advogados de Tandara criticam a divulgação de informação da tese da defesa no processo. "O ônus da prova do atleta é um balanço de probabilidades, não sendo exigida uma prova cabal, muitas vezes impossível de ser produzida. Por exemplo, a contaminação de um suplemento que já havia sido integralmente consumido quando da notificação do atleta. Portanto, a divulgação da informação de ausência de qualquer prova de contaminação, além de ser maliciosa, é, acima de tudo, de extrema ignorância do ponto de vista técnico".

Na reportagem publicada na semana passada, a coluna contou que, além de não ter uma "prova cabal", Tandara também não conseguia montar um balanço de probabilidades que justificasse sua inocência. Isso inclui o fato de ter testado negativo em Tóquio apesar de seguir consumindo os mesmos suplementos, pelo que relataram fontes, a ostarina ser proibida no Brasil, e as farmácias que estão sendo processadas por ela atuarem em outros ramos.

Os advogados reclamam ainda que é "igualmente inconcebível a divulgação do resultado da audiência poucos minutos após seu término, sem ao menos a necessária ressalva de que a decisão não é definitiva". O UOL não é citado, mas foi esta coluna que publicou, em primeira mão, assim que acabou a audiência, sobre a condenação por quatro anos. O texto continha, desde sua primeira versão, a ressalva de que ela poderia recorrer à Corte Arbitral do Esporte (CAS). Depois, o texto foi atualizado citando a possibilidade de recorrer também a uma segunda instância dentro do TJD-AD.

Confira na íntegra a nota dos advogados:

Vazamento, Ilegal e inadmissível.

O doping é uma matéria bastante complexa, eis que, além de ser muito específica, exige muito estudo e constante atualização de regulamentos e jurisprudência internacional. Um processo de dopagem na maioria das vezes é interdisciplinar (direito, medicina, bioquímica, farmacologia etc.), sendo de extrema responsabilidade por parte de todos os participantes, pois define a carreira e a vida de um atleta.

Justamente por isso, os casos antidopagem correm em segredo de justiça (artigo 268 do CBA; Lei 12.527 de 2011 e Lei 13.709 de 2018), de modo a preservar o direito à intimidade do atleta assegurado pelo artigo 93 da Constituição Federal.

Totalmente inadmissível, que na véspera de uma audiência, sejam vazadas informações sigilosas, de forma seletiva, ou seja, apenas aquelas prejudiciais ao atleta, de modo a promover um pré-julgamento do caso.

Igualmente inconcebível, a divulgação do resultado da audiência, poucos minutos após seu término, sem ao menos a necessária ressalva de que a decisão não é definitiva. Aliás, o único sigilo preservado foi o das provas produzidas pela defesa da atleta, sendo quebrado intencionalmente apenas o sigilo das provas da acusação, configurando vazamento seletivo.

É preocupante que uma pessoa com acesso ao processo, esteja agindo deliberadamente com a intenção de prejudicar um atleta, ao ponto de reiteradamente vazar informações contrárias à tese de defesa.

Neste sentido, assim que tomamos ciência do vazamento, comunicamos à Exma. Sra. Presidente do Tribunal de Justiça Desporitva Antidopagem acerca dos fatos ora narrados, tendo esta, tomado imediatamente as providências cabíveis no âmbito administrativo.

Ademais, comunicaremos ao Ministério Público Federal e a Polícia Federal para que apurem os responsáveis pelo vazamento (que responderão em âmbito cível e criminal), além do oferecimento de uma Noticia Crime.

Poucos sabem, mas em processos de dopagem, o ônus da prova exigido do atleta é um balanço de probabilidades (o que é mais provável de ter ocorrido), não sendo exigida uma prova cabal, muitas vezes impossível de ser produzida (ex. contaminação de um suplemento que já havia sido integralmente consumido quando da notificação do atleta).

Portanto, a divulgação midiática da informação de ausência de qualquer prova de contaminação, além de ser maliciosa, é, acima de tudo, de extrema ignorância do ponto de vista técnico.

De acordo com relatório da Agência Mundial Antidopagem, são feitos cerca de 149 mil testes de doping por ano, sendo que apenas 0,67% apresentam resultado adverso, e menos da metade dos resultados adversos são de doping intencional (intenção de uso de substância proibida para performance ilícita).

Destes 0,67% testes positivos, inúmeros são os casos de contaminação, ao ponto de o Código Mundial Antidopagem prever textualmente essa possibilidade. Portanto, impõe-se cuidado redobrado antes de prejulgar um caso de dopagem em curso.

Confiamos que os responsáveis pelo ilícito vazamento seletivo de informações sigilosas serão identificados e continuaremos a lutar de forma justa e ininterrupta em defesa dos interesses de nossa cliente junto ao Plenário do Tribunal Brasileiro Antidopagem ou, caso necessário, pela Corte Arbitral do Esporte na Suíça.