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Olhar Olímpico

REPORTAGEM

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Cartola do wrestling cobrou 15% de 'pedágio' em contrato público, diz PF

04/04/2022 04h00

Mensagens de email interceptadas pela Polícia Federal mostram o então presidente da Confederação Brasileira de Wrestling (CBW), Pedro Gama Filho, cobrando que uma empresa contratada pela entidade pagasse a ele, por fora, o equivalente a 15% do valor do contrato. A suposta propina foi paga por Maurício Carlos dos Santos, várias vezes citado como diretor de marketing da Confederação Brasileira de Judô (CBJ) na gestão Paulo Wanderley.

Na semana retrasada, o Olhar Olímpico revelou detalhes do relatório da PF, produzido a partir da quebra de sigilo de emails da confederação, realizada no começo do ano passado. As mensagens mostravam Pedro Gama Filho, o Doca, presidente por quatro mandatos até 2017, e Roberto Leitão Filho, superintendente, combinando dividir entre eles o dinheiro do que a PF afirma serem dois contratos falsos de consultoria. A esposa de Doca, Tatiana Fedeli, também administrava a conta corrente de um funcionário da confederação, que a PF diz que era fantasma.

No trecho do relatório que a coluna divulga hoje, Doca cobra de Maurício Carlos o pagamento de 15% de um contrato de R$ 1,078 milhão firmado entre a CBW e uma das empresas dele, a WH Sports, para a realização do Mundial Júnior de Wrestling em Lauro de Freitas, cidade próxima a Salvador. O torneio aconteceu no antigo Centro Pan-Americano de Judô, modalidade sobre a qual Maurício tinha grande influência. O dinheiro saiu de um convênio com o Ministério do Esporte.

Em uma das mensagens obtidas pela PF, Doca escreve para Maurício com o título do email: "acerto entre nós" e explicita que está falando do "nosso acordo". "PG [pagamento] CBW para WH após Salvador: [R$] 1.078.000" - "Nosso [acordo]: Maur[ício] para DK [Doca]: (15 porc [15%]]) = 161.000".

Doca cobra 15% de contrato - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Ali, Doca explica que foram pagos US$ 10 mil (então R$ 37.550) e R$ 10 mil antes do Mundial, acrescentando a sigla LV antes do pagamento em dólar (que a polícia não arrisca dizer o que é), e que o restante seria pago em R$ 85 mil em depósitos com nota fiscal e R$ 28,5 mil em espécie.

Estes depósitos, conforme mostram outros emails, seriam para fornecedores de Tatiana Fedeli que é arquiteta. Nas mensagens, ela pede para o marido o pagamento de R$ 32 mil para uma galeria de arte e R$ 7,4 mil para um marceneiro. Essa mensagem é encaminhada por Doca a Maurício. "Irmão, seguem os dados para depósito", ele escreve. Quando a nota fiscal do serviço de marcenaria é enviada para Tatiana, ela faz chegar até Maurício.

O relatório da PF serviu como base para o Ministério Público Federal (MPF) apresentar uma denúncia à Justiça do Rio de Janeiro contra seis pessoas, entre elas Doca e sua esposa. A denúncia foi aceita no fim do ano passado e agora eles são réus por peculato, lavagem de dinheiro e associação criminosa. Maurício Carlos não foi denunciado.

Doca cobra 15% de contrato - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Em 2018, a CBJ disse, a uma reportagem da Agência Sportlight, que a WH presta serviços de "assessoria de marketing esportivo" para a confederação desde 2002, um ano depois de Paulo Wanderley ser eleito presidente. A CBJ publicou documentos oficiais e em seu site que Maurício era diretor de marketing da entidade, o que a confederação passou a negar depois de a Sportlight mostrar que a empresa dele prestou serviços para a CBJ, o que geraria conflito de interesses.

Outro lado

Procurado pela reportagem quando a mesma revelou o conteúdo do relatório da PF, Doca indicou o advogado José Marcelo Côrtes para comentar em seu nome e de sua esposa e ressaltou que não enriqueceu com o wrestling. "Até a elaboração do relatório final da Polícia Federal, mesmo após diversos requerimentos da defesa, o Sr. Pedro Gama Filho teve negado seu direito constitucional de obter o acesso integral à investigação, tendo sido indiciado indiretamente sem a oportunidade de esclarecer os fatos. Neste momento, a defesa se resguarda a utilizar os melhores argumentos em juízo", disse Côrtes. Procurado novamente pelo mesmo canal de comunicação na quinta-feira passada (31), não respondeu à reportagem.

Maurício Carlos não respondeu à mensagem enviada no endereço de email sugerido pela CBJ para contato. Ele não foi localizado por outros meios. Caso haja resposta após a publicação desta reportagem, ela será atualizada.

Paulo Wanderley disse que Maurício Carlos nunca foi diretor da CBJ em sua gestão como presidente, ainda que a própria confederação tenha informado isso no passado. "Não havia, no Estatuto tampouco no organograma da confederação, a função de diretor. [Maurício Carlos] Santos exerceu, sim, atividades como prestador de serviços da entidade na área de marketing e captação de patrocínios, porém sem nunca ter integrado seu quadro de funcionários. Eventuais comunicações da confederação nas quais ele apareceu como ocupante do cargo diretivo advieram de equívocos informativos, feitos inadvertidamente no passado, e que não deveriam ter acontecido."