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Olhar Olímpico

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Governo não vai pagar Bolsa Atleta a medalhistas dos Jogos Escolares

Jair Bolsonaro com atletas que participaram dos JEB"s - Isac Nóbrega/PR
Jair Bolsonaro com atletas que participaram dos JEB's Imagem: Isac Nóbrega/PR

02/02/2022 18h41

Ao mesmo tempo em que divulga em seu site que "os Jogos Escolares Brasileiros (JEB's) são a principal competição escolar do país", a Secretaria Especial do Esporte diz que os JEB's não são a principal competição escolar do país, posto ocupado por um evento similar do Comitê Olímpico do Brasil (COB). A diferença de interpretação vai deixar centenas de jovens atletas sem Bolsa Atleta este ano.

No edital do ano passado, por exemplo, 456 atletas foram selecionados para receber a "Bolsa Atleta Estudantil", de R$ 370 ao mês. O critério para seleção há anos é o resultado dos Jogos Estudantis, que desde 2005 é organizado pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB), em duas faixas etárias: de 12 a 14 anos (para estudantes do ensino fundamental II) e de 15 a 18 anos (para estudantes do ensino médio).

Em julho de 2020, a Secretaria Especial do Esporte anunciou que, a partir de 2021, o país teria um evento idêntico, chamado JEB's, mas organizado pela Confederação Brasileira do Desporto Escolar (CBDE), com recursos do Governo Federal, para a faixa etária de 12 a 14 anos. Na prática, a Secretaria tirou o evento da mão do COB e o entregou à CBDE, em meio a um conflito entre o presidente do COB, Paulo Wanderley, e o secretário Marcelo Magalhães. CBDE e COB também não se bicam há tempos.

Desde então, a Secretaria pautou sua comunicação na supervalorização dos JEB's, com direito a anúncio de dezenas de "embaixadores" e a retórica de que o país voltava a ter um grande evento escolar depois de 17 anos. Em toda a comunicação, a Secretaria vem tratando o JEB's como "principal competição escolar do país" e omite que, no período em que não houve JEB's (de 2005 a 2020), o país teve um evento idêntico, com outro nome, organizado pelo COB.

Mas, legalmente, o evento precisa ser ligado ao COB para valer para o Bolsa Atleta. Isso consta em um decreto de 2012, da presidente Dilma Rousseff (PT). Nele, está escrito que o estudante, para requerer a bolsa, deve ter participado "dos jogos estudantis ou universitários nacionais organizados no ano anterior ao do pleito direta ou indiretamente pelo COB". Um decreto do presidente Jair Bolsonaro (PL), como o que revogou decretos antigos de lutos oficiais, corrigiria o conflito, mas isso não foi feito.

Atletas que ganharam medalha nos JEB's e que já têm 14 anos (idade mínima para receber a bolsa) só descobriram essa semana, ao tentar se inscreverem no edital recém-aberto do Bolsa Atleta, que não têm direito ao benefício. Pais e treinadores foram cobrar a CBDE que, por sua vez, foi reclamar com a Secretaria, que disse estar de mãos atadas pelo decreto que exige ligação entre o evento e o COB, ligação essa que a própria pasta fez questão de romper, como a coluna explicou na época.

Em 2021, o COB não realizou os Jogos Estudantis, porque entendeu que o momento da pandemia não permitia. Pesou na decisão o fato de que boa parte das escolas do país, especialmente as públicas (que são maioria nas competições escolares) não havia retomado as aulas. Como os JEB's não valem para a bolsa e os Jogos Estudantis não foram realizados, não haverá distribuição do benefício para estudantes do ensino fundamental e médio em 2022, exceto os paralímpicos.

Em nota à coluna, a Secretaria Especial do Esporte disse que "os Jogos Escolares Brasileiros (JEB's) não são elegíveis à seleção pública de 2022 de atletas a serem beneficiados pelo Bolsa Atleta por não atenderem aos critérios legais que disciplinam o programa atualmente" e citou o decreto de 2012, que também exige que o evento universitário do Bolsa Atleta seja ligado indiretamente ao COB, o que não acontece mais. Mesmo assim, os JUB's, organizados pela CBDU, do Desporto Universitário, são válidos para a bolsa.

Caso esse decreto não seja alterado, os melhores atletas do ensino fundamental continuamente deixarão de ter acesso à Bolsa Atleta. Quando retomar os Jogos Estudantis, este ano, em Ribeirão Preto (SP), o COB fará uma competição apenas para alunos do ensino médio. E o JEB's, sem participação do COB, voltado aos estudantes do fundamental II, não são válidos para a Bolsa Atleta.

Recentemente, o Ministério da Cidadania criou um mecanismo para pagar R$ 100 de auxílio, por 12 meses, além de uma parcela única de R$ 1.000 (total de R$ 2,2 mil) às famílias contempladas pelo Auxílio Brasil que tiveram filhos medalhistas em competições regionais escolares. O benefício, porém, é restrito a família de baixa renda e não tem ligação com o programa Bolsa Atleta, voltado ao esporte rendimento.

Os JEB's, que tiveram diversos problemas de logística e organização, custaram ao menos R$ 29,2 milhões aos cofres federais. O Ministério da Cidadania repassou R$ 17,9 milhões à CBDE e outros R$ 11,3 milhões a uma ONG chamada Instituto Carioca de Atividades. Em nenhum material de comunicação do governo sobre os JEB's esse segundo repasse foi divulgado.