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Olhar Olímpico

OPINIÃO

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Novo Pacaembu é idealizado para quem pode gastar R$ 1,5 mil em um passeio

Demolição do Tobogã do estádio do Pacaembu - Simon Plestenjak/Folhapress
Demolição do Tobogã do estádio do Pacaembu Imagem: Simon Plestenjak/Folhapress

01/12/2021 04h00

Tive uma única oportunidade de assistir a um jogo do Corinthians no Pacaembu como torcedor. No caso, do time adversário. Isso foi há 14 anos, em uma noite de quarta-feira. "Rolê aleatório" diriam hoje em dia. Fui sozinho e me uni à pequena, e mentiria se dissesse que barulhenta, torcida do Juventus, que se irritou com a má atuação do goleiro Deola na derrota por 4 a 1 e o vaiou, gerando constrangimento para familiares do atleta, que estavam ao meu lado.

Lembrei disso quando o CEO da concessionária que administra o Pacaembu, Eduardo Barella, disse ontem (30) que cada vez mais as novas gerações buscam vivenciar experiências. Nenhum fato novo. Da minha parte, sempre colecionei experiências, especialmente envolvendo esportes. Mas elas são muito diferentes daquelas que ele quer vender.

Estudante, paguei nem R$ 20 pela experiência de ser da torcida do clube pequeno na casa do gigante. Não deve ter saído muito mais caro do que isso um ingresso para ver Daiane dos Santos e seu Brasileirinho no Ibirapuera, a despedida de Janeth no Mundial de Basquete Feminino, ou um Portuguesa x Bragantino no Nicolau Alayon, para ficar em outros passeios gostosos daquela mesma época universitária.

Por clichê, eu diria que essas experiências não têm preço. Mas a verdade é que elas têm. E custam muito menos do que R$ 1,5 mil que Barella quer cobrar para vender a "experiência" de assistir a um jogo de futebol em um camarote de uma marca qualquer, depois de passar a noite dormindo em um hotel praticamente dentro do campo e almoçar em um "rooftop" (estrangeirismo para laje) com vista para o gramado.

Concordo que deve ser uma experiência divertida, mas quantos poderão tê-la? E qual o custo social de permitir que alguns poucos a tenham? Para que alguém durma com vista para o gramado e abasteça os cofres de um concessionário privado, quantos paulistanos não serão privados, nos 35 anos de concessão, da experiência de um dia ir ao estádio para ver dois times que não são o dele, pelo puro prazer de tomar uma cerveja antes de entrar no Pacaembu e outra ao sair?

Hoje o Pacaembu é literalmente um canteiro de obras, e é natural que isso ocorra de tempos em tempos. É triste pisar em um gramado que em uma metade do campo é pasto e na outra um depósito do que sobrou de entulho de uma arquibancada onde ninguém nunca mais vai sentar. Mas mais triste do que se vê é o que se projeta.

Em tese, o Tobogã foi derrubado para permitir a integração entre estádio e complexo esportivo (ginásio, piscina, quadras de tênis), o que beneficiaria o usuário do Pacaembu. Imagine a experiência de sair da piscina e dar de cara com um jogo de futebol. Aquecer os tambores torcendo por seu clube numa partida de basquete ou futsal e, na sequência, já fazer uma dobradinha com o futebol. Mas natação não dá dinheiro, futsal não dá dinheiro. O que dá dinheiro é hotel de luxo, é camarote, é rooftop.

Faltando dois anos para a reinauguração e com o projeto da concessionária já mais detalhado, fica cada vez mais claro que o "novo" Pacaembu é pensado para a ponta da pirâmide social brasileira, que pagou pelo complexo esportivo e hoje é dona dele. Se você não faz parte dessa elite, guarde com carinho na memória as experiências que já viveu lá. Talvez tenham sido as últimas.