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REPORTAGEM

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Fernando Reis avisa tribunal que não vai se defender de acusação de doping

Fernando Saraiva treina em Lima para os Jogos Pan-Americanos - Wander Roberto/COB
Fernando Saraiva treina em Lima para os Jogos Pan-Americanos Imagem: Wander Roberto/COB

19/11/2021 04h00

Dez vezes eleito o melhor atleta do país no levantamento de peso, Fernando Reis Saraiva desistiu de se defender no processo que corre no Tribunal de Justiça Desportiva Antidoping (TJD-AD). O halterofilista, que testou positivo para hormônio do crescimento em dois exames surpresa realizados no primeiro semestre, será julgado à revelia e deve levar quatro anos de suspensão.

O hormônio do crescimento (GH, de Growth Hormone) é um tipo de doping tratado como indiscutível por advogados, médicos e demais envolvidos no controle antidoping. No caso de outras substâncias dopantes, é possível alegar que o atleta flagrado consumiu um produto sem saber da presença dela, que ela fazia parte de um tratamento médico, ou, desculpa mais tradicional no país, que ela foi ingerida por contaminação de um suplemento alimentar.

No caso do GH, o corpo até pode produzir o hormônio em excesso, o que causa uma doença rara conhecida como acromegalia (ou gigantismo, em crianças), causada por um tumor. Fernando inicialmente alegou ser essa a razão dos testes positivos. "Eles [médicos] recomendaram que eu fizesse uma ressonância magnética do cérebro. Após os resultados dos exames, foi descoberto um nódulo em minha glândula pituitária que potencialmente está causando a liberação de níveis elevados de hormônio", ele afirmou em agosto, pelo Instagram.

Na época, ele já havia contratado o advogado Marcelo Franklin para defendê-lo no processo que corria na Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD), que o suspendeu provisoriamente em 16 de julho. Nos bastidores do esporte, todos davam como certo que Fernando, quando fosse a julgamento, levaria a pena máxima, uma vez que o GH é especialmente benéfico para quem busca resultados no levantamento de peso, como era o caso do brasileiro, que era fortemente cotado a medalha em Tóquio.

Recentemente, porém, Fernando desistiu de tentar se defender. Quando a denúncia já havia chegado ao TJD-AD, ele enviou carta anunciando que abdicava de um julgamento, mas argumentando que não havia se dopado e que tudo não passa de perseguição contra ele. O advogado Marcelo Franklin foi dispensado. Nem ele, nem o atleta responderam às tentativas de contato da reportagem.

Ontem à noite, Fernando deu entrevista para o Bandsports e alegou que apresentou, em sua defesa prévia, dois exames que, segundo ele, comprovariam a existência de um adenoma (tumor benigno) na glândula pituitária. "Não me deram o benefício da dúvida. Fiz em dois laboratórios nos EUA. Apresentamos isso, mas a associação brasileira (ABCD) não acatou. Agora isso tudo não faz mais sentido para mim. O investimento foi grande em advogado, especialista, e não faz mais sentido para mim. Já não tenho mais o que provar em relação à minha capacidade atlética", afirmou.

Ao Bandsports, ele ainda questionou o fato de a ABCD tê-lo procurado sete vezes, durante cinco dias, para os testes surpresa que identificaram os níveis irregulares do hormônio do crescimento em seu organismo às vésperas da Olimpíada. "Sou um dos atletas mais testados do mundo. Nos últimos anos fiz mais de 65 exames antidoping. Engraçado que vim ter problema justamente no Brasil, na minha casa. Eu nunca tive nenhum exame antidoping às 4h30 da manhã. Foi a primeira vez na vida", reclamou.

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O Olhar Olímpico apurou que especialistas da ABCD acreditavam que Fernando Reis se dopava e, há anos tentavam o flagrante. A passagem dele pelo Brasil, antes da Olimpíada, foi uma oportunidade de aplicar um teste mais completo, capaz de identificar o GH. Como o ciclo deste hormônio é curto e o doping deixa de ser identificável após algumas horas, a solução foi testar o halterofilista diversas vezes. Dos sete exames, só dois apontaram anomalias no nível do GH. Quando há um adenoma na glândula pituitária, a produção é constante.

Fernando deve levar gancho máximo

O halterofilista só não foi ainda suspenso de forma definitiva porque ABCD e TJD-AD discutem como proceder neste caso. Se, sem Fernando contestar formalmente o doping, cabe à ABCD aplicar a suspensão máxima de quatro anos, ou se o tribunal deve realizar um julgamento à revelia, provavelmente com o mesmo desfecho.

Fernando, que não respondeu a tentativa de contato da reportagem pelo Whatsapp, de qualquer forma, já demonstrou que pretende continuar ativo no esporte, à margem do sistema esportivo, aos 31 anos. Como revelou o jornal O Globo, ele pediu à Federação Internacional de Levantamento de Peso (IWF) para ser considerado aposentado, o que permitiria a ele não continuar sendo submetido a testes antidoping — mesmo atletas suspensos precisam continuar disponíveis para teste.

Por regra, um atleta suspenso fica impedido até mesmo de treinar em um clube. Rafaela Silva, por exemplo, ficou quase dois anos sem subir a um tatame de judô, exercitando-se só em academias. Mas Fernando não só segue atuando no esporte como se firmou, nos últimos meses, como influente treinador da modalidade.

No fim de semana passado, 65 pessoas foram certificadas por Fernando em um curso dado por ele em Balneário Camboriú, em Santa Catarina. Na semana que vem, no mesmo local, ele vai realizar uma competição de levantamento de peso que leva o nome dele. Antes, ele já havia feito a mesma dobradinha curso/campeonato em Jundiaí (SP). A confederação da modalidade diz que não pode fazer nada para impedir.