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Olhar Olímpico

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Albertinho admite resultados ruins, mas mantém sonho de medalha olímpica

Alberto Silva, técnico da natação brasileira - Satiro Sodré/SSPress/CBDA
Alberto Silva, técnico da natação brasileira Imagem: Satiro Sodré/SSPress/CBDA

24/06/2021 04h00

Faltando um mês para o início das provas de natação em Tóquio-2020, o Brasil só tem um atleta bem colocado no ranking mundial da modalidade: Bruno Fratus, que é o décimo nos 50m livre. Ele também é o único, entre os 26 convocados pelo Brasil para os Jogos Olímpicos, a morar e fazer sua preparação fora do país, nos Estados Unidos.

Por aqui, o cenário para Tóquio não é exatamente animador. Técnico chefe na Olimpíada de 2016, Alberto Silva, o Albertinho, não perde a esperança. Treinador dos quatro convocados para o revezamento 4x100m livre e head coach do Pinheiros, que colocou 10 atletas no time, ele admite que o resultado da seletiva olímpica foi de forma geral ruim, mas diz ter motivos para seguir otimista.

"Não estou fazendo força para acreditar. O tempo que a gente fez não é o tempo que a gente treinou. Depois de todos esses anos, eu olho o atleta e falo: 'Esse cara não está bem', mas não é o caso", disse ele, em entrevista ao blog, por teleconferência, na semana passada, antes de anunciar, ontem (23), que deixa o Brasil ao fim da Olimpíada para comandar a seleção portuguesa.

Na conversa, Albertinho, que em Tóquio ir à sua quinta Olimpíada como técnico do Brasil, um recorde na natação, reclamou da falta de competitividade no país, admitiu que esperava uma bronca maior pelo resultado frustrante do Rio, e reconheceu que a natação brasileira precisa ter seu modelo rediscutido. Acompanhe:

Depois do resultado ruim no Rio, de passar em branco, a natação brasileira chega mais pressionada em Tóquio?

Acho que a gente ficou devendo, sim. Foi a primeira experiência de todo mundo no Brasil com Olimpíada em casa. Todo mundo teve investimento tanto na preparação quanto na carreira. E realmente foi um resultado muito aquém no número de finais e na questão das medalhas.

Não ganhar uma medalha em Tóquio seria também muito frustrante e impactante tanto na hierarquia dentro do COB, divisão de dinheiro, quanto em apoio privado. Mas eu acho que o atleta não es sentindo essa pressão. Eles têm a pressão própria deles, em relação ao resultado deles.

Claro que todo mundo quer ganhar medalha, mas sendo realista, hoje parece haver duas chances de medalhas apenas: o Fratus e o 4x100m livre. Não é pouco?

O que foi construído em relação ao caminho para a medalha foi em cima dessas duas provas, de fato. Acontece de um nadador talentoso tirar o resultado da vida, mas vamos nos ater ao que já foi construído, ao que já apareceu. Ainda assim, hoje estamos em um novo estágio. A gente aprendeu a colocar mais atletas na Olimpíada, a chegar na final, ter um leque, ganhar medalha. Agora é a hora de consistência e manter essa renovação, essas finais e essas medalhas. Acho que precisamos sentar todo mundo, as pessoas que participaram de um, dois ciclos, técnico, preparador, biomecânico, ter um plano do Brasil para cada ano do ciclo.

Muita gente cobra uma mudança no modelo adotado na natação brasileira, com alguns poucos clubes atraindo os talentos revelados pelo Brasil. Você é diretamente beneficiado por esse modelo, uma vez que o Pinheiros tem o programa que mais contrata. Você defende uma revisão nesse modelo?

Eu acho que ele tem que mudar, e isso passa pela forma de disputa do campeonato. Eu não acho que você pode limitar [a transferência de] uma pessoa que está lá na piscina fria, com uma condição de treino ruim, se destacou porque é talentosa, e quer mudar de clube. Mas dá para limitar de outras formas. Número de inscritos, número de atletas de um clube por prova, competição por quadro de medalhas...

Ter equipes menores?

Claro. Você pode enxugar o time e dar uma condição melhor. Ao invés de pagar 60 atletas, eu pago 30. Economizo. Mas eu pagava R$ 10 mil, meu teto, passei a pagar R$ 20 mil. Vou começar a fazer ação internacional. Mas esse grupo que sair vai ter que ser absorvido em outro clube.

Só que você precisa ver os dois lados da moeda. Quando você pega um talento e joga ao lado do Chierighini, do Cielo, você acelera o processo também. Quando não tiver mais isso, o processo também tem uma tendência de ser mais lento.

Muito tem se falado sobre a falta de apoio à natação feminina. O que você pensa sobre?

Eu não sei dizer por que o masculino vai além, mas eu sempre treinei meninas. Treinei finalistas olímpicas, mais de uma, e sempre me dediquei muito às meninas. A gente faz o trabalho, é o mesmo trabalho, a mesma piscina, mesma condição. Aí você olha o que aconteceu agora: a Balducini enfiou o pé na porta, meteu o 54s em 100m livre, vai para a Olimpíada com 16 anos. E você pega a Larissa e ela volta a nadar bem, é competitiva. No misto, ela nadou para 53s no meio da prova. É importante essa pressão dos mais novos sobre os mais velhos.

Esse ciclo começou com uma renovação grande na seleção, com garotos que prometiam crescer ano a ano até a Olimpíada. Mas, na seletiva, os resultados acabaram sendo muito ruins para o padrão internacional. O que aconteceu?

A gente ficou quatro meses em casa. Não gosto de dar desculpa. Depois de 2016, que eu fui head coach, falei para o COB: 'Vocês não vão me chamar ou chamar a gente para dar explicação?' Não como um menino tomando um pito, mas vocês deram dinheiro, deram condição, e a gente ficou muito longe. Tem atleta que ficou uma semana sem dar as caras e depois volta: 'Obrigado pelas mensagens de apoio, vida que segue'. Você deu toda condição e o cara não dá satisfação? Acho isso errado.

E na seletiva para Tóquio? O que aconteceu?

O covid atrapalhou. Quando a gente voltou, em Portugal, a preocupação era não lesionar, mas ninguém no mundo sabia como um atleta de elite se portaria depois de quatro meses parado. A gente reconstruiu uma base, fez tecnicamente um trabalho muito bom. Mas depois, a gente foi para a ISL, que foi uma festa. Faltou treino e não tinha cobrança nenhuma. E foi em piscina curta, que é outro esporte. Aí o atleta não compete com adrenalina, com frio na barriga, e vai direto para a seletiva.

O Marcelo (Chierighini) para mim era o cara. Ele ia baixar aquele 47s6, objetivo era 47s3, disputar medalha na Olimpíada. Tudo mostrando que ele estava um patamar acima de 2019. Mas ele nunca mais nadou na piscina longa uma competição que mexesse. Aí, chega no primeiro dia, o frio atrapalhou. Tem uma galera que põe 100% na conta do frio, mas eu não. Até a seletiva todo mundo sempre falou que lá era a piscina que tinha que ser o Troféu Brasil. Não vamos ser hipócritas.

Bom, mas aí chega lá, tensão, uma tentativa só, não nada há dois anos, ansioso, covid, tem que ficar longe, não abraça, não descontrai, não pode ficar na arquibancada. Primeiro dia, Brandonn, João e outros caras não fazem o índice. O cara vira e fala: 'É real, eu posso ficar fora dessa merda'. Ninguém achava que o Brandonn não ia entrar. Todo mundo carrancudo, separado. Ficou muito ruim.

Os tempos da seletiva não podem servir de referência quando a gente pensa no que pode sair em Tóquio?

Sei o trabalho que eu fiz, sei a qualidade do trabalho. Meu melhor nadador deu 48'8, pior resultado em 10 anos. Mas eu tenho que acreditar que o Marcelo, pelo treino que ele fez, que eu dei, que ele realizou, pelos exames bioquímicos, clínicos, pela antropometria, nutrição, comparando com os exames, ele vai entregar em Tóquio. Eu tenho que acreditar. O tempo que a gente fez lá não é o tempo que a gente treinou.

Dá para brigar por medalha no revezamento?

Eu estou tentando uma medalha em Mundial, Olimpíada tem algum tempo. Em 2015, tinha o Cielo, os quatro caras nadando bem. Classifica com o primeiro tempo. EUA e Austrália fora da final. É hoje! E chegou lá e perdeu da Rússia. Em 2017, Cielo e Fratus não estavam, entraram de última hora, e a gente nadou super bem. A gente está pensando que talvez esse seja o melhor caminho. A gente realmente tem caras competitivos, quem sabe não chega lá e ganha?