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Covas coloca ao menos R$ 117 milhões na F1 após Doria prometer GP privado

Vettel tomou de Bottas a liderança do GP do Brasil logo na largada - Mark Thompson/Getty Images
Vettel tomou de Bottas a liderança do GP do Brasil logo na largada Imagem: Mark Thompson/Getty Images

06/01/2021 14h00

Ainda em seus primeiros meses como prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB) prometia privatizar o autódromo de Interlagos. Paralelamente, discutia uma novela que se encaminha agora para um desfecho: a manutenção do GP Brasil de Fórmula 1 em São Paulo. Na ocasião, em abril de 2017, ele disse à agência de notícias Reuters: "Eu entendo que Fórmula 1 é importante, mas com dinheiro privado, não com dinheiro público. E é perfeitamente possível que ela continue funcionando com dinheiro privado."

Quase quatro anos depois, a prefeitura já se comprometeu a investir R$ 117 milhões em dinheiro público apenas para manter a corrida em São Paulo. O número pode ser centenas de milhões de reais maior, já que detalhes do acordo não foram divulgados.

Em dezembro, Doria, já governador, anunciou que São Paulo receberá o GP de 2021 a 2025, mesmo com o governo do Estado de São Paulo não tendo nenhuma participação no negócio. O contrato foi assinado por seu sucessor na prefeitura, Bruno Covas (PSDB), que na época do anúncio, a três dias do primeiro turno, concorria à reeleição.

Questionada pelo UOL, a prefeitura de São Paulo não disse quanto investirá no total para realizar o evento. O que se sabe é que o município vai pagar R$ 20 milhões anualmente para uma empresa realizar o evento, já pagou R$ 17,7 milhões à F1 no ano passado pelo direito de seguir realizando a corrida e vai arcar com um valor não revelado, anual, até 2025, pelos direitos completos. Outros países pagam anualmente, por esses direitos completos, entre US$ 20 milhões e US$ 60 milhões (entre R$ 105 milhões e R$ 315 milhões na cotação atual).

Naquela mesma entrevista à Reuters, Doria afirmou o seguinte sobre o processo de privatização do autódromo: "Tenho o sentimento também de que fundos internacionais vão participar desse leilão. Não tenho nenhuma dúvida de que nós vamos vender e vender bem o autódromo de Interlagos". O prometido leilão não foi para frente e optou-se por uma concessão, que não foi concretizada. O edital foi suspenso em abril do ano passado, por irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas do Município (TCM), e não corrigidas pela administração. Como havia mostrado o Olhar Olímpico, a tendência era que o edital não tivesse interessados.

Sob sigilo

Com a concessão do autódromo parada, a prioridade passou a ser a manutenção do GP em São Paulo, depois de o Rio de Janeiro entrar na disputa com apoio do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). São Paulo ficou com a prova, mas graças a um negócio sobre o qual, por enquanto, se sabe pouco, mas que segue uma lógica inversa à prometida.

Em janeiro do ano passado, Doria foi a Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, em busca de R$ 30 bilhões em investimentos em São Paulo até 2023. À imprensa, citou que o Mubadala, fundo proprietário do autódromo local, que o tucano sempre usou como exemplo para Interlagos, havia manifestado interesse no contrato para a realização da corrida de Fórmula 1 em São Paulo.

De fato, o Mubadala entrou no negócio, mas para receber dinheiro de São Paulo. A prefeitura decretou sigilo sobre o contrato. O que se sabe é o que está no Diário Oficial: a prefeitura vai pagar R$ 20 milhões ao ano para que a holding Brasil Motorsport, aberta no Brasil pelo fundo de investimentos árabes, "realize" a corrida. Essa é apenas uma das três informações conhecidas sobre o acordo.

A segunda é que a prefeitura de São Paulo vai pagar, anualmente, de 2021 a 2025, um valor não revelado à Fórmula 1 pelo direito de sediar o GP, que mudou de nome e agora será o "GP São Paulo". Como comparação, o Rio de Janeiro, derrotado no leilão com São Paulo, havia oferecido R$ 150 milhões por ano (US$ 35 milhões na cotação da época) pelo direito de realizar a corrida. Em outras provas, esse valor varia de US$ 20 milhões a US$ 35 milhões. A terceira é que esse contrato também previa um pagamento em 2020, que foi de R$ 17,7 milhões. Todas as outras informações a respeito do contrato são mantidas sob sigilo no site de transparência da prefeitura e os questionamentos enviados pela reportagem não foram respondidos pela assessoria de imprensa. Doria e Covas não responderam aos pedidos de comentários.

Sem respostas

Fica sem resposta, também, o que a prefeitura de São Paulo ganha com a corrida. Se é ela a dona dos direitos de realização e também responsável pela operação (que terceiriza contratando a Brasil Motorsport), atuando, assim, como promotora, então a arrecadação com ingressos, camarotes e patrocínios deve ir aos cofres públicos. A prefeitura não confirma.

Até o ano passado, quem mantinha contrato com a Fórmula 1 era a empresa International Publicity (Interpub), de Tamas Rohonyi. Os detalhes desse contrato, entre dois entes privados, não são conhecidos, mas se sabe que Tamas, por uma série de privilégios pessoais adquiridos ao longo dos anos, não pagava a taxa cobrada das demais provas do calendário da F1. Dono do GP Brasil, ele tinha, na outra ponta, um contrato com a prefeitura de São Paulo, que se comprometia em oferecer segurança privada, limpeza, arquibancadas provisórias e outros itens de infraestrutura dentro do autódromo durante a semana do GP, além de realizar as obras necessárias em Interlagos.

A prefeitura desembolsava em torno de R$ 40 milhões ao ano para honrar seus compromissos com infraestrutura. Esse dinheiro ia da Secretaria de Turismo à SPTuris, que é uma autarquia municipal, e essa realizava pregões para contratar as empresas terceirizadas. Em 2019, por exemplo, a SPTuris conseguiu gastar menos do que os R$ 39 milhões previstos e devolveu R$ 2,5 milhões ao caixa da secretaria.

A administração municipal sempre justificou que essa conta era favorável a São Paulo porque a corrida movimenta a economia. De acordo com a prefeitura, um estudo da Fundação Getúlio Vargas apontou que a edição 2019 trouxe "impacto econômico da ordem de R$ 670 milhões".

Os números da SPTuris são diferentes. A autarquia, que aplica o mesmo estudo em todos os principais eventos da cidade de São Paulo há anos, apontou que o "impacto econômico" do GP Brasil de 2019 foi de R$ 361 milhões. Como comparação, a Parada Gay, por esses mesmos parâmetros da SPTuris, gerou impacto econômico de R$ 400 milhões em 2019, tendo recebido R$ 1,9 milhão de investimento da prefeitura.

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