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Opinião: Plano para o Ibirapuera mostra que esporte não é prioridade em SP

Complexo Esportivo do Ibirapuera - Gabriel Cabral/Folhapress
Complexo Esportivo do Ibirapuera Imagem: Gabriel Cabral/Folhapress

02/12/2020 11h00

Gerou incômodo a notícia de que o Complexo Esportivo do Ibirapuera será concedido à iniciativa privada a partir de um projeto referencial que prevê a transformação do ginásio em um shopping center. Atletas e ex-atletas estão se mobilizando para defendê-lo e políticos proeminentes como o vereador reeleito Eduardo Suplicy (PT) se comprometeram a lutar pela preservação das estruturas esportivas. Pessoalmente, não sou contra a construção de uma arena multiuso, nem necessariamente contra a privatização. Critico, sim, a forma como ela foi feita, e o que ela representa.

É verdade que o ginásio está defasado, que a pista de atletismo e a piscina olímpica têm problemas estruturais. Mas isso se resolve com reformas, adequações, boas ideias, Não destruindo o que restou. Se a geladeira da minha casa me dá muita dor de cabeça, quebra toda hora e gasta muita energia, eu me programo para substituí-la, não para ganhar uma grana vendendo-a ao ferro velho e depois viver sem geladeira.

O processo de concessão apoia-se na ideia de contrapartida. O futuro concessionário construirá uma arena multiuso que daqui há 35 anos será propriedade da prefeitura e, como contrapartida, pode fazer o uso que quiser do restante do terreno do complexo pelo mesmo tempo. Mas qual é a contrapartida oferecida para o esporte? Perde estádio, pista, piscina, tanque, alojamento... e ganha o que?

Um estádio de atletismo existe dentro de uma cidade por uma série de razões e acho assustador que isso precise ser explicado. Só em estádios de atletismo são realizadas competições de atletismo. Também é necessária uma pista para se formar atletas de atletismo. Quando se abre mão da pista se abre mão do atletismo. Quando se abre mão do estádio, abre-se mão de competições de atletismo, algo que gera receitas para Paris, Londres, Los Angeles, Roma, Berlim... O mesmo conceito vale para estruturas como piscina, no caso da natação e nado artístico, tanque de saltos, para saltos ornamentais, e quadra de tênis, para tênis.

São Paulo, uma cidade rica, não é uma cidade rica em estruturas esportivas. Piscinas olímpicas públicas eram três. Uma, do Pacaembu, já foi privatizada e está vazia por decisão do concessionário. A do Ibirapuera está fechada há anos porque o governo do Estado — o mesmo que quer sua demolição porque ela não tem uso — não contrata salva-vidas. A do Baby Barioni, semi-olímpica, também estadual, está em reforma desde 2014. A obra começou bancada pelo governo federal, mas demorou tanto que o convênio se encerrou e o dinheiro voltou para Brasília. Agora, o Estado é que tem que pagar.

Não sou contra o Pacaembu ter sido privatizado. Mas penso que os R$ 111 milhões (sem correção) pagos pelo concessionário à prefeitura deveriam ser investidos em clubes municipais na periferia, inclusive com a construção de novas piscinas e novas quadras de tênis, substituindo às do Pacaembu e ampliando, não reduzindo, o acesso da população à prática esportiva. O dinheiro economizado com o fim dos custos de manutenção do velho estádio poderia ser revertido, anualmente, para a manutenção desses clubes. Vale a mesma ideia para o Ibirapuera.

Pelo projeto referencial, São Paulo vai perder uma piscina olímpica, um tanque de salto, um estádio com pista de atletismo, diversas quadras abertas de tênis, galpões com quadra coberta, o "Palácio do Judô", etc. E nada disso será substituído. O esporte perde equipamentos públicos escassos e os cofres públicos ganham as "luvas" pagas pelo concessionário sem que haja nenhuma garantia, sequer promessa, de que esse dinheiro vai voltar para o esporte, como não voltou no caso do Pacaembu. É como vender a geladeira velha, comprar uma televisão nova, e ficar para sempre sem geladeira.

Se o esporte fosse prioridade, a discussão seria como transformar São Paulo em um polo de atração de eventos nacionais e internacionais de natação e atletismo e como aumentar o número de atletas formados nas piscinas e pistas públicas. Mas o que acontece é o contrário. Porque um atleta campeão não é contabilizado como receita na planilha que define se o Ibirapuera deu lucro ou prejuízo no final do ano. No máximo aparece como despesa, pela água que bebe, pela descarga que puxa.

O governo fez uma audiência pública a toque de caixa para debater a concessão com a sociedade, já apresentou a minuta, mas ainda não lançou o edital de concessão. Há tempo de corrigir o rumo. É preciso se comprometer a investir ao menos parte do arrecadado com a concessão em novos equipamentos esportivos, voltados à formação de atletas, nas modalidades prejudicadas pela concessão — atletismo, natação, saltos ornamentais, tênis e judô.

E também é preciso, acredito, um esforço para manter o Ginásio do Ibirapuera funcionando como equipamento esportivo, não comercial. Pelo plano do governo, São Paulo perderia de uma só vez o maior (Ibirapuera) e o segundo maior (Mauro Pinheiro) ginásio público da cidade, anexo ao Ícaro de Castro Mello. O terceiro, do Pacaembu, também já foi privatizado e seu futuro é incerto. Exceto a tal arena para 20 mil lugares, de cara operação, a cidade de 12 milhões de habitantes ficaria sem nenhum ginásio poliesportivo público para mais de 2 mil pessoas. Mas com 54 shopping centers.