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Olhar Olímpico

Racismo de capitão expõe elitismo do rúgbi argentino

Pablo Matera é capitão da seleção argentina de Rugby - Divulgação/Los Pumas
Pablo Matera é capitão da seleção argentina de Rugby Imagem: Divulgação/Los Pumas

01/12/2020 14h42

Enquanto chorava a morte de um dos seus maiores ídolos, a Argentina viu um grupo de atletas também idolatrados ignorarem a perda de Diego Armando Maradona. Ao tentar entender atitude tão controversa, os argentinos se depararam com mensagens racistas e xenófobas, para dizer o mínimo, do capitão daquela equipe, a seleção de rúgbi. Nunca haviam ficado tão claras as diferenças entre duas das paixões nacionais argentinas, e a situação parece ser irremediável.

Com uma seleção de futebol que não ganha nada há 27 anos, a Argentina fez festa para comemorar uma inédita vitória dos Pumas (como é conhecida a seleção de rúgbi) sobre os All Blacks da Nova Zelândia, há duas semanas. Tido como um esporte das elites argentinas, o rúgbi conseguiu, com seu feito histórico, atrair atenção nacional e abrir novo caminho de diálogo com o torcedor menos abastado.

Mas aí veio a morte de Maradona, na quarta (25), e o segundo amistoso contra os cultuados All Blacks, no sábado (28). A esperada homenagem ao ídolo nacional foi feita, mas pelo time da Nova Zelândia, que abriu mão de suas tradições e colocou no chão uma camisa negra com o nome de Maradona. Os Pumas assistiram a tudo inabaláveis e não esboçaram tristeza. É como se Maradona fosse qualquer coisa que não argentino, apesar de o astro morto na semana passada ter sido um torcedor fanático dos Pumas.

Uma faixa preta no braço foi tudo que os Pumas fizeram para homenagear Maradona, o que gerou muitas críticas, a ponto de o capitão da equipe, Pablo Matera, gravar um vídeo cercado dos companheiros pedindo desculpas e admitindo que o gesto foi pequeno diante do tamanho de Maradona e da paixão do país por ele. As desculpas, porém, não foram aceitas por fãs de esporte locais. Tanto que foram recuperados tuítes antigos de Matera, que é capitão da equipe desde das categorias de base.

"Bela manhã para sair de carro e pisar nos negros", escreveu Matera quando já era capitão do time júnior da Argentina, aos 19 anos. Após o Campeonato Mundial da categoria, disputado na África do Sul, ele festejou poder ir embora "desse país cheio de negros". Disse que se um boliviano usa mp3 há provas suficientes para prendê-lo por roubo, e declarou odiar paraguaios, entre outras muitas mensagens racistas, homofóbicas, gordofóbicas, etc.

Mas não foi só ele. Em 2012, outros dois jogadores que hoje estão entre os principais do país, Guido Petti e Santiago Socino, também fizeram postagens com mesmo teor, o que foi entendido, na Argentina, como um indicativo de que era, ou é, esse o ambiente na seleção. Os três deletaram suas contas no Twitter, disseram se arrepender e pediram desculpas "a quem se sentiu ofendido". O problema é que boa parte do país se sentiu ofendida.

A União Argentina de Rúgbi (UAR), federação nacional, anunciou ontem mesmo uma suspensão por prazo indeterminado dos três jogadores e tirou Matera do posto de capitão. O clube dele na França também cobrou esclarecimentos. Mas quem mais cobra respostas é a sociedade, que recebeu provas contundentes de que ao menos os líderes dos Pumas odeiam tudo aquilo que Maradona amava, tudo aquilo que Maradona era. E Maradona era o povo argentino.