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Conselho do patrimônio abre caminho para privatizar Ginásio do Ibirapuera

Estudo referencial do Complexo Esportivo do Ibirapuera - Divulgação
Estudo referencial do Complexo Esportivo do Ibirapuera Imagem: Divulgação

30/11/2020 13h07

O Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) rejeitou, hoje (30), abrir um processo de estudo de tombamento do Complexo Esportivo Constâncio Vaz Guimarães, do Ibirapuera. Isso na prática autoriza o governador João Doria (PSDB) a conceder a estrutura para a iniciativa privada, que, pelos planos do governo, seria amplamente modificada. Caso fosse aberto o estudo de tombamento, ficariam proibidas obras de alteração arquitetônica no complexo.

O estudo referencial que embasa o edital de privatização indica a construção de uma arena multiuso para 20 mil pessoas onde hoje está o estádio de atletismo, a transformação do ginásio do Ibirapuera em shopping center e a construção de torre comercial com hotel no lugar do complexo aquático.

Fez diferença na decisão de hoje um decreto do próprio Doria que, em 2019, alterou a composição do Condephaat. Antes, o órgão tinha 30 conselheiros, sendo quase metade deles, 14, representantes de universidades. Quando assumiu o governo, Doria cortou o número de cadeiras das universidades para apenas cinco, mantendo 13 para o próprio governo. Agora são 24 conselheiros no total, sendo 13 de órgãos da administração estadual e só cinco das universidades.

Na reunião de hoje, realizada de forma virtual, todos os cinco representantes das universidades - Unifesp, USP, Unesp, Unicamp e Museu de Arqueologia e Etnologia da USP - votaram a favor do relatório do conselheiro Renato Luiz Sobral Anelli, representante o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), pelo estudo do tombamento do complexo. Victor Hugo Mori, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), e Lilian Vogel, profissional de notório saber em patrimônio imaterial, também votaram pelo estudo.

Esse grupo também apresentou, defendendo o estudo, uma carta com diversas associações de arquitetos, uma carta de ex-presidentes do Condephaat, um abaixo-assinado com 5 mil assinaturas e uma manifestação de atletas e ex-atletas, que têm feito campanha online pelo tombamento.

Enquanto isso, votaram contra a possibilidade de se estudar tombar o complexo projetado pelo arquiteto Ícaro de Castro Mello todos os 13 representantes do governo Doria, acompanhados do profissional de notório saber Paulo Romani Vicelli, diretor da Pinacoteca no governo Geraldo Alckmin (PSDB), o urbanista Pedro Taddei Neto, também ocupante de cadeira de profissional de notório saber, e o representante da Associação Paulista de Municípios.

O pedido de tombamento foi protocolado por um morador da região em 2017, mas só no início de 2019 ele foi encaminhado para a Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico (UPPH) da Secretaria de Cultura, área técnica do Condephaat. O Olhar Olímpico apurou que o relatório aponta diversos argumentos para defender o tombamento. A começar pela obra arquitetônica do atleta olímpico Ícaro de Castro Mello, que projetou o complexo e hoje dá nome ao estádio do atletismo. O ginásio do Ibirapuera, segundo o parecer técnico, é o principal ícone da sua trajetória, tendo orientado outros projetos em capitais como Teresina, Recife e Brasília.

Além disso, o documento técnico contém análise que os três principais edifícios — ginásio, estádio e parque aquático — são os principais exemplos de aplicação do programa esportivo a partir da linguagem brutalista no estado de São Paulo, fazendo parte da história da engenharia e da arquitetura esportivas do país.

Por fim, o complexo é qualificado como parte integrante do projeto urbanístico para a várzea do Ibirapuera, concebido no início do século passado, dialogando com os terrenos que têm uso natural e paisagístico (o parque em si e as outras áreas arborizadas), as áreas com uso cultural (os diversos museus hoje presentes na antiga chácara dos Bombeiros) e os monumentos.

Esse estudo técnico, porém, foi contestado na reunião de hoje pelo conselheiro André Luiz dos Santos Nakamura, procurador do Estado, que acusou um dos dois funcionários concursados escolhidos para produzir o relatório de ter feito uso político do mesmo. Esse funcionário, Antonio Zagato, concorreu a vereador pelo PSOL.

Após a publicação dessa reportagem, Zagato procurou o blog para explicar que o parecer foi elaborado antes do período eleitoral, entregue no começo do ano, e que teve encaminhamento da própria coordenadora da UPPH, sem reparos. "O dossiê foi encaminhando por minha diretora para nós instruirmos. Era nosso dever fazê-lo, não opção. Quem escolhe os técnicos é a Diretoria", ele lembrou.

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