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Olhar Olímpico

"Nem escândalo fez Pinheiros entender necessidade de mudar', diz Ângelo

O ginasta brasileiro Ângelo Roberto Dias de Assumpção - Esporte Clube Pinheiros/Divulgação
O ginasta brasileiro Ângelo Roberto Dias de Assumpção Imagem: Esporte Clube Pinheiros/Divulgação

28/08/2020 04h00

Com Roberto Salim, em colaboração para o UOL

Há cinco anos, um episódio marcou a luta antirracista no esporte brasileiro. Durante um acampamento da seleção brasileira de ginástica artística, três ginastas de clubes diferentes fizeram ofensas (em tom de "brincadeira") racistas contra Ângelo Assumpção, único negro no grupo. O vídeo foi tornado público, uma outra gravação foi produzida com um pedido de desculpas, e os três agressores foram suspensos provisoriamente por 30 dias, mas a procuradoria do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) da Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) entendeu que não havia embasamento para denúncia.

Para Fellipe Arakawa, do Minas Tênis Clube, e para Henrique Flores, enteado do técnico da seleção brasileira Marcos Goto (que é negro) e seu atleta em São Caetano, o assunto morreu ali. Mas o episódio continuou marcando a carreira de Arthur Nory, que no ano seguinte subiria ao pódio dos Jogos do Rio, e hoje é campão mundial da barra fixa, e de Ângelo, a vítima. Os dois eram colegas de clube no Pinheiros e, pelos quatro anos seguintes, continuaram a se encontrar diariamente no ginásio.

"Tudo o que eu fiz no Pinheiros foi tentar que o ambiente ficasse mais saudável", diz Ângelo. "O problema havido anteriormente, quando denunciei atitudes racistas de companheiros de equipe, não foi entendido. Nem o escândalo que houve pela denúncia de racismo na ocasião serviu para que entendessem que havia necessidade de mudanças dentro do ginásio", continua.

Como o episódio com Nory aconteceu na seleção brasileira, e não no Pinheiros, nunca foi discutida uma ação interna. E Ângelo continuou a sofrer com racismo dentro do clube, como ele pela primeira vez em reportagem veiculada no domingo pelo Esporte Espetacular, da Globo. "Teve uma situação que eu estava todo de lycra preta e de shorts branco, e eventualmente uma pessoa disse que eu estava só de bermuda", contou.

Depois de 16 anos de Pinheiros, Ângelo foi demitido em novembro do ano passado, depois de cumprir uma suspensão de 30 dias. Em um e-mail anexado a um relatório interno de auditoria publicado pelo Esporte Espetacular, o coordenador da ginástica do clube, Raimundo Blanco explicou que a decisão havia sido tomada porque: Ângelo "tomou a decisão de não respeitar hierarquia e passou por cima do treinador e do supervisor ao levar uma ou várias reclamações para a gerência de esportes".

Ainda de acordo com essa mensagem de Blanco, a reclamação envolvia o treinador e colegas de treino e, com isso, "o clima de trabalho fica insustentável". Para "proteger as partes de possíveis mal entendidos", Ângelo foi suspenso até que a diretoria decidisse o que fazer. "Esse ginasta (Ângelo) vem há um tempo ocasionando inúmeros distúrbios dentro do ambiente gerando grande preocupação em todo o corpo técnico e colegas de treino".

Mesmo sendo o terceiro ginasta mais representativo esportivamente dentro da equipe que tem Nory e Chico Barretto (finalista olímpico e mundial), Ângelo acabou demitido. "Desde pequeno aqui em casa eu aprendi uma lição: em qualquer atividade eu teria de ser três vezes melhor para ser reconhecido. E assim foi a minha carreira até agora. Só que há momentos em que é cansativo ter que mostrar o nosso valor a toda hora", lamenta.

Ângelo recebeu pessoalmente a notícia de que estava sendo demitido do clube. Foi informado que seu crachá estava sendo desativado e que poderia passar no ginásio recolhe seus pertences. Dali, foi acompanhado até a porta, depois de 16 anos no clube que considerava ser sua casa. "Não consigo esquecer o dia em que me puseram para fora de lá após a rescisão. Diziam: 'Vamos embora... vamos embora...', me tocando como se eu fosse um desconhecido que não passou boa parte da vida lá dentro. Como se eu fosse um marginal"

"Eu só queria entender por que a minha saída foi desse jeito, sem motivo aparente. Eu que passei a maior parte da minha vida lá dentro e fui seis vezes seguidas campeão brasileiro", diz Ângelo, em referência aos títulos conquistados por equipes. Em nota, o Pinheiros diz que a rescisão do contrato dois meses antes do término se deu após "uma avaliação técnica, financeira e comportamental do colegiado esportivo responsável pelas renovações contratuais". Ângelo continua sem clube.