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Olhar Olímpico

NBA ensina que atletas não precisam pedir licença para gritar

"Vidas Negras Importam" está estampado no chão dos ginásios que os times da NBA estão jogando - Kevin C. Cox/Getty Images
"Vidas Negras Importam" está estampado no chão dos ginásios que os times da NBA estão jogando Imagem: Kevin C. Cox/Getty Images

27/08/2020 12h26

O boicote à rodada de ontem da NBA, inicialmente proposto pelo Milwaukee Bucks, é um fato histórico não só por ser um gesto incisivo na luta antirracista no esporte, mas também porque altera o equilíbrio de forças dentro das organizações esportivas. Se os quiserem parar o esporte, pelo motivo que seja, eles podem e conseguem fazer isso de uma hora para outra. As ondas desse tsunami terem chegado a outras ligas, na mesma noite, é fato que comprova isso.

Como no showbizz, os atletas sempre formam, dentro do esporte, os protagonistas, os responsáveis por lotar ginásios, estádios, arenas. Mas o evento pertence ao promotor: à liga, à confederação, ao comitê, ao produtor de uma peça de teatro. Ao atleta foi dada uma liberdade restrita. Seu show se restringe ao campo de jogo, ao palco de espetáculo. Diante das câmeras, da visibilidade proporcionada pelo promotor, o atleta, como o ator, segue um script.

Quem sai fora desse script é punido. Foi assim em 1968, quando John Calos e Tommie Smith fizeram o gesto em referência ao Movimento Black Power nos Jogos Olímpicos da Cidade do México, ou quando, em Lima, no Pan do ano passado, o esgrimista norte-americano Race Imdoben se ajoelhou no pódio enquanto ouvia o hino do seu país. No caso mais emblemático de organização de atletas do futebol brasileiro, o Bom Senso FC, muitos jogados pediram autorização dos seus clubes para protestarem.

Quando os protestos do Black Lives Matter começaram nos Estados Unidos, organizações internacionais como o COI e a Fifa, passaram a ser pressionados por afrouxarem as regras que limitam protestos. Atletas de todo o mundo pediram para serem autorizados a, no palco, agirem conforme a própria consciência.

O movimento iniciado ontem pela NBA mostra que essa autorização não precisa ser necessária. Os atletas não são protagonistas, apenas. Unidos, eles são os donos do espetáculo. Sem eles, não há jogo de basquete, de futebol, de beisebol. Sem eles, não há atletismo nos Jogos Olímpicos, nem esgrima nos Jogos Pan-Americanos.

Não que todo poder agora emane dos atletas. O dinheiro segue na mão dos executivos, dos promotores. Mas as forças podem ser melhor reequilibradas, naturalmente em um jogo de barganha. A NBA não está se opondo a nada que os atletas propõem no movimento antirracista, mas nem sempre será assim. Disputas por dinheiro tendem a ser muito mais complexas, como sempre foram.