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Por que Esquiva Falcão pede doações para comprar carro de R$ 55 mil

Esquiva Falcão - Scott Taetsch/Getty Images
Esquiva Falcão Imagem: Scott Taetsch/Getty Images

04/06/2020 04h00

Em tempos de pandemia, as vaquinhas online se multiplicam. Artistas, atletas e celebridades pedem doações prometendo ajudar famílias carentes e instituições de caridade. Aposta da maior agência do boxe profissional internacional, Esquiva Falcão também está fazendo uma vaquinha pela internet. Quer arrecadar R$ 55 mil para comprar um carro novo.

Ativo nas redes sociais, especialmente no Twitter, Esquiva começou essa saga na terça-feira (2), quando postou: "Meu carro bateu o motor. Preciso comprar um motor, então para me ajudar vou vender minhas luvas de luta. Cada par de luva vai custar 700 reais". Nas respostas ao tuíte, um seguidor sugeriu uma vaquinha online.

Dono de um Nissan Tiida 2010/2011, que vale por volta de R$ 15 mil, Esquiva abriu a vaquinha pedindo R$ 10 mil para consertar o motor. O valor foi superado em menos de 24 horas. Como comparação, a Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) fez uma live de 12 horas com alguns dos atletas aquáticos mais importantes da história, buscando arrecadar doações para um hospital e arrecadou R$ 4,5 mil.

Com R$ 11 mil garantidos, doados por quase 200 pessoas, o boxeador resolveu então alterar a meta, buscando R$ 55 mil, para já comprar um carro novo. "Motor é coisa muito séria. O carro nunca vai ser o mesmo. Ia passar uma semana e o carro não ia ser o mesmo. Vai trocar o motor e ele vai continuar dando problema, só vai dar mais gasto. Então decidi tentar trocar de carro", explicou ele ao Olhar Olímpico.

Na página onde as doações podem ser feitas, Esquiva escreve: "Sou atleta de boxe e medalhista olímpico, que infelizmente ninguém apoia". Essa é uma meia-verdade. Ainda que, segundo o boxeador, ele tenha perdido o patrocínio da Netshoes, que segundo ele decidiu não renovar contrato, o brasileiro tem o apoio que mais importa no boxe profissional: de uma grande promotora.

A Top Rank aposta nele desde 2013 e confia que Esquiva pode chegar ao título mundial. Na prática, isso significa que a empresa paga a ele um valor considerável sempre que sobe ao ringue, mesmo quando ainda não tinha cartel expressivo. O investimento vale a pena quando o boxeador vira campeão mundial e suas lutas são vendidas por milhões. Esquiva ainda não chegou lá, mas suas bolsas são contadas na casa de dezenas de milhares de dólares por luta.

"Eu ganho um valor até bom. Um valor bom não, mas razoável. Mas os EUA comem de 30 a 33% da minha bolsa automaticamente, em imposto. E eu tenho meu manager, que eu tenho que pagar uma parte. Só aí já foi quase 60%", argumenta. Viagem, hotel e outros gastos do tipo são cobertos pela Top Rank.

Esquiva iria lutar na China em fevereiro, mas o coronavírus obrigou o cancelamento da luta. Ele então foi escalado para uma luta tampão em um evento em São Paulo, no final de fevereiro. Venceu e ganhou a mesma bolsa que teria em uma luta no exterior. Em dólares. Segundo o lutador, porém, ele precisa fazer de três a quatro lutas por ano para se manter financeiramente.

"Se eu não fizer três, quatro lutas, eu não consigo me manter. Eu não sou um cara que nos EUA eu vendo, talvez nem no Brasil eu vendo, porque televisão não apoia. Minha última luta passou na Fox Sports porque foi na Boxing For You, que tinha contrato com a Fox. Não tenho apoio de mídia, televisão", afirma.

E inclui um argumento incomum: "Eu sou muito conhecido no Brasil e as coisas que eu ganho hoje não correspondem à altura do que eu sou, à fama que eu tenho. Então as coisas para mim saem um pouco mais caro. Se eu vou comprar um carro é o Esquiva Falcão comprando um carro, então vamos aumentar o valor porque ele tem condição. As coisas mudam de preço."

Quando migrou para o boxe profissional, em 2013, Esquiva abriu mão de pelo menos R$ 10 mil mensais no boxe amador, pagos pelo Ministério do Esporte, pelo Exército, pela Petrobras e pela Confederação de Boxe. Se ficasse mais alguns meses no esporte olímpico, teria também Bolsa Pódio, de R$ 15 mil. Ao escolher as lutas profissionais, Esquiva passou a depender das bolsas das lutas, e não se arrepende, após 26 lutas - e 26 vitórias.

"Sei que tô passando dificuldade maior, que se fosse o boxe olímpico estaria recebendo mensalmente, igual eu recebia antigamente, mas não me arrependo. Comprei minha casa. Se não tivesse ido para o profissional, estaria morando em um alojamento, ou alugado uma casa. Na dificuldade as pessoas se descobrem. Eu não sabia fazer massa e agora estou vendendo mini pizza", diz.

É uma referência ao negócio que ele e a esposa começaram no mês passado, e que Esquiva vem divulgando nas redes sociais. Eles fazem mini pizza em casa, em Vila Velha (ES), e entregam na região. Quando um site escreveu matéria contando que ele fazia entregas "para sobreviver na pandemia", o boxeador ficou bravo. "Não estou morrendo de fome, estou ajudando minha esposa no seu novo trabalho. Eu fico feliz em entregar e fazer a alegrias dos fãs", reclamou no Twitter.

Ao Olhar Olímpico, Esquiva voltou a ressaltar que não está passando fome, e contou que o negócio está indo muito bem. Só ontem à noite, antes de atender a reportagem, ele tinha entregado 250 mini pizzas, vendidas a R$ 2,50 se compradas em pacote de seis, ou R$ 3,50 a unidade. Com o motor do carro pifado, ontem ele contratou os serviços de um amigo, que trabalha como motorista de Uber.

A Top Rank deve promover lutas no final do mês, Esquiva poderia lutar, mas sua ida aos Estados Unidos hoje é impossível, por causa da barreira imposta a brasileiros. Enquanto não faz o que sabe de melhor, o boxeador entrega pizzas e espera por doações na sua vaquinha. "Quem puder ajudar com algum valor vou ficar muito feliz, mas quem não puder, não estou obrigando ninguém a ajudar. Eu deixo bem claro: não precisa ajudar. Mas se alguém quiser ajudar, estou compartilhando."