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COB quer mudar lei antes de cortar salários de dirigentes durante pandemia

Paulo Wanderley, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) - Silvia Izquierdo/AP
Paulo Wanderley, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) Imagem: Silvia Izquierdo/AP

13/04/2020 04h00

O Comitê Olímpico do Brasil (COB) quer que o Ministério da Cidadania elimine temporariamente a regra que impõe teto de 25% dos recursos da Lei Agnelo/Piva destinados a despesas administrativas, o que inclui salários de cartolas, que ganham até R$ 22 mil por mês. O comitê considera que os repasses da LAP serão reduzidos pelos próximos meses e os investimentos no esporte também serão menores, mas que os custos administrativos vão continuar praticamente os mesmos. Proporcionalmente, ficariam maiores.

"O boleto do aluguel vai continuar chegando", justificou o diretor jurídico do COB, Luciano Hostins, em debate online promovido pelo Instituto Brasileiro Direito Desportivo (IBDD) na semana passada. Procurado pela reportagem, o COB não respondeu às perguntas enviadas e diz que "tomará as medidas administrativas necessárias".

Ao explicar na live as razões para a iniciativa, o diretor jurídico do COB apontou para uma expectativa de redução na arrecadação, já que as pessoas estão apostando menos nas Loterias. Os gastos com a "atividade fim" (esporte) também estão diminuindo, segundo ele, porque as competições foram canceladas, os campings de treinamento também, e os atletas estão em casa. Assim, os gastos administrativos cresceriam proporcionalmente.

Em dezembro, o COB informou ter aprovado orçamento para 2020 com quase R$ 313 milhões oriundos da Lei Agnelo/Piva, dos quais apenas 16% (cerca de R$ 50 milhões) seriam utilizados em despesas administrativas do próprio COB e das confederações, taxa bem abaixo dos 25% exigidos por portaria ministerial de dezembro de 2017. A reportagem não encontrou o orçamento completo no site do comitê, que fechou 2019 com R$ 145 milhões em caixa, o que inclui dinheiro privado, que poderia ser utilizado para pagar despesas que superassem o teto legal de 25%.

Individualmente, cada confederação também precisa respeitar um limite de gastos administrativos de 20%. É aí que reside o problema. Independentemente do valor recebido pela Lei Agnelo/Piva, os presidentes dessas confederações têm um mesmo salário padrão, de cerca de R$ 22 mil, que deve ser computado como gasto administrativo. Sozinho, um cartola pode custar até R$ 270 mil. Há confederações que recebem R$ 2,6 milhões ao ano, valor que vai diminuir com a redução das apostas.

Se a lei exige o corte de gastos administrativos, o natural seria cortar o maior deles: os salários de altos dirigentes. Mas, ao menos até o feriado de Páscoa, nenhuma confederação havia anunciado publicamente medidas de redução de despesas administrativas, nem o COB. Em 2019, como mostrou o Olhar Olímpico, o COB tinha previsão de gastar R$ 5,4 milhões com salários dos presidentes de 22 confederações. Ao invés de fazer cotes, o COB foi pelo caminho mais curto: mudar a lei.

A reportagem questionou o COB sobre cortes em salários de dirigentes e funcionários de alto escalão, mas não obteve resposta. O comitê também não respondeu quantas confederações pagam salários aos seus presidentes, nem se alguma delas pediu a suspensão do pagamento após o início da crise. Também ficou sem resposta questionamento sobre a correspondência dos salários de presidentes sobre o gasto administrativo total.

O COB enviou apenas a seguinte nota à reportagem: "O COB está analisando o impacto da arrecadação das Loterias, o status de projetos e ações previstas para 2020 e tomará as medidas administrativas necessárias, sempre tendo em vista o grande desafio de manter o sistema esportivo brasileiro ativo em um momento de cortes significativos na atividade fim".

A crise vem em meio a uma novidade no COB: um processo eleitoral concorrido. O comitê decidiu manter a eleição marcada para novembro, e o grupo de Paulo Wanderley terá a concorrência do advogado Alberto Murray, que promete ter como vice o presidente da confederação de boxe, Mauro Silva. O "plano de governo" de Murray é calcado principalmente no aumento das transferências para as confederações, o que é música para os ouvidos de boa parte da cartolagem. Assim, cortar o salário de dirigentes que terão direito a voto na eleição de novembro não parece uma manobra eleitoralmente viável para Paulo Wanderley.

O Ministério da Cidadania disse que estuda o pleito do COB. "A Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania trabalha internamente para encontrar soluções técnicas e administrativas que contribuam para o melhor uso dos recursos públicos sem prejudicar o planejamento das entidades do sistema esportivo brasileiro", disse em nota.