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Olhar Olímpico

Volta ciclística isolada mostra que coronavírus pode parar esporte no mundo

Pelotão do Tour dos Emirados Árabes na etapa entre al-Ain até Jebel Hafeet no dia 27 de janeiro de 2020, antes da parada por Covit-19 - Giuseppe Cacace/AFP
Pelotão do Tour dos Emirados Árabes na etapa entre al-Ain até Jebel Hafeet no dia 27 de janeiro de 2020, antes da parada por Covit-19 Imagem: Giuseppe Cacace/AFP

28/02/2020 15h54

O risco de se realizar um evento esportivo de alto rendimento superou a barreira da hipótese e se tornou real quando dois casos de contaminação pelo coronavírus foram identificados entre integrantes de equipes que disputavam o Tour dos Emirados Árabes Unidos. Um efeito dominó deve causar enorme impacto em todo o ciclismo mundial e o caso pode alterar a realização de eventos por todo o mundo a menos de cinco meses da Olimpíada.

O novo coronavírus vem gerando contratempos ao esporte há cerca de um mês, quando diversas federações internacionais começaram a anunciar o cancelamento de eventos marcados para ocorrer na China, onde o surto teve início. Foram canceladas competições de grande relevância, como o Mundial Indoor de Atletismo, e torneios menores, como etapas de circuito mundial. Pré-Olímpicos foram remanejados de data ou local. A lista, cada vez maior, cresce à medida que novas regiões reconhecem a propagação da doença, como o norte da Itália, que cancelou a realização do Pré-Olímpico Feminino de Polo Aquático.

Esses contratempos afetaram, claro, a preparação de atletas de todo o mundo. Atletas que haviam planejado disputar o Mundial Indoor fizeram uma programação de treinos para atingir o pico de resultados em março, quando agora não haverá nada para eles disputarem. No tênis de mesa, o adiamento do Mundial por Equipes de Busan (Coreia do Sul) para junho vai afetar diretamente a preparação olímpica de seleções como o Brasil, que precisam de bom resultado para subir no ranking e fugir dos favoritos no sorteio das chaves olímpicas.

Esses impactos, porém, eram apenas de logística. O que aconteceu nesta quinta (27), quando autoridades sanitárias de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, lacraram os hotéis onde estavam hospedados as cerca de 1,4 mil pessoas envolvidas em uma das voltas mais importantes do circuito mundial e exigiu que todos fizessem exames para o coronavírus, é um impacto direto. Logo veio a confirmação de que dois membros de staff, ambos italianos, estavam com a doença.

O raciocínio é direto: esses dois profissionais (supostamente massagistas) tiveram contato com outros membros de suas equipes, que tiveram contato com os ciclistas dessas equipes, que, competindo, tiveram contato com todos os ciclistas do pelotão, que por sua vez tiveram contato com os membros de suas respectivas equipes. A situação se agrava quando se lembra que todas essas pessoas são hospedadas nos mesmos hotéis e convivem em largadas e chegadas. Em tese, qualquer pessoa que participou do tour pode estar contaminada.

É uma hipótese semelhante à que fez o Japão trancafiar os tripulantes do navio de cruzeiro Diamond Princess em uma quarentena de duas semanas. Até agora, 813 pessoas que estavam no navio tiveram o coronavírus detectado e três morreram.

Temendo que a doença se espalhe pelo país, o governo de Abu Dhabi determinou que os dois hotéis onde estavam pessoas que testaram positivo para o coronavírus sejam colocados em quarentena, com os hóspedes ficando trancados em seus quartos. Isso significa que ciclistas que estiverem hospedados lá podem se ver obrigados a permanecer 14 dias trancafiados, pedalando apenas nos chamados "rolos". Um cenário impróprio para a preparação física de um atleta de alto rendimento.

O dinamarquês Michael Morkov, que abandonou a competição na quarta (26) para participar do Mundial de Ciclismo de Pista na Alemanha no próximo domingo (2), foi colocado em quarentena em um hotel de Berlim assim que chegou e ainda não está claro se ele poderá competir. Outros atletas que disputariam os últimos dias do Mundial e usavam o tour como última fase de treinamento, como o espanhol Albert Torres, estão trancafiados em Abu Dhabi. As mesmas equipes que estão no Golfo Pérsico também eram aguardadas para outras grandes voltas, como Paris-Nice (França) e Tirreno-Adriático (Itália), ambas em março.

O exemplo do ciclismo coloca em risco todo o esporte mundial porque mostra que um único caso pode paralisar toda uma modalidade. E que não são só os países mais afetados pela doença (China, Coreia do Sul, Japão, Irã e Itália, principalmente) que oferecem risco. Quando o circo do ciclismo chegou aos Emirados Árabes Unidos, o país ainda não tinha nem 10 casos confirmados de coronavírus.

A Fórmula 1, que também leva seu circo para diversos cantos do mundo, já vive esse dilema. Como contou a repórter Julianne Cerasoli, existe um plano para que profissionais da Honda que estão trabalhando nos testes coletivos na Europa nem passem pelo Japão, para não correrem o risco de serem barrados em outros país.

A tendência parece ser que cada vez mais eventos esportivos sejam cancelados. A Itália, por exemplo, proibiu torneios em diversos estados do norte do país, o que obrigou a seleção brasileira de natação paraolímpica a ficar só 24 horas em solo italiano. A Irlanda cancelou um jogo de rúgbi contra a Itália, e, no Japão, o evento teste de bocha paraolímpica deve acontecer com funcionários do comitê organizador atuando como atletas.