Milly Lacombe

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Eduardo Paes confessa onde progressismo e extrema direita se unem no Brasil

Eduardo Paes é um prefeito moderno. Simpático, dançante, sorridente. Traz Madonna e Lady Gaga para cantar em sua cidade. Que festa! O progressismo sorri. Temos aí um político que sabe se comportar e olhar para pautas que nos interessam. Há esperança.

Até deixar de haver.

Eduardo Paes achou de bom tom sancionar uma lei absurda e revoltante que pretende constranger mulheres que procuram a rede pública usando o direito dado a elas por lei de praticar aborto legal.

Quando o aborto é legal no Brasil? Em caso de estupro e em caso de a vida dessa mulher estar correndo risco.

Agora, com a benção de Eduardo Paes, essas mulheres serão recebidas nos hospitais e nas clínicas com cartazes que dizem o seguinte:

- Aborto pode acarretar consequências como infertilidade, problemas psicológicos, infecções e até óbito;

- Você sabia que o nascituro é descartado como lixo hospitalar?;

- Você tem direito a doar o bebê de forma sigilosa. Há apoio e solidariedade disponíveis para você. Dê uma chance à vida!.

Vamos devagar. Primeiro, aos cartazes.

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O aborto ilegal, esse sim, oferece muitos riscos. O aborto legal é um procedimento bastante simples na maior parte dos casos. E os riscos são os mesmos de outros procedimentos simples. Tocar o terror em nome de uma moral distorcida é atitude covarde. Feto não é nascituro. Feto é feto e não há como dizer que ele contém uma vida, uma alma, um espírito. Colocar nesses termos é apenas querer fanatizar e interditar o debate.

Doar o bebe sigilosamente, diz o cartaz. Dê uma chance à vida. Que vida? Feto não é vida. Quem acha que feto contém vida tem o direito de não abortar. Como cientificamente esse debate não existe, então quem acha que feto não contém vida está sob a proteção da lei para abortar nos casos citados. A única vida que sabemos comprovadamente que existe aqui é a da mãe.

Agora, sobre o papel vexatório de Paes e da esquerda nessa história.

Eduardo Paes é moderninho para trazer Lady Gaga, mas quando se trata de respeitar o corpo e a dignidade de uma mulher ele cola no bolsonarismo com gosto. Erra Paes e erra a esquerda que é igualmente misógina e incapaz de colocar o debate a respeito do aborto onde ele precisa ser colocado: queremos aborto legal e gratuito para todas as mulheres no Brasil.

Falar de aborto não é falar de assassinato como antiabortistas vomitam por aí; até porque se essa turma estivesse preocupada com assassinatos ela não focaria no feto mas na quantidade bélica de feminicídios no Brasil. Falar de aborto é falar de políticas reprodutivas: falar de educação sexual, de apoio social à mãe que decide ter o filho, de licença maternidade extensa e remunerada, de amparo à mãe solo, de creche pública e gratuita, de ensino de qualidade público e gratuito, de um SUS equipado para atender mães e crianças etc. Esse é o debate que evitaria que mulheres se desesperassem ao engravidar. Esse é o debate que respeitaria a maternidade e a família. Esse é o único debate decente.

O debate honesto sobre aborto também precisaria reconhecer que no Brasil há mulheres que abortam livremente e sem riscos: são as de classe média alta. A elas é dado o privilégio. Sabem onde ir, sabem que se trata de um procedimento rápido, sabem que não há riscos, sabem que serão bem tratadas. Os corpos que estão sendo doutrinados com essa histeria moralista e fanática antiabortista são os das brasileiras pobres. Querem que a gravidez seja levada até o fim. Depois do nascimento, bem, aí o problema é de vocês. Quem mandou transar? Agora trabalha feito uma condenada e sustenta essa criança. Uma esquerda não misógina seria feita de homens capazes de tensionar o debate radicalizando-o para a outra ponta. Mas não temos essa esquerda no horizonte, infelizmente.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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