Frida, uma vira-lata sem igual, virou cerejeira

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Ela chegou com dias de vida. Abandonada, órfã, do tamanho de um calçado numeração 37. A gente não sabia se ela viveria, mas sabíamos que faríamos o possível para que assim fosse. Era o outono de 2011 e nós a encontramos nos fundos de uma loja de artesanato numa cidadezinha na Serra da Mantiqueira. Levamos ela para São Paulo, compramos o que tinha que ser comprado, e a alimentávamos de duas em duas horas. Ela passou pelo período crítico e cresceu. Adquiriu um vão livre de fazer inveja a Lina Bo Bardi e se transformou numa cachorra cujas formas eram tão originais quanto peculiares. Demos a ela o nome de Frida e a levamos de volta à serra, para viver na casa onde íamos passar os finais de semana e onde hoje moro. Frida rapidamente se adaptou ao lugar e todas as manhãs saía para longos e solitários passeios. Já grandinha, levou um coice de um cavalo e passou três dias se arrastando com as patas da frente como se nada tivesse acontecido. Voltou ao normal, mas compreendeu que perto de vacas e de cavalos não deveria mais ir. Anos depois, empolgada, caiu de uma altura considerável do deck e ficou estatelada no chão me olhando. Corri para o veterinário, que nada constatou. Voltou para casa e saiu pelas trilhas do campo. Comia com uma vontade infinita. Durante os anos, Frida testemunhou a chegada de outros oito cachorros, que ela tratava com desdém e mantendo a primazia da chegada. Alguns, cinco vezes maiores do que ela, Frida fazia questão de colocar em posição de respeito. Testemunhou também o fim de um casamento e o começo de outro, idas e vindas, brigas, recomeços, reestruturações e algumas outras despedidas. Com seres humanos ela nunca implicou. Gostava de carinhos na cabeça e adorava caminhar até a casa da vizinha em dias de festa. Era lá que ela passava horas sendo paparicada e alimentada com guloseimas. Mesmo quando andar passou a ser uma ação mais complexa, ela ainda assim dava um jeito de chegar à casa da Cris para dar um oi. Quando a artrose piorou ela não reclamou. Começou a se mexer menos, cancelou os passeios, mas seguia comendo com fúria. Pequenina e de patas curtas, nem sempre conseguia nos cutucar por carinho então adotou a técnica de encarar. Chegava perto e encarava até receber a atenção que ela julgava devida. A artrose piorou muito e um dia a incapacitou de andar. Durante semanas eu e levava para o Sol, a levava para a sombra, para dentro de casa, para a caminha, para perto da água. Dei a medicação e as injeções para aliviar a dor e ela me olhava como quem agradece mas sabe que o fim sempre chega. Foram 15 anos de Frida e de seu olhar inigualável. Uma companheira e tanto. Como agradecer o amor e a atenção que esses bichos nos dão? Como lidar com a dor da passagem? Frida foi embora numa segunda feira fria e nublada de Junho. Dia nove, mais exatamente. Escolhemos enterrá-la na terra que ela amou desde o primeiro dia. Terra que era dela e que ela conhecia como nenhuma de nós jamais conhecerá. Fridoca virou cerejeira e, com a mesma força com a qual viveu e correu, vai por muito tempo florir.
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