Não deveria existir debate sobre punir quem normaliza pedofilia

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O perfil das vítimas de estupro segundo o Anuário de Segurança Pública: meninas (88,2%), negras (52,2%) e de no máximo 13 anos (61,6%). Em 2022, 17.316 garotas de até 14 anos foram mães nesse país. É um retrato trágico e que deveria causar repulsa e revolta. Mas alguns preferem apenas fazer piada enquanto outros escolhem defender o colega que fez a piada citando um suposto direito soberano de dizer o que bem quiserem quando bem quiserem porque, afinal, o mundo para eles sempre foi esse e não somos nós, os chatos, que vamos mudar isso agora.
A masculinidade nesses termos atua como tecnologia de dominação para reproduzir opressões. No caso da pedofilia, a suposta piada tem a capacidade de ao mesmo tempo diminuir seu horror e fincá-la como cultura.
Que cultura? Vamos a ela.
Desde a infância, somos ensinadas a agir como mulheres, a usar maquiagem, não engordar, usar salto, colocar a parte de cima do biquini mesmo sem peitos, se portar como mocinhas. É nesses termos que uma menina é socializada. Quem não adota os códigos é criticada, debochada. Quem adota, é sexualmente assediada em casa ou na rua - ou em ambos os lugares. Quando aconteceu com você pela primeira vez? Comigo foi aos 11 anos, pelo pai de uma amiga.
Crescemos e a doutrinação passa a ser outra: manter nossos corpos como o de uma adolescente: sem quadril, magro, sem pelos e sem manchas. É assim, nos dizem, que os homens nos querem. A pornografia reforça o desejo: a sexualização da adolescente em saia quadriculada saindo do colégio.
Diante desse contexto podemos escolher lutar para transformá-lo ou trabalhar para perpetuá-lo.
O autoproclamado humorista que escolhe dizer que gosta de seu uísque como gosta de suas mulheres - puro e com 12 anos - não faz uma piada, ele reproduz a violência. Ele normaliza o crime. Ele incentiva o abuso. No material do humorista recentemente punido, a pedofilia parece ser assunto de predileção. Não concordo necessariamente com a sentença da detenção, preferiria uma sentença que falasse em reforma e aprendizado. Mas concordo com a punição. Não é aceitável que a prática da pedofilia seja normalizada nem na dimensão da anedota.
Em que mundo há debate sobre o direito do comediante seguir cometendo essas piadas? Por que estamos falando a respeito disso como se houvesse espaço para debates sobre liberdade de expressão? Liberdade de quem? Do sagrado direito de homens e do Estado sobre corpos de crianças? Durante muito tempo os homens que agora exigem seguir dizendo o que bem entenderam puderam de fato agir assim. Mas não mais e é com isso que eles não se conformam.
No momento em que são contrariados por aqueles que sempre dominaram eles reagem de acordo com a qualidade das piadas que produzem: regredidos e fazendo pirraça. Os grupos por esses homens diminuídos disseram basta. É tão difícil assim encontrar material criativo que não reproduza sistemas de violências? O bullying remunerado é o caminho mais fácil para quem não tem talento, verdade. Mas será que não é possível que, com um pouco de esforço, esses rapazes sejam capazes de fazer graça sem colocar a vida de outras pessoas em risco?
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