Classificação do Fluminense expõe sintomas sociais de uma torcida adoentada
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Aparecidense e Fluminense se encontram em Brasília pela Copa do Brasil. Mando do Aparecidense, que decidiu levar o jogo para a capital federal a fim de embolsar uma grana extra. Diante de um estádio esvaziado, o jogo começou muito ruim. Fluminense atacava de forma negligente, criava e não levava perigo real, mas tinha a bola e o domínio. Numa dessas, gol do Aparecidense, time que está na série D e contava com 50 torcedores no Mané Garrincha.
No começo do jogo, festa e canções de incentivo para o tricolor. Depois de vinte minutos, tensão e algumas vaias. Na sequência do gol do mandante, muitas vaias.
O Fluminense seguia atacando, o gol do adversário parecia uma eventualidade, o jogo não estava nem no segundo tempo ainda. Havia todos os motivos do mundo para acreditar que o Fluminense conseguiria ficar com a vaga. Por que tantas vaias? Por que tanta raiva? Por que tão cedo?
Estamos vaiando cada vez mais e cada vez mais rapidamente.
Fluminense, Palmeiras, Flamengo, Botafogo, Grêmio, Inter, Cruzeiro? não importa a camisa. O comportamento das torcidas tem sido absolutamente adoentado.
Não pode vaiar, Milly? Pode, claro. Mas seria preciso buscar um motivo justo. Derrotas seguidas, ausência de alma, time sem identificação com a torcida; há bons motivos. O que não entendo é esse descontrole de vaiar justamente quando o time mais precisa de apoio.
No jogo entre Vasco e Operário, realizado no dia 20 de maio, o angolano Loide, que veste a camisa vascaína, entrou no segundo tempo. O Vasco vencia, e Loide executou lances que mostravam muita vontade de fazer alguma coisa.
Parecia alegre e disposto. Na terceira ou quarta vez que tocou na bola, tentou um elástico e errou feio. A torcida vaiou e debochou. Loide começou a errar tudo depois disso. E a torcida vaiava mais. Loide passou e mostrar visível humilhação e quando acertou um chute no gol, mesmo sem fazer o gol, provocou a sua própria torcida. Virou guerra.
Quando o Operário empatou, no último minuto do jogo, Loide ajoelhou e ficou sozinho com a cabeça encostada à grama. Na disputa de pênaltis que decidiu a vaga, Loide não se escondeu e bateu. Fez o gol e não comemorou. Parecia querer chorar. Eu via tudo isso pela TV e pensava: por que fazer isso com um jogador que usa a camisa do seu time e que parecia tão esforçado e alegre?
Onde estamos com nossas cabeças? Desde quando vencer e acertar tudo passou a ser obrigatório? Por que nos achamos no direito de desmoralizar nesses termos nosso time justamente quando ele parece mais precisar da gente?
Muito se fala sobre o comportamento da torcida do Corinthians durante os jogos e eu acho que falam até pouco. Ela não desmoraliza o time durante o jogo. Ela apoia e apoia e apoia até o apito final. Não seria essa a atitude mais inteligente? Amamos uma camisa ou amamos vencer sempre e obrigatoriamente? Não temos mais paciência de esperar um time se formar, não toleramos mais tropeços, não aturamos nenhuma espécie de erro, deslize ou fracasso. Dos outros, claro. Porque os nossos erros a gente finge que não vê.
Nelson Rodrigues dizia que no Brasil vaia-se até minuto de silêncio. Verdade. Mas era uma outra espécie de vaia. Era uma vaia menos raivosa, uma vaia que não chegava tão cedo, uma vaia quase folclórica. Agora a vaia vem com ódio, ira, destempero. Não entendo e não gosto.
Ah sim: No final, Aparecidense 1 x 4 Fluminense. Flu classificado.
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