Milly Lacombe

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OpiniãoEsporte

O momento era para rupturas e não para conchavos

O que vai mudar com o futebol brasileiro a partir da eleição de Samir Xaud? Nada. Zero. Niente, como diria o novo treinador da seleção.

Voltamos à lógica eternizada na obra "O Leopardo", do italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa: é preciso mudar tudo para que as coisas sigam como sempre foram.

Xaud é despreparado para ocupar o cargo. Mas, em muitas escalas, também eram despreparados Teixeira, Marin, del Nero, Nunes, Cabolco e Rodrigues. Não há nessa lista um homem sequer interessado pelo esporte a menos que consideremos dinheiro, riqueza e poder um esporte.

Agora vamos renovar colocando um homem mais jovem no comando. Essa é a única renovação aceitável: a da idade.

Ah sim: e uma mulher como vice para servir aos anseios das chatas das feministas. Mas o feminismo no qual acredito observa que não adianta nada colocar mulheres em posições de comando se elas forem reproduzir nos detalhes tudo o que foi feito até aqui.

Nem Xaud nem Michelle Ramalho, sua vice, estão ali para mandar. Ambos estão ali para servir. A quem? Bem, essa é a pergunta de bilhão.

Uma resposta possível seria: servir aos mesmos interesses de sempre. Aos da CBF como empresa de negócios que não estão necessariamente ligados ao jogo. Como receptora dos milhões que entram via contratos de patrocínio e direitos de transmissão. E orientada para o lucro. Empresa que paga muito bem a diretores e presidentes de federações. Que economiza em treinamento de arbitragem, políticas de inclusão, educação social do esporte, diretrizes sobre qualidade do gramado. Gastos sociais ultra-controlados; já os gastos privados, well, my friend, not so much.

A outra opção de candidatura seria Reinaldo Carneiro de Bastos, da FPF. Mudaria muita coisa? Não, não mudaria. Seria mais do mesmo. O mal menor? Talvez. Mas não é ocasião de composições; é ocasião para rompimentos, para quebras, para desfazer.

Muitos defendem que seria hora da criação da liga de clubes. Se a ideia é deixar nosso futebol mais parecido com o europeu, sim, seria. Como não sou especialmente fã da organização europeia do futebol, não faço coro.

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Seria o momento para pensarmos no futebol que nos cabe. Arenas, ingressos caros, dois ou três clubes se revezando no topo da tabela, protocolos e mais protocolos, torcida sentadinha e comportada, hinos para cada competição ao estilo 'trilha sonora de Game of Thrones' não fazem minha cabeça. Privatizar ainda mais o Brasileirão não me parece solução.

Seria a hora para chamarmos à mesa novos atores diferentes para repensar velhas fórmulas. Sueli Carneiro, uma das mentes mais brilhantes desse país, escritora apaixonada pelo futebol. Djamila Ribeiro, outra corintiana atenta às coisas dessa nação. Luiz Antônio Simas. Elias Jabbour. Nosso Juca Kfouri que, sim, defende a liga que eu rejeito mas cujas ideias são sempre engajadas e lúcidas a respeito desse jogo. Joanna Maranhão. Ana Moser. Marta. Sissi. Pastor Henrique Vieira. Christian Dunker. Juninho Pernambucano. Casagrande. Cris Gambaré. Eu poderia seguir por muitos parágrafos. Nomes não faltam.

Um grande conselho para repensar a estrutura desde a sua raiz.

Refundar a CBF. Refundar o futebol brasileiro. Mas não. Lá vem Xaud, apadrinhado pelos que justificam Lampedusa 70 anos depois da publicação de sua clássica obra. Vamos ser inundados de sorrisos, de clichês ("eu vim para somar"), de frases de efeito, de imagens do jovem dirigente arregaçando as mangas, das maravilhas de termos uma mulher como vice. Tomara que ela me prove equivocada e de fato aja em nome de alguma inclusão para outras mulheres e em nome do futebol feminino. Tomara que ela fale abertamente sobre as violências praticada por muitos jogadores contra suas mulheres e ex-mulheres, que se engaje em campanhas de conscientização, em cursos para educação da classe e da CBF, que olhe para as mulheres jornalistas no esporte. Pode ser que ela faça isso? Pode. Eu acredito? Só vendo.

E assim seguimos. Até que um novo escândalo apareça, mais um presidente seja afastado e o novo sonho de mudança seja bem trabalhado pelos departamentos de marketing de quem cuida das contas da turma que assumirá.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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