Quando a régua moral das emissoras é cruel com a dor do torcedor
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O São Paulo lotou o seu estádio para mais um jogo da Libertadores. E quem foi não se arrependeu: gol no finalzinho, classificação antecipada garantida, garoto da base fazendo estreia de respeito, carisma, força, identificação e esperança. Mas para quatro pessoas presentes ao Morumbi a história não foi essa.
Eu via pela TV quando escutei o narrador avisando que o jogo estava parado porque o campo havia sido invadido. A régua moral manda condenar o invasor, que é tratado como pária. As câmeras não mostram porque convencionou-se que quem invade quer aparecer e, nesse caso, a emissora vai condená-lo ao ostracismo. No cameras for you, como diria o personagem "Soup Nazi" do seriado Seinfeld.
O futebol tem muitos problemas e eu argumentaria que invasão de campo nunca foi um deles. Invasão é sintoma e não doença. Lembro de ter sido afastada da emissora na qual trabalhava depois de dizer ao vivo que o momento mais emocionante de um certo jogo - que já não lembro mais qual era - foi aquele em que um maluco entrou correndo seminu pelo gramado. Bastou. No camera for you! Uma declaração abertamente machista não teria me afastado, mas fazer apologia à invasão de campo foi intolerável.
Pois quando escutei o narrador do jogo do São Paulo contra o Libertad falando de uma invasão eu pensei: mas que besteira seguirem sem mostrar! Por que um cara invadiria a essa altura? O São Paulo empatou e pode virar. Quais os motivos? Não deveríamos investigar?
Pois.
Acordo e fico sabendo que o rapaz que invadiu estava em busca de socorro para seu pai e irmão, atingidos por uma placa que caiu sobre eles durante a celebração do gol de empate. No total, quatro pessoas feridas. O são-paulino estava desesperado e pedindo a ajuda que teria sido a ele negada nas cadeiras em que estavam vendo a partida. O torcedor manchou o próprio rosto com o sangue do pai caído para ver se alguém teria empatia e ajudaria. Uma história de terror que acontecia concomitantemente ao êxtase dos demais. Berrar e não ser escutado é das experiências mais traumáticas de uma vida.
Essa régua moral usada pelo futebol é burra. Nem toda invasão é farra ou iminência de agressão. Há invasões que são pedidos de socorro. Aconteceu faz pouco tempo em jogo da Sul-Americana. Seria decente escutar o torcedor e sua dor. Seria decente que as câmeras mostrassem o que acontece em campo em vez de uma emissora comandada sempre por meia dúzia de homens brancos privilegiados se julgar no direito de decidir o que mostrar e, pior, o que não mostrar, riscando o chão com o giz do que entende ser moralidade.
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