A história da primeira geração de mulheres que pôde jogar bola no Brasil
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Eu tinha sete anos quando fui tirada da quadra do colégio na hora do recreio por duas professoras que me disseram: menina não joga bola. Menina brinca de boneca. Arrastada até uma sala onde meninas celebravam o aniversário de uma boneca eu sentei no chão e chorei. Na mesma época, nas periferias e nos subúrbios, mulheres ousavam praticar um esporte proibido por lei para elas; durante 40 anos - de 1941 até 1981 - o futebol feminino foi proibido no Brasil. Era, diziam, "incompatível com a natureza da mulher e prejudicial à maternidade.
Com a queda da perversa lei o futebol feminino começou a ser praticado. Marginalizado, empobrecido, destratado mas, ainda assim, jogado. Os primeiros apoiadores foram Castor de Andrade e Eurico Miranda. Além deles, outro carioca, Eurico Lira, foi o maior incentivador e fundou o "Radar", o clube mais forte dessa primeira fase da retomada do futebol feminino.
Enquanto isso, já morando em São Paulo, eu nunca parei de jogar apesar daquele cruel encontro com a professoras no recreio e fazia parte de times de forma amadora. Um dia, disputamos uma partida numa quadra de salão: era o time em que eu jogava e algumas jogadoras do Radar, aquela timaço, e, bem, digamos que nosso time não fez feio.
A primeira geração de jogadoras era composta pelas mulheres que nunca abaixaram a cabeça para a lei que as proibia de jogar: mulheres suburbanas e periféricas. Antes da proibição, o futebol feminino florescia no Brasil e toda essa história é contada em "As Primeiras", documentário de Adriana Yanez que está em cartaz em São Paulo, no Espaço Petrobras e Cinema, até 18 de Abril.
O filme faz uma viagem no tempo e revisita algumas das atletas que estiveram na Copa do Mundo feminina de 1988, a primeira. É tocante e arrebatador no sentido que nos mostra como, desde o começo, aqueles que parecem querer ajudar são os mesmos que impedem o desenvolvimento. Em uma das imagens vemos parte do time de 88 abraçado a Ronaldo Fenômeno, jovem atleta em ascensão. E então corta para a vida delas hoje, uma vida financeiramente escassa. É impossível não pensar em como se deu a jornada de Ronaldo e o que essa diferença revela sobre ser homem e ser mulher nesse mundo.
No final, a frase que me arrancou os pés do chão. Perguntada sobre o futuro, Maria Lucia, a Fia, diz com o olhar perdido e entristecido: meu futuro já foi.
De certa forma, foi. Nosso futuro foi. Mas existe um outro futuro sendo construído e ele chegará. E chegará porque houve uma geração que ousou ser a primeira.
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