Declarações de jogadores da seleção indicam por que Neymar virou um culto

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Rodrygo defende que o Brasil jogue por Neymar, para Neymar, inspirado em Neymar. Dorival confessou em momento de coragem delirante que tinha preparado um esquema em torno de Neymar para os jogos contra Colômbia e Argentina. Raphinha já deu declarações parecidas com a de Rodrygo. Vini idem. Acho que quem estiver prestando atenção entendeu que Neymar virou um culto.
O que define um culto? Um culto é uma manifestação exotérica de alguma coisa que consideramos sagrado. Não tem associação com o concreto, mas com a crença. Não precisamos ver, apenas acreditar.
O intrigante desse processo de cultualização a Neymar é que ele até faz sentido.
Ao colocar Neymar no altar estamos deixando claro que consideramos sagrado um certo estilo de jogo. A ousadia. O drible. A irreverência. O vai pra cima. A criatividade. Eu posso tranquilamente concordar com isso. Acho que todos podem. Quando um estádio grita "olé" durante uma partida estamos justamente reconhecendo que o sagrado faz parte do jogo.
Mas aqui seria preciso estabelecermos algum contato com a realidade. Neymar não é Neymar há pelo menos sete anos. Muito antes do joelho o tirar por um ano dos jogos. Neymar foi para as arábias porque não houve um clube europeu interessado nele. E veio para o Brasil porque nem mesmo o Sauditão tinha interesse nele.
Quando vamos aterrizar na concretude do solo a respeito de Neymar? Quando sairemos do delírio?
Queremos que o Neymar de 2011, 12, 13, 14, 15 e 16 volte? Queremos. Alguma coisa com base na razão indica que ele voltará? Não. Por que seguimos em transe? A resposta é capciosa.
Seguimos em transe porque olhamos em volta e tudo o que vemos na seleção é burocracia, conservadorismo, covardia. Nessa hora a ideia do que Neymar representa, um futebol arrojado e inspirado, bate mais forte e a gente tende a querer que ela seja real: basta ele voltar e tudo ficará bem. Mas essa ideia não é mais real. Até voltar a ser, não é mais. Queremos uma solução simples (a volta de Neymar) para um problema muito complexo (o futebol da seleção morreu e precisa ser refundado).
A alucinação coletiva é tão profunda que Rodrygo chama Neymar de 10 e a gente não fala sobre isso. Neymar não é um 10. Ganso é um 10. Matheus Pereira é um 10. Zico foi um 10. Arrascaeta é um 10. Neymar é tão genial que inventou um novo lugar em campo para ele. Ele é um 10,5. Na verdade, um 11 para mim. Mas, a fim de encaixá-lo no que achamos que faz sentido, recuamos Neymar, colocamos ele dentro de uma caixa, estabelecemos uma área do campo em que ele está autorizado a jogar e não percebemos como erramos. Temos parte nesse desvario.
Mas cultualizar Neymar vai nos ajudar? Não, de forma alguma. A entrevista de Raphinha a Romário é um sintoma da nossa doença. Achamos que podemos compensar na porrada o que nos falta em conjunto, em arte e na cultura futebolística que conscientemente escolhemos abandonar.
Podemos celebrar Neymar respeitando nosso futebol, sua grandeza, suas identidades, seus predicados. Podemos respeitar Neymar levando a campo nossa irreverência e alegria. Podemos respeitar Neymar voltando a ser Brasil. Não haveria melhor maneira de cultuar aquela que é a única deve ser cultuada por uma seleção nacional: a torcida brasileira.
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