Milly Lacombe

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Casos de violência sexual não deixam de existir quando saem do noticiário

Quando um homem famoso e poderoso é acusado por qualquer tipo de violência de gênero o assunto explode no noticiário. Falamos sobre tudo o que envolve o caso por dias e dias. E então o noticiário dá lugar a escândalos mais recentes e o homem poderoso e seus vícios caem no esquecimento. Nessa hora é comum que os passadores de pano entrem em cena para dizer "aquele caso não deu em nada e a vida do cara acabou". A intenção é alertar para o que uma acusação faz com a vida do acusado. Pedem calma, respeito, benefício da dúvida.

Em crimes de violência sexual as provas são raras, por motivos óbvios. Quem tem vídeo, áudio, perícia, testemunhas? Em crimes como esse, a palavra da denunciante tem peso de prova exatamente pelas especificidades. Ainda assim, na falta desse tipo de materialidade, as vozes do patriarcado berram: não há provas, estão querendo acabar com a vida do acusado.

Mesmo quando a denunciante ou o MP conseguem provas elas não são suficientemente boas. O que não falta é gente pronta para defender o acusado como se esse crime pudesse ser analisado da mesma forma que os demais.

Embora não haja uma epidemia de falsas denúncias, todo novo caso é recebido com imensa desconfiança pela opinião pública; é falsa denúncia, berram muitos. Para eles, quem acusa quer aparecer e acabar com a moral do acusado Se o acusado for um homem poderoso então, boa sorte para quem acusa. A machosfera se une, sem nenhuma vergonha, para berrar "ele foi acusado sem provas", colocando a palavra da denunciante na lata de lixo.

Vejamos o caso que envolve o ex-diretor da Globo Marcius Melhem.

Escuto aqui e ali homens dizendo que o caso de Melhem não deu em nada. É de fato curioso que alguns tenham a cara-de-pau de dizer coisas assim. A denúncia de assédio sexual contra ele foi recebida pelo judiciário em relação a três vítimas. Os casos de outras oito vítimas foram arquivados "por prescrição". E aí o apressado pode dizer: "aha! Oito foram arquivadas".

Seria aqui preciso entender duas coisas: foram arquivadas porque esse tipo de crime prescreve em três anos (três anos!). E, mesmo arquivadas, essas oito estão citadas no ato de recebimento das três denúncias. A citação às arquivadas indica que havia nessas oito bons motivos para serem recebidas, mas a prescrição impede o recebimento.

Assim, dizer que não deu em nada ou que ele foi inocentado é dizer uma mentira. Ele não foi inocentado. O Estado se recusa a receber porque, diante da lei, passou-se tempo demais para haver uma persecução penal. Sendo que, mesmo diante do prazo prescricional curto, ele segue sendo réu em relação a três vítimas.

Numa das denúncias de violência psicológica contra Melhem, o promotor se manifestou pedindo o recebimento. Essa, se recebida, vai se juntar aos processo de assédio sexual contra o diretor - já recebidos. Melhem está sendo acusado de perseguição e de violência psicológica, além de sexual.

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Quem o acusa não são as mulheres, mas um promotor. Quem o acusa é o Estado brasileiro depois de avaliar que há indícios suficientes para que assim seja feito.

Para resumir: hoje ele é réu em três casos de assédio sexual e foi denunciado por violência psicológica e perseguição em relação a quatro vítimas.

Como alguém pode achar que é legítimo dizer que o caso de Melhem não deu em nada ou que ele foi inocentado? Percebam que não estamos diante de uma controvérsia sobre fatos, mas sim sobre a gravidade dos fatos. Os que dizem que não deu em nada (nem Melhem, nem Silvio Almeida, nem André de Camargo Aranha nem qualquer homem poderoso acusado de crimes sexuais) querem dizer o seguinte: parem de acusar homens por bobagens. Não é grave esse negócio.

Nunca é grave. Não é grave ministro que mete a mão na perna de ministra por debaixo da mesa durante reunião de trabalho, não é grave homem que prensa mulher na parede e exige um beijo, não é grave receber subordinada em sua casa trajando apenas uma cueca e nada mais, não é grave dizer que sem boquete não tem promoção e depois avisar que era piada.

Seria menos hipócrita que os passadores de pano admitissem que eles não consideram essas coisas graves em vez de saírem por aí desmoralizando quem acusa e anunciando que não deu em nada, que não há provas, que a vida do acusado acabou por causa de uma farra, que precisamos ter mais cuidado antes de acusar. Digam claramente: não achamos nada disso grave.

A maior parte dos acusados por crimes sexuais escapam de um julgamento. A palavra de uma mulher não vale nada. Precisa haver 12, 20, 100 mulheres acusando um mesmo homem. De preferência com um vídeo que confirme. Ou uma gravação. E, mesmo com tudo isso, não é grave, ela também provocou, ela é uma pessoa pouco idônea, esse cara é um sujeito importante, deixem ele em paz. É difícil ser mulher nesse mundo e mais difícil ainda ter coragem de acusar um homem poderoso de violência sexual. A estrutura se organiza organicamente para proteger o acusado e desmoralizar a acusação evitando assim que outros colegas - ou eles mesmos - tenham que passar pelo que um deles está passando.

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Depois do texto publicado, a defesa de Marcius Melhem entrou em contato com o UOL e pediu que a coluna acrescentasse o lado do réu, o que farei abaixo lembrando que a nota dos advogados de Melhem não aponta erros fáticos e que, portanto, não houve nenhuma alteração no texto original desta coluna.

A seguir, a nota:

O artigo publicado por Milly Lacombe omite fatos importantíssimos que merecem ser esclarecidos.

Em primeiro lugar, ao mencionar a acusação de violência psicológica, a coluna não diz que há uma perícia do próprio Ministério Público que analisou 132 vídeos de Melhem e concluiu que não houve a prática de nenhuma violência psicológica.

A perícia ainda foi além: detectou "combinação de discurso e comportamento" por parte das supostas vítimas. Essa conclusão é gravíssima, ensejou o arquivamento de metade (4) das denúncias e as outras 4 que Milly Lacombe cita ainda não foram aceitas pela Justiça.

Quanto ao alegado assédio, não faltam testemunhas, áudios, vídeos e mensagens em favor de Melhem. A promotora que subscreve a denúncia infla a acusação misturando supostas vítimas com testemunhas que disseram não terem sido assediadas e até mulheres que desistiram da acusação e não quiseram denunciar Marcius. Além disso, ao pedir o arquivamento de parte dos fatos objeto da acusação de assédio, a própria promotora reconhece que sequer analisou o mérito de tais fatos por questões técnicas.

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A coluna menciona que os fatos estariam prescritos e que isso teria beneficiado a Defesa, o que não condiz com a realidade. Melhem, desde sempre, se insurgiu contra esse arquivamento, que o impossibilitou de discutir os fatos e esclarecer a verdade. Foi Marcius Melhem quem primeiro procurou a Justiça para contestar as acusações e está acionando as pessoas excluídas da ação penal na Justiça cível, tudo para que as falsas acusações não caiam no esquecimento.

É importante dizer que as provas apresentadas pela Defesa de Melhem não servem para colocar "a palavra da denunciante no lixo", servem para o exercício do direito de defesa e para provar a sua inocência! A inocência de uma pessoa que está afastada há 5 anos de sua profissão por força de injustas acusações e está longe do rol de "homens poderosos".

A coluna também desinforma seu público ao dizer antes de qualquer julgamento que "nao estamos diante de uma controvérsia sobre os fatos mas sim sobre a gravidade dos fatos". Estamos sim diante da discussão sobre os supostos fatos e à luz do direito ao contraditório e da presunção de inocência.

Por fim, parece-nos desrespeitoso dizer que a "Machosfera se une sem nenhuma vergonha, para berrar "`ele foi acusado sem provas´", quando há várias mulheres que testemunharam a favor de Melhem, quando há peritas mulheres que afastaram a alegação de violência psicológica, promotora mulher que pediu o arquivamento da denúncia de violência psicológica e Advogadas mulheres que integram a defesa de Melhem. O exercício da ampla defesa é direito de todos e todas.

Nota assinada pelos escritórios Oliveira Lima & Dall'Acqua Advogados e Técio Lins e Silva, Letícia Lins e Silva & Advogados Associados.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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